'A Suprema Felicidade' é surpreendentemente ruim. Porém, com um vasto material, prato cheio para uma reflexão a respeito de, como diz o diálogo, "a importância de descobrirmos quem somos". Jabor é um obeservador tenaz, um realizador preciso... Mas neste seu atual filme, parece ter desencarnado da perspicácia daquele grande diretor que me impressionou bastante com os seus 'Eu te Amo!'; e o com o Inigualável 'Toda Nudez será Castigada', o que vi no cinema hoje foi a obra de um artista descuidado, sem intuição, relaxado. Pareceu mais um daqueles filminhos fraquinhos da filmografia do Cacá Diegues! Volta Jabor!
Hedre L. Couto.
sexta-feira, novembro 5
quarta-feira, agosto 25
'Zeca Camargo é minha mula’
Numa época não tão distante tinha sido ele um jovem arquiteto de talento arrebatador. Casou-se com Mal, uma mulher fascinante. E passaram a dividir entrei si não apenas o carinho de um pequeno casal de filhos, mas também a paixão por uma inusitada técnica que lhes permitia adentrar por profundas experiências oníricas. Havia entre eles um amor de tal grandeza que o mundo real não mais lhes bastava. Precisavam de um lugar próprio, de um mundo particular. Aperfeiçoaram então suas técnicas, e tornaram-se obcecados pela idéia de abandonar a realidade, e entregaram-se à rotina de adormecer e se auto induzirem ao mundo dos seus sonhos. Lá, formaram um casal de deuses, criaram e materializaram mares, ilhas, cidades com avenidas ladeadas por arranha-céus improváveis e casas resgatadas das memórias de suas infâncias, tinham quais e quantas profissões quisessem, realizavam as viagens que desejavam, podiam controlar o clima e o tempo, eram senhores de sua felicidade, um mundo onírico confusamente mais real do que o real, projetado com a força do pensamento.
Porém, quando despertavam de volta ao mundo real, este já não parecia tão real, de modo que o mundo que criaram dentro dos sonhos parecia ser mais coerente, mais palpável, desejável. Com o passar do tempo Mal perdeu o controle e tornou-se dependente das imersões oníricas. Lançava-se nos sonhos e de lá não mais queria sair. Dom percebeu que a obsessão da esposa progredia perigosamente. Num dos sonhos, Mal se recusava a voltar para a ‘superfície’ e passaram tanto tempo sonhando e vivendo naquele mundo, que ambos acabaram mergulhando num nível mais profundo chamado – Limbo, onde chegaram a viver toda uma vida, envelhecendo juntos. À medida que se demoravam em tal dimensão, aumentava-se o risco de que eles não mais conseguissem acordar, foi quando Dom resolveu que era preciso ‘plantar’ uma idéia na cabeça de Mal: induziu-a passo a passo a questionar a realidade daquele mundo que ela julgava indiscutível. Acordaram.
De volta ao mundo real, depois de tanto tempo sonhando, Mal se torna perturbada. Desenvolve a idéia fixa de que o mundo real não é real e tenta persuadir Dom da necessidade de se matarem os dois, para que assim possam despertar na verdadeira realidade. A vida do casal enlouquece, Mal afirma que os filhos não são reais, e, sim projeções de suas mentes. No dia do aniversário de casamento, numa última tentativa de convencer Dom a cometer o duplo suicídio, como esse não concorda, ela joga-se do alto de uma janela. Para puni-lo, deixa uma carta, onde afirma que vinha sofrendo ameaças do marido e que temia por sua vida. Dom torna-se o principal suspeito do crime. Foge dos EUA. Foragido, torna-se acusado, e impedido de voltar a viver com os filhos...
...Erra de continente a continente. Não é mais arquiteto nem de seus próprios sonhos. E como não lhe restando outra opção, recicla suas habilidades com o subconsciente e transforma-se numa espécie de mercenário especializado em invadir mentes alheias. Com sua equipe, presta os mais clandestinos serviços para pessoas e corporações de todo o mundo. Seu verdadeiro trabalho agora é invadir a mente de determinadas pessoas, através dos sonhos, e lá plantar sementes de idéias, o que eles e seus colegas chamam de Inserção.
Por outro lado, Dom é um completo infeliz. Trabalha com único objetivo de conseguir comprovar sua inocência e voltar para casa, voltar para os seus filhos. E, quando tal objetivo parece ser inalcançável, surge uma proposta: um poderoso magnata deseja que ele faça uma inserção na mente do herdeiro do seu maior concorrente, e lá plante a semente da idéia “não seguirei os passos do meu pai. Venderei todos os negócios.” Aparentemente, surge a grande oportunidade através da qual Dom encerrará seu exílio involuntário, só que, para realizar esta tarefa ele precisará vencer diversos desafios, e o maior deles são as lembranças de Mal, que corroem sua mente como um vírus. Além disso, ele e sua equipe precisarão ir até a perigosa zona do Limbo.
Buscando A Origem...
“Cheio de arrependimentos (...) estou esperando alguém. Alguém de um sonho esquecido (...) morro de saudades de você. Mas preciso deixar você ir. Nosso tempo já passou (...) porque você não existe. Olha só pra você, é só uma sombra (...) nos meus sonhos você ainda está viva. Mas não são sonhos, são memórias” – são algumas falas de Dom. Na busca da Origem é preciso saber que a menor semente pode crescer dentro de uma cabeça e se transformar numa idéia, que pode crescer feito um câncer e te destruir. Dom é um homem alquebrado porque plantou na própria mente a semente da idéia de uma culpa. Não se perdoa por ter iniciado Mal nas navegações da mente; menos ainda por um dia ter-lhe plantado a semente da idéia do questionamento; nem por ter sido covarde quando resistiu e não pulou daquela janela com ela. Ele só queria voltar no tempo e recuperar a vida que perdera; a mulher que amava, os filhos amados que ficaram para trás. Logo Dom que sempre quis uma vida, e através dos sonhos a projetou em sua acepção mais plena, agora não tem vida alguma, precisamente sequer existe, e teme morrer sozinho. Por telefone, o pequeno James lhe pergunta: “quando você voltará para casa, papai?” e Dom responde, - “breve, filho” – mas ele sabe que talvez nunca retorne, porque Mal mora em sua mente, e mesmo morta, está viva e causando danos como nunca, tentando ainda o convencer a abandonar tudo metendo uma bala na cabeça, para encontrá-la do outro lado. Mas entre a culpa e o amor, Dom opta por tentar voltar a ver os rostos de James e Phellipa.
Um filme jamais é feito para ser entendido, jornalista Zeca Camargo. O mais importante não é aquilo que pode ser explicado, e sim a sensação. Diante do filme que vemos na Telona, cada um de nós nos ‘identificamos’ à nossa maneira, e criamos relações, interações e projeções entre a história que está sendo narrada e as nossas próprias experiências emocionais; de forma que não precisamos ter essa obrigação falsa-inteligente de entender patavinas dentro do cinema; tão somente basta que nos permitamos que a película nos desperte algo na alma. E se nos sonhos criamos e percebemos de forma simultânea, e se a arte é um sonho, tal é o cinema.
E com certeza A Origem cumpre bem essa nobre missão. Quando se tira todo o ‘casaco de pele’ dos efeitos de computação gráfica e daquilo que eu chamo de ‘ficção onírica’, sobra um roteiro correto, com diálogos banhados com refinados toques de humor. Um elenco agradável de ver, equilibrado, trazendo Leonardo DiCaprio em performance inspirada. Além das brilhantes atuações de Cillian Marphy na pele do Robert Fischer, e da Ellen Page, encarnando a Ariadne. Entretanto, existe algo de assombroso, de impressionante neste filme, e chama-se Mairion Cotillard. Magnífica atuação! Os olhos dela interpretando a Mal é algo para se guardar na memória. A partitura corporal da Mairion criada para esta personagem é uma aula para quem pretende ou se diz ator ou atriz. A interpretação da Mairion Cotillard neste filme é um sonho de três níveis: tão cheia de complexidades quanto um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho. Depois de ver algo assim, difícil é resistir ao Limbo! Vou embora para o Limbo. E ela acerta em todos os filmes: esteve maravilhosa e precisa na pele de Edith Piaf. Esteve deliciosa em Nine fazendo a mulher do protagonista. A música do filme não tem nada de espetacular, mas é muito competente. A direção mostrou-se muito criativa, ao eleger como toque dos chutes (momentos onde os personagens eram acordados, sincronizadamente, ao longo dos vários níveis do sonho) a música ‘Non, Je Ne Regrette Rien’, de Edith Piaf, e os versos “Non... rien de rien...Non... je ne regrette rien… Ni le bien qu'on ma fait, Ni le mal - tout ça m'est bien égal!” que vem a calhar como uma inteligente ironia para o conflito do protagonista envolto pelo sentimento da Culpa. Quanto a última imagem do filme, o objeto girando em cima da mesa, eu jamais divido escova-de-dentes. Paradoxo. 11 minutos, Tempo Real.
Dedicado a minha mãe. Porque, por mais que a ame, ainda não sou o bastante.
Hedre Lavnzk Couto.
Porém, quando despertavam de volta ao mundo real, este já não parecia tão real, de modo que o mundo que criaram dentro dos sonhos parecia ser mais coerente, mais palpável, desejável. Com o passar do tempo Mal perdeu o controle e tornou-se dependente das imersões oníricas. Lançava-se nos sonhos e de lá não mais queria sair. Dom percebeu que a obsessão da esposa progredia perigosamente. Num dos sonhos, Mal se recusava a voltar para a ‘superfície’ e passaram tanto tempo sonhando e vivendo naquele mundo, que ambos acabaram mergulhando num nível mais profundo chamado – Limbo, onde chegaram a viver toda uma vida, envelhecendo juntos. À medida que se demoravam em tal dimensão, aumentava-se o risco de que eles não mais conseguissem acordar, foi quando Dom resolveu que era preciso ‘plantar’ uma idéia na cabeça de Mal: induziu-a passo a passo a questionar a realidade daquele mundo que ela julgava indiscutível. Acordaram.
De volta ao mundo real, depois de tanto tempo sonhando, Mal se torna perturbada. Desenvolve a idéia fixa de que o mundo real não é real e tenta persuadir Dom da necessidade de se matarem os dois, para que assim possam despertar na verdadeira realidade. A vida do casal enlouquece, Mal afirma que os filhos não são reais, e, sim projeções de suas mentes. No dia do aniversário de casamento, numa última tentativa de convencer Dom a cometer o duplo suicídio, como esse não concorda, ela joga-se do alto de uma janela. Para puni-lo, deixa uma carta, onde afirma que vinha sofrendo ameaças do marido e que temia por sua vida. Dom torna-se o principal suspeito do crime. Foge dos EUA. Foragido, torna-se acusado, e impedido de voltar a viver com os filhos...
...Erra de continente a continente. Não é mais arquiteto nem de seus próprios sonhos. E como não lhe restando outra opção, recicla suas habilidades com o subconsciente e transforma-se numa espécie de mercenário especializado em invadir mentes alheias. Com sua equipe, presta os mais clandestinos serviços para pessoas e corporações de todo o mundo. Seu verdadeiro trabalho agora é invadir a mente de determinadas pessoas, através dos sonhos, e lá plantar sementes de idéias, o que eles e seus colegas chamam de Inserção.
Por outro lado, Dom é um completo infeliz. Trabalha com único objetivo de conseguir comprovar sua inocência e voltar para casa, voltar para os seus filhos. E, quando tal objetivo parece ser inalcançável, surge uma proposta: um poderoso magnata deseja que ele faça uma inserção na mente do herdeiro do seu maior concorrente, e lá plante a semente da idéia “não seguirei os passos do meu pai. Venderei todos os negócios.” Aparentemente, surge a grande oportunidade através da qual Dom encerrará seu exílio involuntário, só que, para realizar esta tarefa ele precisará vencer diversos desafios, e o maior deles são as lembranças de Mal, que corroem sua mente como um vírus. Além disso, ele e sua equipe precisarão ir até a perigosa zona do Limbo.
Buscando A Origem...
“Cheio de arrependimentos (...) estou esperando alguém. Alguém de um sonho esquecido (...) morro de saudades de você. Mas preciso deixar você ir. Nosso tempo já passou (...) porque você não existe. Olha só pra você, é só uma sombra (...) nos meus sonhos você ainda está viva. Mas não são sonhos, são memórias” – são algumas falas de Dom. Na busca da Origem é preciso saber que a menor semente pode crescer dentro de uma cabeça e se transformar numa idéia, que pode crescer feito um câncer e te destruir. Dom é um homem alquebrado porque plantou na própria mente a semente da idéia de uma culpa. Não se perdoa por ter iniciado Mal nas navegações da mente; menos ainda por um dia ter-lhe plantado a semente da idéia do questionamento; nem por ter sido covarde quando resistiu e não pulou daquela janela com ela. Ele só queria voltar no tempo e recuperar a vida que perdera; a mulher que amava, os filhos amados que ficaram para trás. Logo Dom que sempre quis uma vida, e através dos sonhos a projetou em sua acepção mais plena, agora não tem vida alguma, precisamente sequer existe, e teme morrer sozinho. Por telefone, o pequeno James lhe pergunta: “quando você voltará para casa, papai?” e Dom responde, - “breve, filho” – mas ele sabe que talvez nunca retorne, porque Mal mora em sua mente, e mesmo morta, está viva e causando danos como nunca, tentando ainda o convencer a abandonar tudo metendo uma bala na cabeça, para encontrá-la do outro lado. Mas entre a culpa e o amor, Dom opta por tentar voltar a ver os rostos de James e Phellipa.
Um filme jamais é feito para ser entendido, jornalista Zeca Camargo. O mais importante não é aquilo que pode ser explicado, e sim a sensação. Diante do filme que vemos na Telona, cada um de nós nos ‘identificamos’ à nossa maneira, e criamos relações, interações e projeções entre a história que está sendo narrada e as nossas próprias experiências emocionais; de forma que não precisamos ter essa obrigação falsa-inteligente de entender patavinas dentro do cinema; tão somente basta que nos permitamos que a película nos desperte algo na alma. E se nos sonhos criamos e percebemos de forma simultânea, e se a arte é um sonho, tal é o cinema.
E com certeza A Origem cumpre bem essa nobre missão. Quando se tira todo o ‘casaco de pele’ dos efeitos de computação gráfica e daquilo que eu chamo de ‘ficção onírica’, sobra um roteiro correto, com diálogos banhados com refinados toques de humor. Um elenco agradável de ver, equilibrado, trazendo Leonardo DiCaprio em performance inspirada. Além das brilhantes atuações de Cillian Marphy na pele do Robert Fischer, e da Ellen Page, encarnando a Ariadne. Entretanto, existe algo de assombroso, de impressionante neste filme, e chama-se Mairion Cotillard. Magnífica atuação! Os olhos dela interpretando a Mal é algo para se guardar na memória. A partitura corporal da Mairion criada para esta personagem é uma aula para quem pretende ou se diz ator ou atriz. A interpretação da Mairion Cotillard neste filme é um sonho de três níveis: tão cheia de complexidades quanto um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho. Depois de ver algo assim, difícil é resistir ao Limbo! Vou embora para o Limbo. E ela acerta em todos os filmes: esteve maravilhosa e precisa na pele de Edith Piaf. Esteve deliciosa em Nine fazendo a mulher do protagonista. A música do filme não tem nada de espetacular, mas é muito competente. A direção mostrou-se muito criativa, ao eleger como toque dos chutes (momentos onde os personagens eram acordados, sincronizadamente, ao longo dos vários níveis do sonho) a música ‘Non, Je Ne Regrette Rien’, de Edith Piaf, e os versos “Non... rien de rien...Non... je ne regrette rien… Ni le bien qu'on ma fait, Ni le mal - tout ça m'est bien égal!” que vem a calhar como uma inteligente ironia para o conflito do protagonista envolto pelo sentimento da Culpa. Quanto a última imagem do filme, o objeto girando em cima da mesa, eu jamais divido escova-de-dentes. Paradoxo. 11 minutos, Tempo Real.
Dedicado a minha mãe. Porque, por mais que a ame, ainda não sou o bastante.
Hedre Lavnzk Couto.
quarta-feira, agosto 18
'Vincere'(?)
Quando uma mulher ama um homem, olha-o com olhos esbugalhados. Porque deseja engoli-lo, guardá-lo e devorá-lo dentro de seu ventre. Na cama, enrosca-se no sujeito, e, invariavelmente, tem orgasmos múltiplos. Mas não pára por aí, quando admira um homem, os sonhos e aspirações dele transmutam-se em seu próprio projeto de vida. Escuta-o, deveras entusiasmada, falar de seus ideais, de suas frustrações e de seus, sempre ridículos, desejos de dominar o mundo. Pior. Esta mulher, amando, é capaz de vender tudo que possui para financiar àquele as utopias mais irresponsáveis. Já quando preterida por outra, e renegada por ele, anula-se, enlouquece e morre.
Milão, Itália. 1914. Ida Dalser é uma bela modelo. Numa tarde, da calçada, avista no meio da multidão, em passeata, um homem que lhe desperta um sentimento arrebatador. Apaixona-se naquele instante pelo jovem e espalhafatoso Benito Mussolini. Líder do Sindicalismo, membro radical do Partido dos Trabalhadores, Benito é nesta altura um mero diretor de um ‘impresso político’. A velha Itália anda agitada, nunca fora uma Nação propriamente. Ainda carrega o fardo caótico de, historicamente, seu desenho territorial-político jamais ter configurado uma Unidade. A idéia de ‘Itália’ é novidade, neste momento o sentimento de ‘Povo Italiano’ é algo perigosamente inicial, os velhos Ducados, Pricipados, Papados e Reinos se encontram há pouco tempo sob a batuta de uma Monarquia centralizadora, e da Igreja ainda bastante influente. Experimenta-se uma incisiva Campanha Nacionalista. Quer-se transformar um mosaico cultural e lingüístico em um Povo, que ver-se forçado a abadondar seus milenares dialetos para falar o Italiano. Em paralelo, ora inventa-se parte da história, ora costura-se parte dela, exaltando-se e exumando-se os feitos dos Grandes Pais da Itália, primeiros a pensar a Unificação.
Contudo, as insatisfações e conflitos internos são em número muito superior aos bons resultados, de faixada, ostentados pela Monarquia. A máquina administrativa é falha, os impostos são exorbitantes, não se consegue produzir, há desemprego e fome. O Movimento do Proletariado cresce em força em toda a Europa. Em uma palavra, a Itália é uma bomba-relógio. E eis que explode no dia 28 de junho, com um tiro que vem de Sarajevo, que lá mata o arquiduque Francisco Ferdinando da Austria, fato estopim da Primeira Grande Guerra Mundial.
Benito Mussolini nesta data já tinha fundado seu próprio jornal, financiado pela venda dos bens da apaixonada Ida Dalser. Através das páginas de ‘Il Popolo d’Itália’ tornou-se forte o bastante para passar por cima da ala moderada do Partido Socialista, que vetava a entrada da Itália na Guerra, por considerar que a guerra jamais beneficia o trabalhador. Mussolini, todavia, já tinha força e queria o embate, organizou os Grupos de Ação Revolucionária, e em 1915 os Italianos partiram para o front. Em 1917, Mussolini retornou ferido e glorificado. Continuou editando seu Jornal e atacando de maneira cada vez mais violenta os Socialistas. Em 1919, fundou os chamados ‘Grupos de Combate’, movimento de ideologia socialista-nacionalista que pregava a abolição do Senado, a instalação de uma nova Constituinte e o controle das fábricas por operários técnicos. Em 1921, Mussolini foi eleito para o Parlamento, estava criado o Partido Nacional Fascista. Daí então a ascensão total do Duce ao poder ocorreu de maneira avassaladora. Em 1922 ele organizou uma marcha contra Roma, chantageou o Rei Vitor Emanuel, e recebeu desse, carta branca para formar um novo governo. O Parlamento, cooptado pela força do futuro ditador, conferiu-lhe plenos poderes. Em 1925, instaurou-se a Ditadura Fascista, que só chegaria ao término em 1945, com a morte de Mussolini por Fuzilamento.
Fascismo! Figuras como Benito Mussolini surgem em momentos de grandes depressões sociais e, camuflados em peles de salvadores da Pátria, de Méssias, de grandes homens que sacrificam suas vidas e suas individualidades em prol dos semelhantes e do Bem Comum, alcançam o poder e o resultado é catastrófico para seus concidadãos. Tal qual muitos outros líderes, tragamos à baila alguns populistas atuais sul-americanos - Mussolini ao revés do que muitos se deixam enganar, era antes de qualquer outra coisa um maníaco egocêntrico, movido por um projeto pessoal de poder, conta-se que ele dizia que almejava ser maior que Napoleão. A personalidade pérfida do Ditador fica evidente nos pilares e pressupostos guiadores de sua doutrina Fascista: o Regime Fascista era totalitário; ditador; o Nacionalismo preconizado, tal qual o da Alemanha, era agressivo, impulsionado pelo fetiche do militarismo, do imperialismo, pelo culto do chefe, pelo anticomunismo e pelo corporativismo. Na perseguição de sua megalomania, Mussolini instalou na Itália um regime de Partido Único, Direitos individuais dos Cidadãos passaram a ser ignorados, o Parlamento foi transformado num simples órgão consultivo, criou-se a polícia política e a oposição sofreu repressão violenta.
A histórica é cíclica, repete-se, inclusive em continentes diferentes. Muito se fala em Neo-Fascismo. Ou em análises mais corriqueiras emprega-se o termo Fascista de maneira a cunhar determinadas posturas de alguns governos ou Estados, ainda hoje deslocados da urgência da realidade democrática Global. Mas se de uma parte é evidente que o Fascismo, exatamente como ocorreu na Itália, não mais existiu, de outro tanto, podemos facilmente comprovar que em alguns Estados ou governos ainda podemos apontar muitas das práticas levadas a cabo pela doutrina de Mussolini.
Acompanhem-me a um breve passeio pelos oito anos de governo federal do PT. Antes nunca é demais lembrar, traçar paralelos históricos, no mínimo curiosos: Mussolini era líder sindical. Lula também o foi. Lula é o ícone do Partido dos Trabalhadores. Mussolini, idem. Passemos adiante: o Fascismo, desde os tempos de Mussolini tem a mania de pregar que inventou tudo; tem a mania de negar o passado explícito; para o Fascismo a história passa a existir com sua ascensão ao poder. Qualquer semelhança com a pública e notória frase do presidente do Brasil “nunca antes na história ‘destepaiz’...” é mera coincidência. O Fascismo de Mussoline fazia culto ao chefe; hoje no Brasil Lula é tão cultuado que conseguirá eleger sua substituta (uma desconhecida) no primeiro turno das Eleições. Se na máquina pública de Mussolini preponderava a corporativismo, o governo Lula foi aquele que mais aparelhou e loteou a máquina pública brasileira. À maneira do Fascismo, o PT se tornou na prática um Partido único no Brasil. Também como na Itália daqueles anos tristes, o Parlamento Brasileiro transformou-se num órgão consultivo (vide Mensalão). Da mesma forma como o fizeram os Fascistas, no Regime Petismo o Direito dos Cidadaos não são respeitados (vide quebras de singilos bancários e dados sigilosos, desde o caso do caseiro Francenildo, por ordem do ministro da Fazenda). Se os fascistas italianos perseguiam a Igreja, os petistas querem tirar os crucifixos das repartições, que lá estão pousados em harmonia nacional há séculos. Se Mussolini tinha sua polícia política, O Petismo tem a Polícia Federal e suas operações midiáticas ‘caça-pijamas’. Por tudo dito e comparado, é facilmente assimilado e comprovado, que hoje no Brasil vivemos sob um Regime de herdeiros diretos de Mussolini.
Analisando o filme ‘Vincere’...
... No geral assiste-se a um filme e verifica-se que a fotografia é extraordinária; ou quem sabe a direção de arte primorosa; o roteiro instigante; ou os diálogos vivos; os figurinos minuciosos e inventivos; a trilha sonora inspiradora; a interpretação inesquecível, a direção cuidadosa; enfim, constatar e elogiar a plenitude da concepção e execução de um ou mais elementos que constitui o objeto artístico ‘filme’ é habitual, mas o inusitado, o mais prazeroso e surpreendente é quando nos deparamos diante da grande tela com o Melhor Cinema. E melhor cinema, leitores, é ‘Vincere’! Absolutamente! É um filme digno de entusiasmo. Todos os aspectos do filme estão maravilhosamente adequados e emocionantes.
O roteiro de Daniela Ceselli e Marco Bellocchio é merecedor de a platéia levantar-se para aplaudir. O próprio Marco Bellocchio realizou a direção e isso foi importante, porque só um diretor roteirista e um roteirista diretor poderiam ter ousado tanto. Coragem é a palavra para brindar o talento e o momento impar da inspiração dessa direção. Bellocchio não tem medo de experimentar no filme. O diretor parte de um roteiro baseado em fatos históricos, mantém força dramática e o tom documental necessário, no entanto, ele nos presenteia com uma aula prazerosa de narrativa. Bellucchio, como que inspirado pelas mais ousadas e espojadas técnicas de narrativa do teatro épico, torna lírico, um filme que poderia ter-se tornado chato sob uma coordenação desatenta.
Em Vincere é cinema dentro do cinema. É metacinema. Com filmes do cinema mudo e cine-documentos oficiais daquela época, nos mostrando Mussolini em imagens, creio algumas inéditas fora da Itália. De logo, o filme nos causa impacto quanto a fotografia, no geral pouca luminosidade, uma atmosfera sombria na maioria dos 130 minutos de duração, como que a metaforizar o período de sombras vivido pelos italianos naqueles dias; quando a luz aparece, é artificial e irônica. Outro ponto fortíssimo é a música do filme. Pulsante, como a sentir os sangue circulando pelas veias da Ida Dalsor. Inteligentemente, uma das únicas cenas onde não há música, pelo menos não convencional, é a cena de sexo, em tempo real, entre Mussolini e Ida. Em tal cena, a única musica é produzida pelos corpos, pela respiração de Ida, que se intensifica a medida que vem o gozo, e de sua voz repetindo uma certa frase bastante usual. Bela cena.
A Ida Dalser interpretada pela Giovanna Mezzogiorno é uma úlcera. Ela é tão boa que sentimos a dor, o espírito desnorteado dela, ressaltado por aqueles dois olhos grandes de atriz de cinema mudo. Decisão importante, anote-se, foi a opção de não usar atores para interpretar o Mussolini na fase madura, usando tão somente as imagens verdadeiras do próprio Duce real.
O desfecho da Segunda Guerra salvou a Itália de Mussolini e de seus Camisas Negras. O que nos salvará do Lula e de seus Camisas Vermelhas?
Texto dedicado aos bons professores de História.
Milão, Itália. 1914. Ida Dalser é uma bela modelo. Numa tarde, da calçada, avista no meio da multidão, em passeata, um homem que lhe desperta um sentimento arrebatador. Apaixona-se naquele instante pelo jovem e espalhafatoso Benito Mussolini. Líder do Sindicalismo, membro radical do Partido dos Trabalhadores, Benito é nesta altura um mero diretor de um ‘impresso político’. A velha Itália anda agitada, nunca fora uma Nação propriamente. Ainda carrega o fardo caótico de, historicamente, seu desenho territorial-político jamais ter configurado uma Unidade. A idéia de ‘Itália’ é novidade, neste momento o sentimento de ‘Povo Italiano’ é algo perigosamente inicial, os velhos Ducados, Pricipados, Papados e Reinos se encontram há pouco tempo sob a batuta de uma Monarquia centralizadora, e da Igreja ainda bastante influente. Experimenta-se uma incisiva Campanha Nacionalista. Quer-se transformar um mosaico cultural e lingüístico em um Povo, que ver-se forçado a abadondar seus milenares dialetos para falar o Italiano. Em paralelo, ora inventa-se parte da história, ora costura-se parte dela, exaltando-se e exumando-se os feitos dos Grandes Pais da Itália, primeiros a pensar a Unificação.
Contudo, as insatisfações e conflitos internos são em número muito superior aos bons resultados, de faixada, ostentados pela Monarquia. A máquina administrativa é falha, os impostos são exorbitantes, não se consegue produzir, há desemprego e fome. O Movimento do Proletariado cresce em força em toda a Europa. Em uma palavra, a Itália é uma bomba-relógio. E eis que explode no dia 28 de junho, com um tiro que vem de Sarajevo, que lá mata o arquiduque Francisco Ferdinando da Austria, fato estopim da Primeira Grande Guerra Mundial.
Benito Mussolini nesta data já tinha fundado seu próprio jornal, financiado pela venda dos bens da apaixonada Ida Dalser. Através das páginas de ‘Il Popolo d’Itália’ tornou-se forte o bastante para passar por cima da ala moderada do Partido Socialista, que vetava a entrada da Itália na Guerra, por considerar que a guerra jamais beneficia o trabalhador. Mussolini, todavia, já tinha força e queria o embate, organizou os Grupos de Ação Revolucionária, e em 1915 os Italianos partiram para o front. Em 1917, Mussolini retornou ferido e glorificado. Continuou editando seu Jornal e atacando de maneira cada vez mais violenta os Socialistas. Em 1919, fundou os chamados ‘Grupos de Combate’, movimento de ideologia socialista-nacionalista que pregava a abolição do Senado, a instalação de uma nova Constituinte e o controle das fábricas por operários técnicos. Em 1921, Mussolini foi eleito para o Parlamento, estava criado o Partido Nacional Fascista. Daí então a ascensão total do Duce ao poder ocorreu de maneira avassaladora. Em 1922 ele organizou uma marcha contra Roma, chantageou o Rei Vitor Emanuel, e recebeu desse, carta branca para formar um novo governo. O Parlamento, cooptado pela força do futuro ditador, conferiu-lhe plenos poderes. Em 1925, instaurou-se a Ditadura Fascista, que só chegaria ao término em 1945, com a morte de Mussolini por Fuzilamento.
Fascismo! Figuras como Benito Mussolini surgem em momentos de grandes depressões sociais e, camuflados em peles de salvadores da Pátria, de Méssias, de grandes homens que sacrificam suas vidas e suas individualidades em prol dos semelhantes e do Bem Comum, alcançam o poder e o resultado é catastrófico para seus concidadãos. Tal qual muitos outros líderes, tragamos à baila alguns populistas atuais sul-americanos - Mussolini ao revés do que muitos se deixam enganar, era antes de qualquer outra coisa um maníaco egocêntrico, movido por um projeto pessoal de poder, conta-se que ele dizia que almejava ser maior que Napoleão. A personalidade pérfida do Ditador fica evidente nos pilares e pressupostos guiadores de sua doutrina Fascista: o Regime Fascista era totalitário; ditador; o Nacionalismo preconizado, tal qual o da Alemanha, era agressivo, impulsionado pelo fetiche do militarismo, do imperialismo, pelo culto do chefe, pelo anticomunismo e pelo corporativismo. Na perseguição de sua megalomania, Mussolini instalou na Itália um regime de Partido Único, Direitos individuais dos Cidadãos passaram a ser ignorados, o Parlamento foi transformado num simples órgão consultivo, criou-se a polícia política e a oposição sofreu repressão violenta.
A histórica é cíclica, repete-se, inclusive em continentes diferentes. Muito se fala em Neo-Fascismo. Ou em análises mais corriqueiras emprega-se o termo Fascista de maneira a cunhar determinadas posturas de alguns governos ou Estados, ainda hoje deslocados da urgência da realidade democrática Global. Mas se de uma parte é evidente que o Fascismo, exatamente como ocorreu na Itália, não mais existiu, de outro tanto, podemos facilmente comprovar que em alguns Estados ou governos ainda podemos apontar muitas das práticas levadas a cabo pela doutrina de Mussolini.
Acompanhem-me a um breve passeio pelos oito anos de governo federal do PT. Antes nunca é demais lembrar, traçar paralelos históricos, no mínimo curiosos: Mussolini era líder sindical. Lula também o foi. Lula é o ícone do Partido dos Trabalhadores. Mussolini, idem. Passemos adiante: o Fascismo, desde os tempos de Mussolini tem a mania de pregar que inventou tudo; tem a mania de negar o passado explícito; para o Fascismo a história passa a existir com sua ascensão ao poder. Qualquer semelhança com a pública e notória frase do presidente do Brasil “nunca antes na história ‘destepaiz’...” é mera coincidência. O Fascismo de Mussoline fazia culto ao chefe; hoje no Brasil Lula é tão cultuado que conseguirá eleger sua substituta (uma desconhecida) no primeiro turno das Eleições. Se na máquina pública de Mussolini preponderava a corporativismo, o governo Lula foi aquele que mais aparelhou e loteou a máquina pública brasileira. À maneira do Fascismo, o PT se tornou na prática um Partido único no Brasil. Também como na Itália daqueles anos tristes, o Parlamento Brasileiro transformou-se num órgão consultivo (vide Mensalão). Da mesma forma como o fizeram os Fascistas, no Regime Petismo o Direito dos Cidadaos não são respeitados (vide quebras de singilos bancários e dados sigilosos, desde o caso do caseiro Francenildo, por ordem do ministro da Fazenda). Se os fascistas italianos perseguiam a Igreja, os petistas querem tirar os crucifixos das repartições, que lá estão pousados em harmonia nacional há séculos. Se Mussolini tinha sua polícia política, O Petismo tem a Polícia Federal e suas operações midiáticas ‘caça-pijamas’. Por tudo dito e comparado, é facilmente assimilado e comprovado, que hoje no Brasil vivemos sob um Regime de herdeiros diretos de Mussolini.
Analisando o filme ‘Vincere’...
... No geral assiste-se a um filme e verifica-se que a fotografia é extraordinária; ou quem sabe a direção de arte primorosa; o roteiro instigante; ou os diálogos vivos; os figurinos minuciosos e inventivos; a trilha sonora inspiradora; a interpretação inesquecível, a direção cuidadosa; enfim, constatar e elogiar a plenitude da concepção e execução de um ou mais elementos que constitui o objeto artístico ‘filme’ é habitual, mas o inusitado, o mais prazeroso e surpreendente é quando nos deparamos diante da grande tela com o Melhor Cinema. E melhor cinema, leitores, é ‘Vincere’! Absolutamente! É um filme digno de entusiasmo. Todos os aspectos do filme estão maravilhosamente adequados e emocionantes.
O roteiro de Daniela Ceselli e Marco Bellocchio é merecedor de a platéia levantar-se para aplaudir. O próprio Marco Bellocchio realizou a direção e isso foi importante, porque só um diretor roteirista e um roteirista diretor poderiam ter ousado tanto. Coragem é a palavra para brindar o talento e o momento impar da inspiração dessa direção. Bellocchio não tem medo de experimentar no filme. O diretor parte de um roteiro baseado em fatos históricos, mantém força dramática e o tom documental necessário, no entanto, ele nos presenteia com uma aula prazerosa de narrativa. Bellucchio, como que inspirado pelas mais ousadas e espojadas técnicas de narrativa do teatro épico, torna lírico, um filme que poderia ter-se tornado chato sob uma coordenação desatenta.
Em Vincere é cinema dentro do cinema. É metacinema. Com filmes do cinema mudo e cine-documentos oficiais daquela época, nos mostrando Mussolini em imagens, creio algumas inéditas fora da Itália. De logo, o filme nos causa impacto quanto a fotografia, no geral pouca luminosidade, uma atmosfera sombria na maioria dos 130 minutos de duração, como que a metaforizar o período de sombras vivido pelos italianos naqueles dias; quando a luz aparece, é artificial e irônica. Outro ponto fortíssimo é a música do filme. Pulsante, como a sentir os sangue circulando pelas veias da Ida Dalsor. Inteligentemente, uma das únicas cenas onde não há música, pelo menos não convencional, é a cena de sexo, em tempo real, entre Mussolini e Ida. Em tal cena, a única musica é produzida pelos corpos, pela respiração de Ida, que se intensifica a medida que vem o gozo, e de sua voz repetindo uma certa frase bastante usual. Bela cena.
A Ida Dalser interpretada pela Giovanna Mezzogiorno é uma úlcera. Ela é tão boa que sentimos a dor, o espírito desnorteado dela, ressaltado por aqueles dois olhos grandes de atriz de cinema mudo. Decisão importante, anote-se, foi a opção de não usar atores para interpretar o Mussolini na fase madura, usando tão somente as imagens verdadeiras do próprio Duce real.
O desfecho da Segunda Guerra salvou a Itália de Mussolini e de seus Camisas Negras. O que nos salvará do Lula e de seus Camisas Vermelhas?
Texto dedicado aos bons professores de História.
terça-feira, agosto 10
'Uma Noite em 67'
Renato Terra e Ricardo Calil fizeram um documentário modesto. Verdadeiramente muito aquém da riqueza do material de que dispunham: o Brasil do final dos anos sessenta, com todos os seus conturbados ingredientes culturais e políticos. Contentaram-se em apresentar ao público os bastidores do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record.
Para tanto, usaram a técnica de intercalar cenas originais dos bastidores e das apresentações dos cantores no palco com entrevistas atuais daqueles artistas, hoje 44 anos mais experientes. Esse subterfúgio, apesar de previsível, ainda consegue criar um interessante contraste estético entre as cenas em ‘preto e branco’, originais do passado, e as coloridas, atualíssimas. Um outro ponto de apoio do filme é a generosidade dos entrevistados, que, com muito humor e franqueza, nos conta não menos que ‘reliquiosas’ minúcias de seus estados d’alma naquele período. Chega a ser prazeroso ver Chico, Caetano, Edu, Roberto, e Gil, confessando detalhes de suas vidas e de suas opções naquele início de carreira. Foi gratificante. Meus desconhecidos companheiros da platéia e eu soltamos muitas gargalhadas. Mas por outro lado, também rolei algumas lágrimas escondidas, talvez motivadas pela nostalgia sugerida pela ausência de cores das cenas originais.
Eu sou um apaixonado por história, aliás, eu gosto de tanta coisa; mas o que interessa é que boa parte da história do homem, notadamente a partir do final do século 19, está conservada e nos é apresentada através do ‘filme’ preto e branco, seja por via da fotografia ‘estática’ ou em movimento. E não nego que me causa um imenso prazer ver cenas de velhos documentários em preto e branco ou mesmo passar horas envolvido por cenas de filmes antigos, ainda não banhados pela policromia. Gosto de preto e branco. O Vagabundo Carlitos, colorido, que lástima!
Os anos sessenta, peculiarmente seus derradeiros anos, foram cenário de agitações e transformações em diversos setores das sociedades do Ocidente. Este nosso recorte da civilização sofria uma revisão de seus valores, em conseqüência ainda das muitas seqüelas deixadas pela recente Segunda Grande Guerra, e agora pela Guerra Fria, e pelos muitos conflitos bélicos levados em muitos cantos do globo, os ocidentais pareciam assim buscar uma resposta para o significado ou o sentido de viver, daí a eclosão do Movimento Hippie, do Movimento Feminista, do fortalecimento, para muitos, ameaçador, do Comunismo, de todos os movimentos que berravam por liberdade, igualdade e paz, e aí surgia a sintomática rebeldia, estampada e ostentada através das artes, sobretudo através da música, bem como das drogas, da liberalização sexual, no privilégio do ‘hoje’ em detrimento da perda de tempo em se pensar no ‘amanhã’. O mundo parecia esquizofrênico. Talvez, estivesse neurastênico. EUA e URSS disputavam seguidores e apontavam suicidamente seus mísseis escatológicos um para o outro. O fim parecia certo. Em tempos assim, o melhor para muitos era cantar, viver um eterno ‘hair’, muito melhor do que ‘sentar-se no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte a chegar’. Mas, e o Brasil? Como estávamos nós naqueles idos?...
Em 67 o Brasil já tinha Brasília, além das dívidas deixadas por JK; por outra, já se fabricavam aqui alguns dois fuscas, o pau d’gua do Jânio já havia caído fora, tínhamos escapado por pouco da imprevisível escalada da dupla caudilha Jango e Brizola, aquela que pretendia ser em solo tupiniquin a versão da dupla Fidel e Raul, transformando o Brasil num “Cubão” – essa expressão não é minha. Enfim, tínhamos há pouco mais de 3 anos caído nas garras dos militares, não menos inconseqüentes. - embora persistam dúvidas de quem teria sido pior para o País, uma ditadura Janguista administrada pelos camaradas, ou os indisciplinados anos de Médici.
Em 67, a coisa por aqui começava a endurecer, e, loguinho loguinho, em 68, surgiria o AI-5, ferramenta implacável do Regime de exceção, que mostrava que entrava e não queria sair de cena tão cedo. Neste período a ditadura ainda se fazia tímida, acreditava-se que seriam marcadas eleições democráticas e que o poder seria devolvido a um Presidente civil, isso não aconteceu. Mas a pergunta que não quer calar-se: Desde a renúncia de Jânio Quadros, no início da década, onde estavam e a que se dedicavam os jovens brasileiros? Quais eram suas posições e conceitos políticos? Talvez uma parcela dos jovens, impulsionados certamente pela histórica pilantropia da prática política partidária de nosso país e, profundamente fadigados com o descaramento dos políticos no trato com a coisa pública, caíram na armadilha da ilusão das promessas do não menos inconseqüente e perverso Comunismo. Já uma outra soma considerável desses jovens era apolítica, ou por acomodação, ou por falta de acesso a informação ou formação.
Fato é que havia uma ameaça no ar, vários são os historiadores e analistas que catalogam evidências de que João Gular (Jango), uma vez não deposto, teria firme aptidão e objetivo de perpetuar-se no poder, transformando-se num inabalável ditador populista, chefe de um Regime Totalitário Comunista, e Deus sabe o que seríamos hoje enquanto Nação. Mas nunca é demais fazer um exercício de futurismo retroativo – parece contra-senso – mas é possível: o que se tornou a Rússia Socialista? Basta saber que nos anos do maníaco Stálin qualquer camarada seu, ao passar pelas ruas e avistar qualquer bela mulher que lhe despertasse desejo, podia jogá-la dentro do carro e estuprá-la; ao final, com sorte ela podia voltar para sua família com vida, mas já sem dignidade, a maioria matava-se. Vejamos outros exemplos, o caso notório da parte do território Alemão que ficou décadas sob tutela dos socialistas, aquela que viria a ser a Alemanha Oriental, com a queda do muro de Berlim pode-se verificar o quão arrasado se encontrava a parcela Oriental do povo Alemão. E o que dizer das falácias da Coréia do norte? De um Regime guiado por um maníaco que mata seu povo de fome? Ou dos presos políticos cubanos mortos aos montes, enquanto Fidel tornou-se bilionário com a venda de açúcar e tabaco? A China? Caso muito complexo. No início dos anos 60 estávamos fadados a cair numa ditadura. A dúvida residia apenas em saber se seríamos flagelados pelos Camaradas vermelhos ou pelos Milicos revanchistas, que queriam ferrar os “Casacas” (civis) desde a guerra do Paraguai.
Hoje em 2010, temos um Presidente populista. Temos um Partido Único que parece que irá se perpetuar por décadas no poder. Não Temos mais Oposição. Os conservadores de fato se esconderam. Os jovens, onde estão? No Primeiro debate entre os presidenciáveis desta campanha, perguntei a 50 estudantes de direito de uma faculdade se eles o tinham acompanhado, pasmem, nenhum dos estudantes tinha se dado ao trabalho. É Provável que Dilma se eleja. É provável que Lula volte em 2014. É provável que os EUA invadam o Irã. É sabido que um Povo paga por precisar de heróis ou Grandes Pais. Eu conversava com um amigo, hoje pela manha, que talvez a nossa geração – atuais 18 a 30 anos – seja a geração mais perdida de todos os tempos. E por quê? Porque tivemos tudo nas mãos, e sequer somos capazes de pensar e ler. Somos piores do que a ‘Geração Coca-Cola’, somos a ‘Geração Dilma Rousseff’.
Hedre Lavznk Couto
Texto dedicado a João Ubaldo Ribeiro, porque eu tento, mas não consigo brincar de anacolutos.
Para tanto, usaram a técnica de intercalar cenas originais dos bastidores e das apresentações dos cantores no palco com entrevistas atuais daqueles artistas, hoje 44 anos mais experientes. Esse subterfúgio, apesar de previsível, ainda consegue criar um interessante contraste estético entre as cenas em ‘preto e branco’, originais do passado, e as coloridas, atualíssimas. Um outro ponto de apoio do filme é a generosidade dos entrevistados, que, com muito humor e franqueza, nos conta não menos que ‘reliquiosas’ minúcias de seus estados d’alma naquele período. Chega a ser prazeroso ver Chico, Caetano, Edu, Roberto, e Gil, confessando detalhes de suas vidas e de suas opções naquele início de carreira. Foi gratificante. Meus desconhecidos companheiros da platéia e eu soltamos muitas gargalhadas. Mas por outro lado, também rolei algumas lágrimas escondidas, talvez motivadas pela nostalgia sugerida pela ausência de cores das cenas originais.
Eu sou um apaixonado por história, aliás, eu gosto de tanta coisa; mas o que interessa é que boa parte da história do homem, notadamente a partir do final do século 19, está conservada e nos é apresentada através do ‘filme’ preto e branco, seja por via da fotografia ‘estática’ ou em movimento. E não nego que me causa um imenso prazer ver cenas de velhos documentários em preto e branco ou mesmo passar horas envolvido por cenas de filmes antigos, ainda não banhados pela policromia. Gosto de preto e branco. O Vagabundo Carlitos, colorido, que lástima!
Os anos sessenta, peculiarmente seus derradeiros anos, foram cenário de agitações e transformações em diversos setores das sociedades do Ocidente. Este nosso recorte da civilização sofria uma revisão de seus valores, em conseqüência ainda das muitas seqüelas deixadas pela recente Segunda Grande Guerra, e agora pela Guerra Fria, e pelos muitos conflitos bélicos levados em muitos cantos do globo, os ocidentais pareciam assim buscar uma resposta para o significado ou o sentido de viver, daí a eclosão do Movimento Hippie, do Movimento Feminista, do fortalecimento, para muitos, ameaçador, do Comunismo, de todos os movimentos que berravam por liberdade, igualdade e paz, e aí surgia a sintomática rebeldia, estampada e ostentada através das artes, sobretudo através da música, bem como das drogas, da liberalização sexual, no privilégio do ‘hoje’ em detrimento da perda de tempo em se pensar no ‘amanhã’. O mundo parecia esquizofrênico. Talvez, estivesse neurastênico. EUA e URSS disputavam seguidores e apontavam suicidamente seus mísseis escatológicos um para o outro. O fim parecia certo. Em tempos assim, o melhor para muitos era cantar, viver um eterno ‘hair’, muito melhor do que ‘sentar-se no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte a chegar’. Mas, e o Brasil? Como estávamos nós naqueles idos?...
Em 67 o Brasil já tinha Brasília, além das dívidas deixadas por JK; por outra, já se fabricavam aqui alguns dois fuscas, o pau d’gua do Jânio já havia caído fora, tínhamos escapado por pouco da imprevisível escalada da dupla caudilha Jango e Brizola, aquela que pretendia ser em solo tupiniquin a versão da dupla Fidel e Raul, transformando o Brasil num “Cubão” – essa expressão não é minha. Enfim, tínhamos há pouco mais de 3 anos caído nas garras dos militares, não menos inconseqüentes. - embora persistam dúvidas de quem teria sido pior para o País, uma ditadura Janguista administrada pelos camaradas, ou os indisciplinados anos de Médici.
Em 67, a coisa por aqui começava a endurecer, e, loguinho loguinho, em 68, surgiria o AI-5, ferramenta implacável do Regime de exceção, que mostrava que entrava e não queria sair de cena tão cedo. Neste período a ditadura ainda se fazia tímida, acreditava-se que seriam marcadas eleições democráticas e que o poder seria devolvido a um Presidente civil, isso não aconteceu. Mas a pergunta que não quer calar-se: Desde a renúncia de Jânio Quadros, no início da década, onde estavam e a que se dedicavam os jovens brasileiros? Quais eram suas posições e conceitos políticos? Talvez uma parcela dos jovens, impulsionados certamente pela histórica pilantropia da prática política partidária de nosso país e, profundamente fadigados com o descaramento dos políticos no trato com a coisa pública, caíram na armadilha da ilusão das promessas do não menos inconseqüente e perverso Comunismo. Já uma outra soma considerável desses jovens era apolítica, ou por acomodação, ou por falta de acesso a informação ou formação.
Fato é que havia uma ameaça no ar, vários são os historiadores e analistas que catalogam evidências de que João Gular (Jango), uma vez não deposto, teria firme aptidão e objetivo de perpetuar-se no poder, transformando-se num inabalável ditador populista, chefe de um Regime Totalitário Comunista, e Deus sabe o que seríamos hoje enquanto Nação. Mas nunca é demais fazer um exercício de futurismo retroativo – parece contra-senso – mas é possível: o que se tornou a Rússia Socialista? Basta saber que nos anos do maníaco Stálin qualquer camarada seu, ao passar pelas ruas e avistar qualquer bela mulher que lhe despertasse desejo, podia jogá-la dentro do carro e estuprá-la; ao final, com sorte ela podia voltar para sua família com vida, mas já sem dignidade, a maioria matava-se. Vejamos outros exemplos, o caso notório da parte do território Alemão que ficou décadas sob tutela dos socialistas, aquela que viria a ser a Alemanha Oriental, com a queda do muro de Berlim pode-se verificar o quão arrasado se encontrava a parcela Oriental do povo Alemão. E o que dizer das falácias da Coréia do norte? De um Regime guiado por um maníaco que mata seu povo de fome? Ou dos presos políticos cubanos mortos aos montes, enquanto Fidel tornou-se bilionário com a venda de açúcar e tabaco? A China? Caso muito complexo. No início dos anos 60 estávamos fadados a cair numa ditadura. A dúvida residia apenas em saber se seríamos flagelados pelos Camaradas vermelhos ou pelos Milicos revanchistas, que queriam ferrar os “Casacas” (civis) desde a guerra do Paraguai.
Hoje em 2010, temos um Presidente populista. Temos um Partido Único que parece que irá se perpetuar por décadas no poder. Não Temos mais Oposição. Os conservadores de fato se esconderam. Os jovens, onde estão? No Primeiro debate entre os presidenciáveis desta campanha, perguntei a 50 estudantes de direito de uma faculdade se eles o tinham acompanhado, pasmem, nenhum dos estudantes tinha se dado ao trabalho. É Provável que Dilma se eleja. É provável que Lula volte em 2014. É provável que os EUA invadam o Irã. É sabido que um Povo paga por precisar de heróis ou Grandes Pais. Eu conversava com um amigo, hoje pela manha, que talvez a nossa geração – atuais 18 a 30 anos – seja a geração mais perdida de todos os tempos. E por quê? Porque tivemos tudo nas mãos, e sequer somos capazes de pensar e ler. Somos piores do que a ‘Geração Coca-Cola’, somos a ‘Geração Dilma Rousseff’.
Hedre Lavznk Couto
Texto dedicado a João Ubaldo Ribeiro, porque eu tento, mas não consigo brincar de anacolutos.
quarta-feira, julho 28
‘O Bem Amado’
Ao longo da primeira metade do século XX o comediante Procópio Ferreira era, sem dúvida, o ícone maior do teatro nacional, tinha sua própria Companhia de Teatro e lotava todas as casas de espetáculo por onde passava. Numa época onde ainda não havia a concorrência desequilibrante da televisão, ele faturou tanto dinheiro, que reza a leda esse artista dispunha de um restaurante dentro de casa, somente para atender aos amigos, que podiam esbaldar-se sem cerimônias das mais sofisticadas iguarias. Um dia, todavia, bate à porta do consagrado Procópio, no Rio de Janeiro, um jovem de dezessete anos. Magro e ainda com jeitão de menino do interior, mas já carregando seriedade e determinação no olhar, era o baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes. Dias foi direto ao assunto: tinha escrito uma peça, a qual trazia consigo debaixo do braço, e o motivo da visita se resumia ao desejo de vê-la encenada e protagonizada pelo consagrado ator. Procópio, atônito, ficou no mínimo, impressionado, com a audácia daquele rapazote, prometendo-lhe que leria sua peça e que ele retornasse no dia seguinte. O fato é que Procópio leu... No dia seguinte lá estava o confiante Dias de volta, Procópio fez um suspense paternal... Depois lhe comunicou que lera a peça... tinha gostado! E iria montá-la já. O jovem assinou um contrato e ganhou um adiantamento correspondente a um ano de direitos autorais. Nascia ali um dos maiores dramaturgos brasileiros; o maior teledramaturgo brasileiro de todos os tempos, Dias Gomes.
Dias crescera em Salvador, pertencia a uma família abastada, teve ótima educação. No entanto, com a morte repentina de seu pai e, como a mãe não trabalhava, e como os parentes nestas horas sempre somem, passaram meses de fome. Naqueles tempos, muitas vezes, Dias teve de ir amenizar a dor do estômago num casarão da rua Araújo Pinho, no Canela, casa que pertencia a um de seus tios ricos, e que viria a se tornar a Escola de Teatro da Ufba, anos depois. Foi fugindo destas dificuldades que ele se mudou para o Rio em busca de oportunidades.
Fato é que na seqüência daquele bendito encontro com Procópio Ferreira as coisas mudaram para Dias Gomes. Ele começou e não pararia mais de escrever para o teatro, para o rádio (as saudosas rádio-novelas) e, posteriormente, novelas para televisão, uma trajetória profissional de consistente sucesso, que teria mais tarde em comum com aquela que viria a tornar-se sua esposa, a também grandíssima rádio e teledramaturga Janet Clear.
Apesar da mudança para o Sudeste o dramaturgo parecia não querer outro material ou inspiração, para alimentar suas obras, que não fossem aqueles temas intimamente ligados e vindos do estigma da gente simples e historicamente marginalizada dos interiores do Brasil, notadamente do interior nordestino. O povo, sobretudo, em sua rica perseverança diante dos desmandos e da nefasta e incessante exploração dos detentores do poder, o Povo é o herói de Dias. Em peças como o ‘O Santo Inquérito’; ‘O Berço do Herói’; ‘O Pagador de Promessas’; E ‘O Bem Amado’ Dias Gomes surge como um pioneiro do moderno teatro Brasileiro, tanto no tocante a forma quanto ao conteúdo. E alguns apressados me dirão – mas, Hedre... e onde você coloca o Nelson Rodrigues, o Jorge Andrade, o Vianinha, o Guarniere? – E eu responderei senhores: o Nelson é o nosso maior dramaturgo, o cara domina todas as ferramentas do troço teatral, mas sua preocupação social é bem mais restrita que a de Dias. O Jorge Andrade, com aquele seu ranço autobiográfico de aristocracia falida também se isola muito de questões mais amplas, embora seja um dos cinco grandes dramaturgos que tivemos. Já o Vianinha é um mestre da carpintaria teatral, ‘Rasga Coração’ é um clássico, mas é muito limitado ainda diante das questões profundas tocadas nos textos de Dias Gomes. Guaniere foi um ótimo ator.
Até hoje nenhum outro dramaturgo além de Dias Gomes pensou e analisou o Brasil de forma tão completa e contundente em suas idiossincrasias. Ele vai no ponto nevrálgico na exposição da gritante desigualdade sócio-econômica do País, escavando os motivos das distorcidas relações de poder no meio social, da desproporcional distribuição das riquezas, passando pela corrupção, e pela implacável exploração e manipulação do mais vulnerável pelos detentores do poder, sejam os ricos, os coronéis, os clérigos, os políticos de modo geral. Pouca gente ressalta isso, mas, Dias Gomes é interessantíssimo porque discute a sociedade, é um autor de tese. É um brutal observador das coisas práticas que movem a sociedade como ela é; tem um discurso afiado. E para canalizar esse discurso, Dias imprime uma linguagem inovadora: a começar pelo fato de seus personagens mostrarem e representar um ‘Brasilzão’ que até hoje existe, e que é a maioria de nós, que sustenta a economia do País, mas que muita gente finge ignorar, que é o Brasilzão dos grotões do interior do interior, com suas cidadezinhas-lugarejos, de nomes engraçados e sonoros, com seus ‘reizinhos Zé-roela’, e com seus ‘políticos pela-porco’, dominando e se impondo aos jecas locais simples e crédulos, às vezes famintos, às vezes oportunistas também, mas sempre entregues a própria sorte. E Dias como ninguém irá criar e reproduzir esses diversos tipos com maestria espantosa, conferindo-lhes um linguajar riquíssimo – prato cheio para amantes da Lingüística como eu – onde sempre é possível ouvir ‘aleijamentos’ de palavras como “construimento”; “demagojistas” ou mesmo “defuntamento”. Ele cria essas cidadezinhas, habita-as com esses personagens de nosso dia-dia imediato, e tais são o contexto e os conflitos que ele lhes pinta, que, através destes microcosmos “fictícios”, nos é passado pela cara o macrocosmo nosso de cada dia, que é o Brasil com suas mazelas e banguelas...
‘O Bem Amado’, nasce originariamente uma peça teatral, depois, o próprio Dias Gomes realiza sua adaptação para o formato de telenovela. Como Telenovela foi um dos maiores fenômenos da televisão brasileira, ao lado de outras novelas do próprio Dias - tal como ‘Roque Santeiro’, adaptação televisa da peça ‘O Berço do Herói’. Era o tempo dos grandes dramaturgos, hoje o que nos sobrou foi Glória Pérez. Com ‘O Bem Amado’ o Brasil se viu como poucas vezes. E por que se viu? Porque neste texto Dias Gomes foi a um só passo brilhante e generoso em nos apresentar uma tela, uma pintura, um espelho do que é, em sua visão crua e nua, a sociedade brasileira. Uma sociedade vítima de uma ferida aberta que sangra e gangrena desde o tempo das capitanias hereditárias: a corrupção. ‘O Bem Amado’ é uma alegoria do processo histórico e atual da relação da classe política com a coisa pública e com os ‘cidadãos normais’, os desprotegidos, sempre usurpados do direito de ter condições de vida menos injustas, pelas práticas desleais dos sabichões eleitos. Essa obra é uma metáfora usada pelo autor para provar sua tese de que o maior vilão dos problemas do Brasil é o político. E, algumas coisas parecem estar claras para Dias: a primeira é a constatação de que não há político cem por cento honesto. A outra é a conclusão de que ainda – dado que o povo não foi educado para exercer a cidadania - decididamente ainda não dá para culpar o eleitor pela reiterada escolha dos piores políticos. Por último que essa situação é um círculo vicioso, que tem sua origem ainda no modelo de colonização português, portanto, diz respeito a um fator cultural enraizado e, assim sendo, o dilema só poderá ser superado a longo prazo, investindo-se pesado em educação, em boa formação e informação. Informação é conhecimento, e quem não conhece não está apto a escolher, pelo menos não bem.
Em ‘O Bem Amado’ de um lado estão os políticos da situação, o prefeito e seus correligionários; do outro está a oposição, comunista, esquerda vermelha e dita munida das mais santas intenções; no meio está o Povo, ‘levando fumo’, refém da mentira e dos jogos de interesses mais obscuros, massa de manobra para que tanto a direita quanto a esquerda alcancem o seu sonho de consumo, que é unicamente o Poder. Dias nos mostra que trata-se de pura ilusão a visão maniqueísta de pensar que em política - como alguns iludem e outros são iludidos a acreditar - existem de um lado santos, e de um outro, canalhas . Santos não existem. E o que revela a canalhice em política é a conveniência, a oportunidade.
Característica das grandes obras de arte é ser atemporal e universal, perduram. ‘O Bem Amado’ se encaixa plenamente em ambos os aspectos. Pegando como exemplo a atemporalidade, note-se a impactante atualidade da peça. Basta observar o cenário político do Brasil. ‘Como nunca antes na história deste país’ a corrupção política esteve tão disseminada; como nunca antes na história deste país o povo foi tão manipulado e teve sua ignorância usada como massa de manobra; como nunca antes na história desse país os políticos estiveram tão ávidos em busca do “poder pelo poder”. Quer uma prova? Hoje temos de um lado a situação (a esquerda populista, mentirosa e perigosa!) e do outro a oposição (a direita velha, ultrapassada, mesquinha e burra!); e verificamos tal quadro ás vésperas de uma eleição, isso depois da direita – hoje oposição – ter passado oito anos no Poder; e após a esquerda – hoje situação – estar completando oito anos no Planalto, sustentada nas asas do nosso senhor Jesus cristo (isto é, Lula!). Agora eu pergunto: algum Ser vivo com alguma grama de massa cefálica no cabeção ainda acredita que existe – notadamente no Brasil – alguma diferença pragmática entre os citados partidos, que, ainda justifique essa dicotomia ‘esquerda-direita’ política? Outra pergunta: alguém já pegou pra ler as propostas programáticas dos futuros possíveis governos da situação ou da oposição? Se pegarem verão que os presidenciáveis não têm propostas concretas, e que tais documentos são idênticos em cretinice, divagação. E, além desse problema gravíssimo de pessoas quererem governar o país sem um programa sólido, no Brasil não temos a tradição de eleger propostas de um partido no qual confiamos. Ao contrário, elegemos pessoas. João e Maria nunca votam no programa de governo do partido "Tal", através do qual Petrúcia se candidatou à Presidente da República, não! João e Maria votam em Petrúcia porque ela tem uma voz bonita, fez uma plástica e agora se parece com Michael Jackson, e além disso é a preferida do quase ex presidente. Daí temos dois graves problemas: o povo não é (bem) informado o suficiente para votar, não tem formação de cidadania, e no atual estágio lamentam muito mais se votaram no Big Brother errado do que se elegeram um político corrupto. O outro problema: a profissionalização da política, já observada por muitos analistas como um nonsense social. É de novo a corrida ‘poder pelo poder’. O sujeito se elege uma vez e não quer mais sair de cima da carne seca. Antes quer é colocar toda a família no ramo! E o que vemos é o que está ai, sempre a mesma cara, tanto nos cargos eletivos, como nos cargos de confiança, e nas Empresas Públicas. Trata-se do aparelhamento ou loteamento da máquina Estatal. Ao invés de técnicos preparados coloca-se os amigos que não conseguiram elegerem-se. E tudo isso produz conseqüências danosas nas vidas das pessoas, mas elas não foram educadas para enxergar. O cara vem e diz: “ocês vai eleger Michael Jackson para presidente!” João e Maria não pensam duas vezes, obedecem a Jesus Cristo. ‘who´s bad?’
Ah é mesmo... Ainda tenho que falar sobre o bendito do filme do Guel Arraes.
Alguém sabe alguma oração forte? Não riam. Bom, Essa adaptação de ‘O Bem Amado’ de Guel Arraes Globo Filmes para o cinema, me fez recordar uma frase que um velho professor sempre repetia: “se um sujeito quer fazer uma bobagem, por que não a escreve? Por que destruir o texto de alguém que trabalhou duro?” A frase original tem muitos palavrões, não ouso repetir aqui, crianças lêem o Blog. Bom, aí eu me pergunto: um cara como Arraes tem tudo para fazer um filmaço e toda vez é assim: inclassificável. Tem patrocínio da PETROBRÁS e do BNDES, tem estrutura, tem bons atores, tem o texto de ‘O Bem Amado’, tem o momento político certo do país para estrear o filme e... eu não vou falar desse negócio gente. Tá bom, pensem em algo muito ruim que já viram no cinema... agora... pensem de novo.... isso... agora vão pensando, pensando, pensando, pensando... e vão ver o novo filme de Tarantino que é muito bom!
O Brasil está há 500 anos dentro da caverna de Platão... e a única chance de sair será pela educação... Mas antes, alguns vários jovens precisarão se interessar por política partidária.
Hedre Lavnzk Couto.
Texto dedicado a Drica Moraes. Ela que está no elenco desse Filme. Mas que se salva. Drika é uma atriz incrível que transita magistralmente entre o drama e a comédia. A primeira vez que a vi em cena foi em Mandacarú, novela da antiga Rede Manchete. Torço para que ela se cure inteiramente o quanto antes. Saúde, Drica!
Dias crescera em Salvador, pertencia a uma família abastada, teve ótima educação. No entanto, com a morte repentina de seu pai e, como a mãe não trabalhava, e como os parentes nestas horas sempre somem, passaram meses de fome. Naqueles tempos, muitas vezes, Dias teve de ir amenizar a dor do estômago num casarão da rua Araújo Pinho, no Canela, casa que pertencia a um de seus tios ricos, e que viria a se tornar a Escola de Teatro da Ufba, anos depois. Foi fugindo destas dificuldades que ele se mudou para o Rio em busca de oportunidades.
Fato é que na seqüência daquele bendito encontro com Procópio Ferreira as coisas mudaram para Dias Gomes. Ele começou e não pararia mais de escrever para o teatro, para o rádio (as saudosas rádio-novelas) e, posteriormente, novelas para televisão, uma trajetória profissional de consistente sucesso, que teria mais tarde em comum com aquela que viria a tornar-se sua esposa, a também grandíssima rádio e teledramaturga Janet Clear.
Apesar da mudança para o Sudeste o dramaturgo parecia não querer outro material ou inspiração, para alimentar suas obras, que não fossem aqueles temas intimamente ligados e vindos do estigma da gente simples e historicamente marginalizada dos interiores do Brasil, notadamente do interior nordestino. O povo, sobretudo, em sua rica perseverança diante dos desmandos e da nefasta e incessante exploração dos detentores do poder, o Povo é o herói de Dias. Em peças como o ‘O Santo Inquérito’; ‘O Berço do Herói’; ‘O Pagador de Promessas’; E ‘O Bem Amado’ Dias Gomes surge como um pioneiro do moderno teatro Brasileiro, tanto no tocante a forma quanto ao conteúdo. E alguns apressados me dirão – mas, Hedre... e onde você coloca o Nelson Rodrigues, o Jorge Andrade, o Vianinha, o Guarniere? – E eu responderei senhores: o Nelson é o nosso maior dramaturgo, o cara domina todas as ferramentas do troço teatral, mas sua preocupação social é bem mais restrita que a de Dias. O Jorge Andrade, com aquele seu ranço autobiográfico de aristocracia falida também se isola muito de questões mais amplas, embora seja um dos cinco grandes dramaturgos que tivemos. Já o Vianinha é um mestre da carpintaria teatral, ‘Rasga Coração’ é um clássico, mas é muito limitado ainda diante das questões profundas tocadas nos textos de Dias Gomes. Guaniere foi um ótimo ator.
Até hoje nenhum outro dramaturgo além de Dias Gomes pensou e analisou o Brasil de forma tão completa e contundente em suas idiossincrasias. Ele vai no ponto nevrálgico na exposição da gritante desigualdade sócio-econômica do País, escavando os motivos das distorcidas relações de poder no meio social, da desproporcional distribuição das riquezas, passando pela corrupção, e pela implacável exploração e manipulação do mais vulnerável pelos detentores do poder, sejam os ricos, os coronéis, os clérigos, os políticos de modo geral. Pouca gente ressalta isso, mas, Dias Gomes é interessantíssimo porque discute a sociedade, é um autor de tese. É um brutal observador das coisas práticas que movem a sociedade como ela é; tem um discurso afiado. E para canalizar esse discurso, Dias imprime uma linguagem inovadora: a começar pelo fato de seus personagens mostrarem e representar um ‘Brasilzão’ que até hoje existe, e que é a maioria de nós, que sustenta a economia do País, mas que muita gente finge ignorar, que é o Brasilzão dos grotões do interior do interior, com suas cidadezinhas-lugarejos, de nomes engraçados e sonoros, com seus ‘reizinhos Zé-roela’, e com seus ‘políticos pela-porco’, dominando e se impondo aos jecas locais simples e crédulos, às vezes famintos, às vezes oportunistas também, mas sempre entregues a própria sorte. E Dias como ninguém irá criar e reproduzir esses diversos tipos com maestria espantosa, conferindo-lhes um linguajar riquíssimo – prato cheio para amantes da Lingüística como eu – onde sempre é possível ouvir ‘aleijamentos’ de palavras como “construimento”; “demagojistas” ou mesmo “defuntamento”. Ele cria essas cidadezinhas, habita-as com esses personagens de nosso dia-dia imediato, e tais são o contexto e os conflitos que ele lhes pinta, que, através destes microcosmos “fictícios”, nos é passado pela cara o macrocosmo nosso de cada dia, que é o Brasil com suas mazelas e banguelas...
‘O Bem Amado’, nasce originariamente uma peça teatral, depois, o próprio Dias Gomes realiza sua adaptação para o formato de telenovela. Como Telenovela foi um dos maiores fenômenos da televisão brasileira, ao lado de outras novelas do próprio Dias - tal como ‘Roque Santeiro’, adaptação televisa da peça ‘O Berço do Herói’. Era o tempo dos grandes dramaturgos, hoje o que nos sobrou foi Glória Pérez. Com ‘O Bem Amado’ o Brasil se viu como poucas vezes. E por que se viu? Porque neste texto Dias Gomes foi a um só passo brilhante e generoso em nos apresentar uma tela, uma pintura, um espelho do que é, em sua visão crua e nua, a sociedade brasileira. Uma sociedade vítima de uma ferida aberta que sangra e gangrena desde o tempo das capitanias hereditárias: a corrupção. ‘O Bem Amado’ é uma alegoria do processo histórico e atual da relação da classe política com a coisa pública e com os ‘cidadãos normais’, os desprotegidos, sempre usurpados do direito de ter condições de vida menos injustas, pelas práticas desleais dos sabichões eleitos. Essa obra é uma metáfora usada pelo autor para provar sua tese de que o maior vilão dos problemas do Brasil é o político. E, algumas coisas parecem estar claras para Dias: a primeira é a constatação de que não há político cem por cento honesto. A outra é a conclusão de que ainda – dado que o povo não foi educado para exercer a cidadania - decididamente ainda não dá para culpar o eleitor pela reiterada escolha dos piores políticos. Por último que essa situação é um círculo vicioso, que tem sua origem ainda no modelo de colonização português, portanto, diz respeito a um fator cultural enraizado e, assim sendo, o dilema só poderá ser superado a longo prazo, investindo-se pesado em educação, em boa formação e informação. Informação é conhecimento, e quem não conhece não está apto a escolher, pelo menos não bem.
Em ‘O Bem Amado’ de um lado estão os políticos da situação, o prefeito e seus correligionários; do outro está a oposição, comunista, esquerda vermelha e dita munida das mais santas intenções; no meio está o Povo, ‘levando fumo’, refém da mentira e dos jogos de interesses mais obscuros, massa de manobra para que tanto a direita quanto a esquerda alcancem o seu sonho de consumo, que é unicamente o Poder. Dias nos mostra que trata-se de pura ilusão a visão maniqueísta de pensar que em política - como alguns iludem e outros são iludidos a acreditar - existem de um lado santos, e de um outro, canalhas . Santos não existem. E o que revela a canalhice em política é a conveniência, a oportunidade.
Característica das grandes obras de arte é ser atemporal e universal, perduram. ‘O Bem Amado’ se encaixa plenamente em ambos os aspectos. Pegando como exemplo a atemporalidade, note-se a impactante atualidade da peça. Basta observar o cenário político do Brasil. ‘Como nunca antes na história deste país’ a corrupção política esteve tão disseminada; como nunca antes na história deste país o povo foi tão manipulado e teve sua ignorância usada como massa de manobra; como nunca antes na história desse país os políticos estiveram tão ávidos em busca do “poder pelo poder”. Quer uma prova? Hoje temos de um lado a situação (a esquerda populista, mentirosa e perigosa!) e do outro a oposição (a direita velha, ultrapassada, mesquinha e burra!); e verificamos tal quadro ás vésperas de uma eleição, isso depois da direita – hoje oposição – ter passado oito anos no Poder; e após a esquerda – hoje situação – estar completando oito anos no Planalto, sustentada nas asas do nosso senhor Jesus cristo (isto é, Lula!). Agora eu pergunto: algum Ser vivo com alguma grama de massa cefálica no cabeção ainda acredita que existe – notadamente no Brasil – alguma diferença pragmática entre os citados partidos, que, ainda justifique essa dicotomia ‘esquerda-direita’ política? Outra pergunta: alguém já pegou pra ler as propostas programáticas dos futuros possíveis governos da situação ou da oposição? Se pegarem verão que os presidenciáveis não têm propostas concretas, e que tais documentos são idênticos em cretinice, divagação. E, além desse problema gravíssimo de pessoas quererem governar o país sem um programa sólido, no Brasil não temos a tradição de eleger propostas de um partido no qual confiamos. Ao contrário, elegemos pessoas. João e Maria nunca votam no programa de governo do partido "Tal", através do qual Petrúcia se candidatou à Presidente da República, não! João e Maria votam em Petrúcia porque ela tem uma voz bonita, fez uma plástica e agora se parece com Michael Jackson, e além disso é a preferida do quase ex presidente. Daí temos dois graves problemas: o povo não é (bem) informado o suficiente para votar, não tem formação de cidadania, e no atual estágio lamentam muito mais se votaram no Big Brother errado do que se elegeram um político corrupto. O outro problema: a profissionalização da política, já observada por muitos analistas como um nonsense social. É de novo a corrida ‘poder pelo poder’. O sujeito se elege uma vez e não quer mais sair de cima da carne seca. Antes quer é colocar toda a família no ramo! E o que vemos é o que está ai, sempre a mesma cara, tanto nos cargos eletivos, como nos cargos de confiança, e nas Empresas Públicas. Trata-se do aparelhamento ou loteamento da máquina Estatal. Ao invés de técnicos preparados coloca-se os amigos que não conseguiram elegerem-se. E tudo isso produz conseqüências danosas nas vidas das pessoas, mas elas não foram educadas para enxergar. O cara vem e diz: “ocês vai eleger Michael Jackson para presidente!” João e Maria não pensam duas vezes, obedecem a Jesus Cristo. ‘who´s bad?’
Ah é mesmo... Ainda tenho que falar sobre o bendito do filme do Guel Arraes.
Alguém sabe alguma oração forte? Não riam. Bom, Essa adaptação de ‘O Bem Amado’ de Guel Arraes Globo Filmes para o cinema, me fez recordar uma frase que um velho professor sempre repetia: “se um sujeito quer fazer uma bobagem, por que não a escreve? Por que destruir o texto de alguém que trabalhou duro?” A frase original tem muitos palavrões, não ouso repetir aqui, crianças lêem o Blog. Bom, aí eu me pergunto: um cara como Arraes tem tudo para fazer um filmaço e toda vez é assim: inclassificável. Tem patrocínio da PETROBRÁS e do BNDES, tem estrutura, tem bons atores, tem o texto de ‘O Bem Amado’, tem o momento político certo do país para estrear o filme e... eu não vou falar desse negócio gente. Tá bom, pensem em algo muito ruim que já viram no cinema... agora... pensem de novo.... isso... agora vão pensando, pensando, pensando, pensando... e vão ver o novo filme de Tarantino que é muito bom!
O Brasil está há 500 anos dentro da caverna de Platão... e a única chance de sair será pela educação... Mas antes, alguns vários jovens precisarão se interessar por política partidária.
Hedre Lavnzk Couto.
Texto dedicado a Drica Moraes. Ela que está no elenco desse Filme. Mas que se salva. Drika é uma atriz incrível que transita magistralmente entre o drama e a comédia. A primeira vez que a vi em cena foi em Mandacarú, novela da antiga Rede Manchete. Torço para que ela se cure inteiramente o quanto antes. Saúde, Drica!
terça-feira, julho 27
‘SEMPRE BELA’
Que mais surreal do que aquele estranho fenômeno que ocorre à algumas mulheres, como se o tempo só lhes fizesse carinho, afagos... Os anos implacáveis sucedem, deixando marcas irreparáveis em todos, mas, a elas, parecem apenas legar os sinais das mais suaves primaveras. Sempre Belas... As mulheres bonitas existem de dois tipos, e só. A saber, as fúteis, cuja beleza sempre lhes foi um terrível fardo, atrofiando terrivelmente seu cérebro, deixando seus sentimentos e desejos tão previsíveis quanto a própria palidez de suas vidas ridículas; já o segundo tipo é representado por aquelas mulheres lindas e perigosas, perigosas para si, e para os outros. Mulheres que vivem. E, que, alguma vez escutaram, mesmo acidentalmente, os ensinamentos daquela canconeta (meio piegas) do Roberto: “ se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi.”
Luís Bunuel é um dos meus cineastas preferidos. Foi o primeiro por cuja obra me interessei a ponto de ir pesquisar, ver e rever filmes. Talvez pelo fato de ter encontrado antes a obra de seu compatriota, Fernando Arrabal. Talvez por sempre ter me atraído demasiado pelo nonsense, pela estética e pela linguagem geral do Surrealismo. Bunuel me assombrou, ainda jovenzinho, quando vi ‘O cão Andaluz’. Me deixou maravilhado quando assisti ‘Viridiana’. Me fez ter vontade de ser cineasta – isso só durou alguns dias (risos) – quando vi ‘O Anjo Exterminador’. Aguçou, decisivamente, meu senso crítico quando tomei contato com ‘O discreto charme da Burguesia’. Bunuel me fez mandar o politicamente correto pras cucuias quando fiquei enlouquecido com uma das cenas de ‘A era de Ouro’. Bunuel me reaproximou de mim mesmo e da Filosofia quando vi sua adaptação de ‘Robson Crusoé’. Enfim, Bunuel foi um dos meus educadores, compondo muito na formação de meu caráter, posso mesmo dizer. De outro modo, foi este cineasta um dos caras que mais influenciou estética e filosoficamente nas obras que realizei na minha vida passada, quando fui artista. Bunuel não é somente o mestre do Surrealismo, é um pensador essencial de se conhecer.
Ele tem uma legião de admiradores por todo o mundo. E não é de se surpreender que um de seus observadores mais antigos, o português Manoel de Oliveira, tenha querido lhe conferir homenagem, fazendo um filme – ‘Sempre Bela’ - em tributo a ‘A Bela da Tarde’, filme de Bunuel.
Sempre Bela – Dois amantes quando jovens, se reencontram após décadas de distância. Ele era o melhor amigo do marido dela. Ela, sempre belíssima, amava o marido, mas necessitava traí-lo, viciosamente, como para purgar o seu amor de esposa dedicada, não alimentava sentimento de culpa algum em manter outros amores em secreto. Agora, já madura e viúva, mas, ainda bela, reecontram-se ela e o amigo amante. Mas algo parece ter mudado, pelo menos para um dos dois.
Eu acho o filme uma homenagem tímida, para quem pretende homenagear alguém da grandeza de Bunuel, mas, eu sou muito exigente, dizem. De todo modo é um filme que vale a pena ver, sim!
A Direção de Arte e a interpretação dos atores merecem um destaque especial, sendo que os dois protagonistas estão excelentes. As cenas, por sua vez, ocorrem entre externas noturnas e vespertinas, pelas ruas de Paris, ou em internas, num bar, numa sala de jantar. A cena do jantar ressalta bem a estética do filme, que é mais teatral – lembra muito o Teatro do Absurdo de Fernanando Arrabal, cuja obra também conheço razoavelmente a ponto de traçar o paralelo - do que aquilo que poderiamos, normalmente, esperar de uma homenagem a Bunuel, que seria uma exploração mais apurada das ferramentas Surrealistas, tão exaustivamente trabalhadas pelo cineasta espanhol. Mas se digo que o filme foi aquém do que eu imagina ver, ressalvo, por outro lado, a cena do jantar, dos ex amantes, que é uma obra prima! Muito bem realizada em todos os sentidos. Manoel Oliveira demonstra ser um fabuloso diretor de atores, e um artista visual rigoroso. Enfim, ‘Sempre Bela’ é um filme de linguagem Nonsense. Não é a melhor homenagem que se tem a Bunuel, porém, vejam a cena do jantar! Jantar em tempo real, aviso. “Imagina se eles tivessem comendo uma feijoada, como seria, hen?” comentavam animados dois casais de namorados, em meio aos planos de dar seqüência à balada, na saída do cinema. O filme tem apenas 70 minutos. - Sabiam que há um certo charme em ser um cardiopata?
para Taita.
Hedre Lavnzk Couto...
Luís Bunuel é um dos meus cineastas preferidos. Foi o primeiro por cuja obra me interessei a ponto de ir pesquisar, ver e rever filmes. Talvez pelo fato de ter encontrado antes a obra de seu compatriota, Fernando Arrabal. Talvez por sempre ter me atraído demasiado pelo nonsense, pela estética e pela linguagem geral do Surrealismo. Bunuel me assombrou, ainda jovenzinho, quando vi ‘O cão Andaluz’. Me deixou maravilhado quando assisti ‘Viridiana’. Me fez ter vontade de ser cineasta – isso só durou alguns dias (risos) – quando vi ‘O Anjo Exterminador’. Aguçou, decisivamente, meu senso crítico quando tomei contato com ‘O discreto charme da Burguesia’. Bunuel me fez mandar o politicamente correto pras cucuias quando fiquei enlouquecido com uma das cenas de ‘A era de Ouro’. Bunuel me reaproximou de mim mesmo e da Filosofia quando vi sua adaptação de ‘Robson Crusoé’. Enfim, Bunuel foi um dos meus educadores, compondo muito na formação de meu caráter, posso mesmo dizer. De outro modo, foi este cineasta um dos caras que mais influenciou estética e filosoficamente nas obras que realizei na minha vida passada, quando fui artista. Bunuel não é somente o mestre do Surrealismo, é um pensador essencial de se conhecer.
Ele tem uma legião de admiradores por todo o mundo. E não é de se surpreender que um de seus observadores mais antigos, o português Manoel de Oliveira, tenha querido lhe conferir homenagem, fazendo um filme – ‘Sempre Bela’ - em tributo a ‘A Bela da Tarde’, filme de Bunuel.
Sempre Bela – Dois amantes quando jovens, se reencontram após décadas de distância. Ele era o melhor amigo do marido dela. Ela, sempre belíssima, amava o marido, mas necessitava traí-lo, viciosamente, como para purgar o seu amor de esposa dedicada, não alimentava sentimento de culpa algum em manter outros amores em secreto. Agora, já madura e viúva, mas, ainda bela, reecontram-se ela e o amigo amante. Mas algo parece ter mudado, pelo menos para um dos dois.
Eu acho o filme uma homenagem tímida, para quem pretende homenagear alguém da grandeza de Bunuel, mas, eu sou muito exigente, dizem. De todo modo é um filme que vale a pena ver, sim!
A Direção de Arte e a interpretação dos atores merecem um destaque especial, sendo que os dois protagonistas estão excelentes. As cenas, por sua vez, ocorrem entre externas noturnas e vespertinas, pelas ruas de Paris, ou em internas, num bar, numa sala de jantar. A cena do jantar ressalta bem a estética do filme, que é mais teatral – lembra muito o Teatro do Absurdo de Fernanando Arrabal, cuja obra também conheço razoavelmente a ponto de traçar o paralelo - do que aquilo que poderiamos, normalmente, esperar de uma homenagem a Bunuel, que seria uma exploração mais apurada das ferramentas Surrealistas, tão exaustivamente trabalhadas pelo cineasta espanhol. Mas se digo que o filme foi aquém do que eu imagina ver, ressalvo, por outro lado, a cena do jantar, dos ex amantes, que é uma obra prima! Muito bem realizada em todos os sentidos. Manoel Oliveira demonstra ser um fabuloso diretor de atores, e um artista visual rigoroso. Enfim, ‘Sempre Bela’ é um filme de linguagem Nonsense. Não é a melhor homenagem que se tem a Bunuel, porém, vejam a cena do jantar! Jantar em tempo real, aviso. “Imagina se eles tivessem comendo uma feijoada, como seria, hen?” comentavam animados dois casais de namorados, em meio aos planos de dar seqüência à balada, na saída do cinema. O filme tem apenas 70 minutos. - Sabiam que há um certo charme em ser um cardiopata?
para Taita.
Hedre Lavnzk Couto...
quinta-feira, julho 22
Vittorio de Sica: Minha vida, Meus amores
É um documentário que em sua forma é piegas, mas, o conteúdo vale o sacrifício: Vittorio de Sica é um dos Grandes mestres do bom cinema italiano. Homem de teatro, ator e diretor de cinema, tem, neste doc, os bastidores de sua vida e obra desvendados. Grande de Sica!
A Riviera Não é Aqui
É uma ótima comédia. Eu queria ser Kad Merad. Vi dois filmes este ano com ele, é um ator magnífico, desses de nos causar aquela falsa impressão de ‘inveja boa’. Ele tem perfil físico de comediante, técnica e time dignos do melhores nomes do cinema mudo. O filme é requintando: uma fábula sensível, realizada com primor, através de um roteiro bem delineado e concretizado por uma perfeita sintonia em direção e interpretação. Numa palavra: simples e genial, como deviam ser todos os bons encontros.
Ai..., que preguiiiiiiiiça!...
Tenho andado tão Macunaíma da vida. Não sei se estou experimentando novas formas de escrever ou se estou com preguiça. Em todo caso, vamos ver no que dá, né. O teatro tem me desinteressado cada dia mais. Tenho andado muito pelo cinema, vi algumas coisas boas, outras nem tanto... A Publicidade e o Rádio parecem ser, ainda, uma luz no fim desse túnel. Tenho lido muitos livros... Alguns outros, não passei das três primeiras páginas. Música, isso sim! Tenho escutado muito The Rolling Stones. Parei com o cigarro. Agora passo longe do café. A cada novo dia surge um cabelo branco... E uma maldita frase, cujo significado desconheço, não me sai da cabeça: “cabras atravessam a ponte”.
quinta-feira, julho 1
O Segredo dos seus olhos
Vi Duas vezes. Lindíssima Soledad Villamil, olhos negros e poros apaixonantes. Os enquadramentos de Câmera e a realização plástica do filme foram tão felizes que eu pude sentir o seu hálito. Uma estória sobre nossa postura diante do tempo, de um tempo que passa de maneira avassaladora, e que nos tira muito, mas que, ás vezes, nos devolve pelo menos a possibilidade de ainda amar. Los hermanos tem um cinema e tanto.
Hedre Lavnzk Couto
Hedre Lavnzk Couto
'Nine'
Espetacular. Nunca foi tentativa de recriar oito e meio. O objetivo era tomá-lo como inspiração. Algumas grandes obras fracassam na bilheteria, outras na crítica. Nine foi desprezado por ambos. Mas é espetacular ainda assim. Um elenco maravilhoso num trabalho marcante. A crítica americana certamente esperava uma exumação do velho e grande cineasta italiano, talvez por isso rosnaram tanto.
Hedre Lavnzk Couto
Hedre Lavnzk Couto
Ao Sul da fronteira ou o safári sulamericano de Mr. Stone
Não irei qualificar nem o criador nem a criatura de inocentes, como fizeram muitos. Oliver Stone é um exótico. Que gosta de voar para lugares que considera exóticos, para tentar entender mais de perto aquilo que se passa no cotidiano de nós nativos-bárbaros, Ao sul da fronteira. Mr. Stone não é mal intencionado, nem é um maldito gringo do alto de longas botas de arrogância, empacotado em suas roupas impermeáveis, financiado por Hugo para capturar borboletas imperialistas zombeteiras. Oliver, amigos, só quer entender um pouco mais de nosso Tupinikin way of life.
Hedre Lavnzk Couto
Hedre Lavnzk Couto
Quincas Berro D’água
Tom de novela. Bela fotografia. Ângelo Flávio, brilhante. O restante do elenco, lastimável. Ê, Quincas... que saudades de O Pagador de Promessas.
Hedre Lavnzk Couto
Hedre Lavnzk Couto
Brilho de uma Paixão
Frágil e fútil. De uma anestesia inquietante. Todavia, verossímil. 1819. Um jovem poeta. Uma jovem tão perdida quanto ele. Um encontro. Um casal. Poesia. Ócio. Meses perdidos. Duas vidas paralisadas, improdutividade. Ilusão. Paixão. No fim sem brilho. Uma direção de arte notável. Atores fracos, à exceção da ótima Antonia Campbell-Hughes, na pele da empregada Abigail.
Hedre Lavnzk Couto
Hedre Lavnzk Couto
domingo, maio 23
A TVE-Bahia me censurou
Queridas e queridos, este vosso atualmente, saudoso, crítico defunto ou defunto crítico, (parafraseando aqui o pai da linda Capitú) recebeu há poucos dias um tratamento democrático digno dos trevosos anos de chumbo. Ah, senti saudades de Médice diante da truculência de uma diretora da TVE Bahia. Fui massacrado por essa TV. Explico. A Revista Cultural Semanal “soterópolis”, amordaçou-me; cortou-me a língua, roubou-me a liberdade de expressão e comunicação; estuprou minha dignidade. E, por que? Porque eu me atrevi externalizar ponto de vista divergente sobre determinada conjuntura artística, tanto bastou para eu sofrer a mão pesada da inquisidora medieval Sra. Silvana Moura – diretora do referido programa local
Tudo começou quando fui procurado por um de seus produtores:
“Olá Hedre,
Sou Pedro Dell'Orto da produção do programa Soterópolis exibido na TVE. Iremos fazer uma reportagem sobre o aquecimento para o prêmio Braskem. Deusi Magalhães me indicou seu nome junto ao seu blog. Pelo que li, acredito que você acrescentaria muito à reportagem por apresentar uma postura polêmica em relação ao prêmio e a classe artística, além de propor o boicote. Seria uma boa oportunidade para divulgar suas opiniões sobre o prêmio. Caso tenha interesse, me envie um e-mail com seu telefone para que eu possa entrar em contato e agendarmos o dia da entrevista.
Atenciosamente,
Pedro”.
Como acreditando que se tratasse de mais uma possibilidade de debater e acrescentar algum fôlego de provocação e inspiração ao nosso debilitado teatro baiano, eu, infantil, me prontifiquei a dar a tal entrevista, até por consideração a minha leitora Deusy que tinha sugerido minha opinião como pauta. E eis que a famigerada história segue:
“Olá, Pedro. Como vai? Sim, eu tenho interesse pela entrevista. Essa será, sem dúvida, outra oportunidade de troca de idéias muito bem vinda.”
Marcado o dia e o horário, foi gravada a entrevista.
Passado algum tempo, como soube que a entrevista não tinha ido ao ar, indaguei ao mesmo produtor:
“OLá, Pedro. Gostaria de saber quando será exibida a entrevista que concedi a Vocês.grato,”,
Ao que ele me respondeu:
“Oi, Hedre!
A matéria está prevista para ser exibida no dia 02 de abril. Att, Pedro”
Como se passou o dia 02 e a matéria não tinha ido ao ar, no dia 23 de abril fiz um novo contato com o programa Soterópolis:
“Olá! Gostaria de saber se vocês irão ou não exibir a entrevista que fizeram comigo sobre o teatro baiano?”
Ao que o produtor Pedro retornou mentirosamente:
“Olá Hedre,
exibimos no inicio do mês na matéria aquecimento Braskem. abs, Pedro”
Como minha assistente vinha acompanhando assiduamente o programa eu tinha certeza de que se tratava de uma inverdade a afirmação do tal Pedro Dellorto, e por salvaguarda fiz novo contato:
“Pedro, Bom dia!Gostaria de saber, se puder me fazer esse favor, a data precisa da exibição. Pois acompanhei assiduamente os programas posteriores a minha entrevista e não a vi ser exibida em nenhum bloco dos mesmos. Estou suspeitando de que vocês ou esqueceram-se de exibir ou não quiseram, configurando uma censura e uma falta de respeito com minha opinião. e, se for o caso, vou tomar as minhas providencias judiciárias e midiáticas. Espero sinceramente que eu esteja enganado, pois seria muito desagradável, tal fato.
obrigado!”
Detalhe, como eles não tinham levado a matéria ao ar, não tinham como comunicar o dia da exibição (risos). Mas como eles não me respondiam, eu, carrapato de mim mesmo, continuei:
“Peço-lhes encarecidamente que me dêem um retorno: Preciso saber com precisão a data do programa onde foi exibida a matéria que fizeram comigo.
Gostaria de ser tratado com a mesma delicadeza e presteza com que atendi o pedido inicial de vocês para conceder a entrevista. Empenhei meu tempo, horas de uma tarde, tenho o direito de ter essa informação. Espero que tenham a gentileza de me responder o quanto antes.
Desarmado pela perna curta do engodo, o patife Pedro claudica:
“Vou checar e te aviso. Não há motivo para ficar chateado. Respeitamos a opinião de todos, especialmente a sua, pois foi escolhido para dar o depoimento pelo texto que li em seu blog sobre o boicote ao prêmio Braskem. Não se preocupe, se tiver ocorrido algum incidente do gênero, não foi de forma alguma no intuito de censurar sua opinião, mas um possível descuido de quem editou a matéria.
Atenciosamente,Pedro”
E, como não havia mais possibilidade de negar o inegável a CENSURA que me aplicaram, outra vez tentou explicar o inadmissível:
“Caro Hedre,
segue e-mail da Diretora de Produção do Soterópolis sobre o seu caso.
(a diretora, disse): “Caro Pedro,
Não sei porque ele não entrou, acho que foi uma opção do editor. No Soterópolis nós deixamos o editor livre para construir a matéria.
As vezes ele usa sonoras inteiras, outras vezes algumas partes, outras vezes não usa . O jornalista é livre para construir sua reportagem, o que não se pode fazer é alterar os depoimentos das fontes.
Nosso programa sempre abriu espaço para as opiniões das pessoas e vai continuar a fazer isso e nossos jornalistas vão continuar trabalhando com autonomia.”
Estava então clara a falta de seriedade e honestidade desta senhora responsável pela direção do tal programa. Mas eu sou um lord [do dendê], e mesmo diante de sua falta de compostura ainda lhe dediquei açúcar:
“Olá, Silvana!
Sou Hedre Lavnzk Couto, um entusiasta da vida e um otimista que ainda acredita na inteligência e na capacidade humana de respeitar o semelhante, por mais que ele seja ou pense diferente. Acredito em alguns valores fundamentais, alguns desses valores justificam a distinção que fazemos - às vezes, prepotentemente entre nós e os animais irracionais, valores como honra, dignidade, lealdade, hosnestidade, numa palavra caráter e sentimento de respeito para com o outro nos livra da barbarie total e da comparação incômoda com as bestas brutas. Mas Ser humano é difícil, né? Às vezes, não damos conta dessa carga. O tédio nos consome no trânsito, no expediente, em nossa vidinha pequeno bruguesa, na insignificância do nosso lar, na vaidade, na burocracia, numa idéia de relativismo que tudo julgamos poder através dela, justificar nossos erros, falhas ou desvios de índole.
Mas o que quero te dizer, na verdade, Silvana, é que do auge de uma aparente arrogância de minha parte, eu poderia mesmo te dar uma aula acadêmica, técnica, ou mais especificamente, jurídica, sobre liberdade e autonomia de imprensa. Você deturpa tais conceitos consagrados. Eu estava em casa, seu produtor contatou-me convidando-me a conceder uma entrevista sobre um objeto e uma situação da qual estou satisfatoriamente intimo e inteirado (o teatro baiano e o fazer teatral), eu, mesmo com tempo sempre curto, coloquei-me a disposição, lhes concedi horas de uma tarde, dividi com vocês pensamentos e meditações e experiências que acumulei a custo de muito trabalho e sacrifício, e não considero que isso a que vocês denominam de "liberdade e autonomia de imprensa" justifique o descarte de minha entrevista, do material que fizeram comigo, quero dizer, essa aberração que você mentalizou para amenizar sua falta de escrúpulo profissional, não justifica o descarte de meu tempo, de minha presença, de meus pensamentos, eles não podem ser preconceituosamente descartados pelo seu editor ou por você diretora! Não! Penso que esta deslealdade ora desferida por vocês, seja nem aqui nem em Marte apreciável de ser chamada de liberdade ou autonomia jornalística. Opção do editor? Ele que as tenha. Mas me respeite, não delete meu tempo e minha seriedade. Ele é livre para construir a matéria? Não temos dúvida. Mas livre para construí-la dentro de parâmetros éticos, respeitando antes de tudo quem lhe fornece conteúdo para sua pauta, e respeitando por extensão a diversidade de pontos de vistas, o que denota respeito em último caso para o público que tem todo o direito de ver e ter pluralidade. Será que o jornalista é livre para desrespeitar as suas fontes? Você diz: "Nosso programa sempre abriu espaço para as opiniões das pessoas e vai continuar a fazer isso e nossos jornalistas vão continuar trabalhando com autonomia." Mas eu não estou querendo tirar a autonomia dos seus jornalistas, estou pleiteando ser tratado com respeito, e o serei. Aí você pede que eu compreenda o vosso trabalho? Então deveria eu compreender osmoticamente que sua autonomia e que sua equipe podem me desrespeitar? Isso nem meu analista me faria entender ou aceitar.
Vou dividir com você a minha tese: Você e seus editores viram o que eu disse na entrevista e julgaram indigesto para o caráter festivo (superficial) que vocês pretenderam conferir à matéria sobre o prêmio Braskem de teatro, acharam ou forte demais, ou desagradável, ou muito polêmico, numa palavra, desproposital, inadequado para o tom amistoso que vocês queriam para a ocasião... Trocando em miúdos, me CENSURARAM! Tive a oportunidade de ver as outras entrevistas e os outros entrevistados do meio teatral convidados por vocês, todos com palavras muito confortáveis, todos muito felizes e elogiosos para com todos e tudo, eu falei o que achava e fui guilhotinado. Você chama a isso de autonomia e liberdade jornalística. Eu de minha parte chamo de CENSURA! FALTA DE ÉTICA E PROFISSIONALISMO! Eu me sentiria muito infeliz se fosse um jornalista e tivesse essa visão açougueira da autonomia, da liberdade. Isso me lembra aquele antigo jornalismo policial carioca dos anos 40, 50, 60 onde, se deparando com um cadáver ileso de ferimentos no asfalto, o jornalista cravava-lhe um punhal no peito para a foto da capa matinal vender mais no dia seguinte. Então eu me pergunto que tipo de jornalista é você Silvana? Que tipo de jornalismo vocês fazem aí na TVE? Que espírito de porco é esse que os levam a pensar que podem desrespeitar as pessoas? Censura ficou lá trás. longe, longe, e de mim mais longe ainda, brucutu, porque eu adoro uma briga...”
Eu não queria ter que começar a falar tão cedo sobre a verdade da TV da bahiana, mas assim serei forçado a deitar-lhes o verbo e sentar-lhes o dedo... até queridos!
Tudo começou quando fui procurado por um de seus produtores:
“Olá Hedre,
Sou Pedro Dell'Orto da produção do programa Soterópolis exibido na TVE. Iremos fazer uma reportagem sobre o aquecimento para o prêmio Braskem. Deusi Magalhães me indicou seu nome junto ao seu blog. Pelo que li, acredito que você acrescentaria muito à reportagem por apresentar uma postura polêmica em relação ao prêmio e a classe artística, além de propor o boicote. Seria uma boa oportunidade para divulgar suas opiniões sobre o prêmio. Caso tenha interesse, me envie um e-mail com seu telefone para que eu possa entrar em contato e agendarmos o dia da entrevista.
Atenciosamente,
Pedro”.
Como acreditando que se tratasse de mais uma possibilidade de debater e acrescentar algum fôlego de provocação e inspiração ao nosso debilitado teatro baiano, eu, infantil, me prontifiquei a dar a tal entrevista, até por consideração a minha leitora Deusy que tinha sugerido minha opinião como pauta. E eis que a famigerada história segue:
“Olá, Pedro. Como vai? Sim, eu tenho interesse pela entrevista. Essa será, sem dúvida, outra oportunidade de troca de idéias muito bem vinda.”
Marcado o dia e o horário, foi gravada a entrevista.
Passado algum tempo, como soube que a entrevista não tinha ido ao ar, indaguei ao mesmo produtor:
“OLá, Pedro. Gostaria de saber quando será exibida a entrevista que concedi a Vocês.grato,”,
Ao que ele me respondeu:
“Oi, Hedre!
A matéria está prevista para ser exibida no dia 02 de abril. Att, Pedro”
Como se passou o dia 02 e a matéria não tinha ido ao ar, no dia 23 de abril fiz um novo contato com o programa Soterópolis:
“Olá! Gostaria de saber se vocês irão ou não exibir a entrevista que fizeram comigo sobre o teatro baiano?”
Ao que o produtor Pedro retornou mentirosamente:
“Olá Hedre,
exibimos no inicio do mês na matéria aquecimento Braskem. abs, Pedro”
Como minha assistente vinha acompanhando assiduamente o programa eu tinha certeza de que se tratava de uma inverdade a afirmação do tal Pedro Dellorto, e por salvaguarda fiz novo contato:
“Pedro, Bom dia!Gostaria de saber, se puder me fazer esse favor, a data precisa da exibição. Pois acompanhei assiduamente os programas posteriores a minha entrevista e não a vi ser exibida em nenhum bloco dos mesmos. Estou suspeitando de que vocês ou esqueceram-se de exibir ou não quiseram, configurando uma censura e uma falta de respeito com minha opinião. e, se for o caso, vou tomar as minhas providencias judiciárias e midiáticas. Espero sinceramente que eu esteja enganado, pois seria muito desagradável, tal fato.
obrigado!”
Detalhe, como eles não tinham levado a matéria ao ar, não tinham como comunicar o dia da exibição (risos). Mas como eles não me respondiam, eu, carrapato de mim mesmo, continuei:
“Peço-lhes encarecidamente que me dêem um retorno: Preciso saber com precisão a data do programa onde foi exibida a matéria que fizeram comigo.
Gostaria de ser tratado com a mesma delicadeza e presteza com que atendi o pedido inicial de vocês para conceder a entrevista. Empenhei meu tempo, horas de uma tarde, tenho o direito de ter essa informação. Espero que tenham a gentileza de me responder o quanto antes.
Desarmado pela perna curta do engodo, o patife Pedro claudica:
“Vou checar e te aviso. Não há motivo para ficar chateado. Respeitamos a opinião de todos, especialmente a sua, pois foi escolhido para dar o depoimento pelo texto que li em seu blog sobre o boicote ao prêmio Braskem. Não se preocupe, se tiver ocorrido algum incidente do gênero, não foi de forma alguma no intuito de censurar sua opinião, mas um possível descuido de quem editou a matéria.
Atenciosamente,Pedro”
E, como não havia mais possibilidade de negar o inegável a CENSURA que me aplicaram, outra vez tentou explicar o inadmissível:
“Caro Hedre,
segue e-mail da Diretora de Produção do Soterópolis sobre o seu caso.
(a diretora, disse): “Caro Pedro,
Não sei porque ele não entrou, acho que foi uma opção do editor. No Soterópolis nós deixamos o editor livre para construir a matéria.
As vezes ele usa sonoras inteiras, outras vezes algumas partes, outras vezes não usa . O jornalista é livre para construir sua reportagem, o que não se pode fazer é alterar os depoimentos das fontes.
Nosso programa sempre abriu espaço para as opiniões das pessoas e vai continuar a fazer isso e nossos jornalistas vão continuar trabalhando com autonomia.”
Estava então clara a falta de seriedade e honestidade desta senhora responsável pela direção do tal programa. Mas eu sou um lord [do dendê], e mesmo diante de sua falta de compostura ainda lhe dediquei açúcar:
“Olá, Silvana!
Sou Hedre Lavnzk Couto, um entusiasta da vida e um otimista que ainda acredita na inteligência e na capacidade humana de respeitar o semelhante, por mais que ele seja ou pense diferente. Acredito em alguns valores fundamentais, alguns desses valores justificam a distinção que fazemos - às vezes, prepotentemente entre nós e os animais irracionais, valores como honra, dignidade, lealdade, hosnestidade, numa palavra caráter e sentimento de respeito para com o outro nos livra da barbarie total e da comparação incômoda com as bestas brutas. Mas Ser humano é difícil, né? Às vezes, não damos conta dessa carga. O tédio nos consome no trânsito, no expediente, em nossa vidinha pequeno bruguesa, na insignificância do nosso lar, na vaidade, na burocracia, numa idéia de relativismo que tudo julgamos poder através dela, justificar nossos erros, falhas ou desvios de índole.
Mas o que quero te dizer, na verdade, Silvana, é que do auge de uma aparente arrogância de minha parte, eu poderia mesmo te dar uma aula acadêmica, técnica, ou mais especificamente, jurídica, sobre liberdade e autonomia de imprensa. Você deturpa tais conceitos consagrados. Eu estava em casa, seu produtor contatou-me convidando-me a conceder uma entrevista sobre um objeto e uma situação da qual estou satisfatoriamente intimo e inteirado (o teatro baiano e o fazer teatral), eu, mesmo com tempo sempre curto, coloquei-me a disposição, lhes concedi horas de uma tarde, dividi com vocês pensamentos e meditações e experiências que acumulei a custo de muito trabalho e sacrifício, e não considero que isso a que vocês denominam de "liberdade e autonomia de imprensa" justifique o descarte de minha entrevista, do material que fizeram comigo, quero dizer, essa aberração que você mentalizou para amenizar sua falta de escrúpulo profissional, não justifica o descarte de meu tempo, de minha presença, de meus pensamentos, eles não podem ser preconceituosamente descartados pelo seu editor ou por você diretora! Não! Penso que esta deslealdade ora desferida por vocês, seja nem aqui nem em Marte apreciável de ser chamada de liberdade ou autonomia jornalística. Opção do editor? Ele que as tenha. Mas me respeite, não delete meu tempo e minha seriedade. Ele é livre para construir a matéria? Não temos dúvida. Mas livre para construí-la dentro de parâmetros éticos, respeitando antes de tudo quem lhe fornece conteúdo para sua pauta, e respeitando por extensão a diversidade de pontos de vistas, o que denota respeito em último caso para o público que tem todo o direito de ver e ter pluralidade. Será que o jornalista é livre para desrespeitar as suas fontes? Você diz: "Nosso programa sempre abriu espaço para as opiniões das pessoas e vai continuar a fazer isso e nossos jornalistas vão continuar trabalhando com autonomia." Mas eu não estou querendo tirar a autonomia dos seus jornalistas, estou pleiteando ser tratado com respeito, e o serei. Aí você pede que eu compreenda o vosso trabalho? Então deveria eu compreender osmoticamente que sua autonomia e que sua equipe podem me desrespeitar? Isso nem meu analista me faria entender ou aceitar.
Vou dividir com você a minha tese: Você e seus editores viram o que eu disse na entrevista e julgaram indigesto para o caráter festivo (superficial) que vocês pretenderam conferir à matéria sobre o prêmio Braskem de teatro, acharam ou forte demais, ou desagradável, ou muito polêmico, numa palavra, desproposital, inadequado para o tom amistoso que vocês queriam para a ocasião... Trocando em miúdos, me CENSURARAM! Tive a oportunidade de ver as outras entrevistas e os outros entrevistados do meio teatral convidados por vocês, todos com palavras muito confortáveis, todos muito felizes e elogiosos para com todos e tudo, eu falei o que achava e fui guilhotinado. Você chama a isso de autonomia e liberdade jornalística. Eu de minha parte chamo de CENSURA! FALTA DE ÉTICA E PROFISSIONALISMO! Eu me sentiria muito infeliz se fosse um jornalista e tivesse essa visão açougueira da autonomia, da liberdade. Isso me lembra aquele antigo jornalismo policial carioca dos anos 40, 50, 60 onde, se deparando com um cadáver ileso de ferimentos no asfalto, o jornalista cravava-lhe um punhal no peito para a foto da capa matinal vender mais no dia seguinte. Então eu me pergunto que tipo de jornalista é você Silvana? Que tipo de jornalismo vocês fazem aí na TVE? Que espírito de porco é esse que os levam a pensar que podem desrespeitar as pessoas? Censura ficou lá trás. longe, longe, e de mim mais longe ainda, brucutu, porque eu adoro uma briga...”
Eu não queria ter que começar a falar tão cedo sobre a verdade da TV da bahiana, mas assim serei forçado a deitar-lhes o verbo e sentar-lhes o dedo... até queridos!
Meu caro Eduardo Oliva,
Meu caro Eduardo Oliva, é com prazer que adentro às leituras do seu Blog. E não posso deixar de congratulá-lo pela idéia e pelo empreendimento, que, tenho certeza, com sua dedicação e engenhosidade habituais, não tardará a despertar o acopanhamento de muitos. Acabei de ler seu texto e pra começo de conversa já fiz uma notável descoberta pessoal: também eu fui um Jim Graham. E, embora não tenha sido abandonado em Hong Kong, sobrevivi há várias guerras, o que me fez envelhecer desastrosamente rápido... (Segue)-
A proposta que você traz neste espaço de cara já me interessa muito. É animadora a possibilidade de contar com um lugar virtual, onde os amantes e curiosos do cinema poderão se debruçar, sobretudo, na observação e debate daquelas questões e opções técnicas, relacionadas à missão sempre instigante, que é aquela de o cineasta através da 'fotografia' em movimento, guiar, surpreender e maravilhar o olhar humano.
A proposta que você traz neste espaço de cara já me interessa muito. É animadora a possibilidade de contar com um lugar virtual, onde os amantes e curiosos do cinema poderão se debruçar, sobretudo, na observação e debate daquelas questões e opções técnicas, relacionadas à missão sempre instigante, que é aquela de o cineasta através da 'fotografia' em movimento, guiar, surpreender e maravilhar o olhar humano.
ORAÇÃO A marfuz
Oh meu querido e venerado São Marfuz,
Vós que sois o rei dos reis, o maior dos maiores,
O justo dos justos, o sereno dos serenos, a luz das ribaltas, e, claro,
O diretor dos diretores
Vós que estais em todas as partes, palcos, comissões e corações
Protagonista esplêndido desta nossa arte fugaz e vagabunda
Rogo-vos, oh senhor magnânimo dos anéis e dos editais
Derramai um pouco de sua infinita luz e clarividência
Sobre nossas cabeças ocas e sedentas de um lugar ao elipsoidal!
Tu que enxergas onde os olhos comuns não enxergam,
Que sentes aquilo que os corações tropicanos médios não sentem,
Que sabes o que os livros de stanislavzky não dizem,
Que ensinas os caminhos das pedras,
Que entregas o leite,
Que repartes o pão,
Que recortas os papéis,
Que freqüentas as últimas sessões,
Que sorris de soslaio,
E que fazes os Policarpos...
Oh, Marfuz, deus grego,
Minuta de Eurípedes e Aristófanes
Inspiração de Falabela, Thomas e vilela
das comédias e tragédias
oh, Marfuz, nosso mestre,
refrigerai-nos, com a vossa graça,
Amém!
Vós que sois o rei dos reis, o maior dos maiores,
O justo dos justos, o sereno dos serenos, a luz das ribaltas, e, claro,
O diretor dos diretores
Vós que estais em todas as partes, palcos, comissões e corações
Protagonista esplêndido desta nossa arte fugaz e vagabunda
Rogo-vos, oh senhor magnânimo dos anéis e dos editais
Derramai um pouco de sua infinita luz e clarividência
Sobre nossas cabeças ocas e sedentas de um lugar ao elipsoidal!
Tu que enxergas onde os olhos comuns não enxergam,
Que sentes aquilo que os corações tropicanos médios não sentem,
Que sabes o que os livros de stanislavzky não dizem,
Que ensinas os caminhos das pedras,
Que entregas o leite,
Que repartes o pão,
Que recortas os papéis,
Que freqüentas as últimas sessões,
Que sorris de soslaio,
E que fazes os Policarpos...
Oh, Marfuz, deus grego,
Minuta de Eurípedes e Aristófanes
Inspiração de Falabela, Thomas e vilela
das comédias e tragédias
oh, Marfuz, nosso mestre,
refrigerai-nos, com a vossa graça,
Amém!
AVATAR
2154 D C. Uma grande batalha. No cenário, Montanhas flutuantes, plantas colossais, gigantescas árvores luminosas, cascatas d’água de infinita proporção, imensos répteis voadores que congestionam os céus, mamíferos improváveis e ferozes, algas voadoras que curam feridas, humanos que controlam, através da consciência, corpos criados artificialmente, e, tudo o que a mais prodigiosa das imaginações jamais tinha ousado conceber, esta é a longínqua Lua Pandora, onde vivia pacificamente o Povo Na’Vi, humanóides primitivos de três metros de altura com caudas, ossos naturalmente reforçados com fibra de carbono e pêlo bioluminescente, adoradores da deusa Eywa, totalmente conectados a natureza até sofrer a invasão de mercenários humanos, que pretendem extingui-los para explorar suas reservas do precioso minério Unobtanium.
Idealizado, escrito e dirigido por James Cameron, mesmo diretor de filmes como O Segredo do Abismo; Aliens – O Resgate; O Exterminador do Futuro; O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final ; e Titanic; AVATAR prometia ser um filme desbravador dos limites dos efeitos especiais. Revolução das câmeras 3 D, das lentes e de toda a computação gráfica. Exigência categórica do diretor, com o intuito de conferir o máximo de realidade à sua imaginação, era de que o filme fosse todo produzido em 3D. Cameron previa que somente assim seria possível proporcionar ao espectador uma experiência de total imersão no filme. E esse era meu medo.
Pensei: ‘lá vem mais um desses filmes notadamente piegas onde os computadores fazem grandes barulhos por nada e os bons diálogos e interpretações tiram férias’. Recentemente tivemos uma ótima idéia perdida em meio a um roteiro manco e uma execução cinematográfica desastrada. Refiro-me ao filme ‘2012’, que afora algumas imagens fortes e perturbadoras de um apocalipse presumível, nada mais provocou na maioria do público do que embrulho no estomago e alguns risinhos diante de um divertido casal separado e um russo estabanado. ‘2012’ foi muito alvoroço gráfico e pouca sensibilidade artística para explorar um tema controvertido da atual pauta mundial. Assim relutei bastante em conferi AVATAR. Mas fui! Fui ver mais um filme de um ex jovem estudante de física que, aos 23 anos, em início dos anos 70, ao entrar no cinema e ver o Episódio IV de Star Wars, decidiu estudar sobre ficção científica e câmeras, mudando o rumo de sua vida e fazendo filmes campeões de bilheteria e crítica.
AVATAR é o filme mais caro da história do cinema. Custou US$ 400 milhões. E até o dia 03 de janeiro de 2010 já tinha faturado US$1,02 bilhão, se tornando a quarta maior bilheteria de todos os tempos. MAS VALE CADA CENTAVO. RECOMENDO. E digo isso porque neste novo trabalho de Cameron a computação gráfica, a mais apurada tecnologia 3D surge como uma linguagem, um meio imprescindivel de tornar possivel a projeção da metáfora pensada pelo cineasta. Em AVATAR o uso da mais avançada tecnologia não é um fim em si mesmo. Não é exibicionismo gratuito. E sim uma necessidade.
E qual seria então a grande metáfora do diretor? James Cameron nos projeta num contexto de 114 anos a frente dessa nossa época. Onde, segundo a fábula, os humanos já destruiram todas as pontencialidades e capacidades naturais e vitais da Terra, transformando-a num planeta morimbundo, e agora veem-se na necessidade de corromperem as riquezas energéticas de outros sistemas. De cara já é nada animadora essa perspectiva de que em 100 anos o homem já teria comprometido irremediavelvente as condições de sobrevivência terrena. Outro ponto assustador é o de que não obstante à experiência de já terem perdido o próprio habitat original, por conta de seu instinto predador e autodestrutivo, os humanos não teriam se conscientizado dos erros, aplicando aos novos planetas encontrados os mesmos métodos desastrosos de convivência belijerante e exploração imprudente.
Mas ainda se pode pensar o filme sobre outro ângulo. Ao criar Pandora, um mundo macroscopicamente belo, virgem e plural, dotado de seres puros e pacificos e que convivem em total harmonia entre si e com inteira conexão com os elementos da natureza, o cineasta coloca uma espécie de lente de aumento na exuberância e na fragilidade de nosso próprio planeta Terra, como a nos recordar e a nos alertar de que ainda há tempo de cuidar de nossa casa, e mantê-la bela, rica e viva! O povo de Na’Vi, os seres primitivos de Pandora, podem ser vistos como aquele lado do homem que ainda tem consciência da necessidade da preservação. Portanto, a Guerra entre os humanoides Na’Vi e os homens pode ser interpretada como o embate existente entre os dois lados do Ser humano, respectivamente, a consciência da necessidade da conservação do planeta e o nosso instinto auto destrutivo e inconsequente.
Relevante então é notar quão adequadas se tornam as discussões suscitadas pelo filme, se tomado por essa visão. Num momento onde muito se discute a saúde e conservação do planeta. Onde ocorrem incansáveis debates entre os que acreditam e entre aqueles que negam o aquecimento global acima dos níveis considerados normais, em conseqüência da emissão de resíduos tóxicos na atmosfera. O fato é que o homem nos últimos dois séculos e meio vem degradando viciosamente o planeta e isso certamente nos tem trazido prejuízos visíveis. E mais cedo ou mais tarde, se estes atos irresponsáveis não cessarem, o planeta pode resolver acertar contas com os seus parasitas, tal qual nas últimas cenas de AVATAR a natureza se revolta e aniquila o seres humanos opressores e arrogantes que, iludidos com sua tecnologia, julgavam-se inabaláveis.
A imagem do filme que mais me marcou foi a da queda da grande árvore. Aquelas dezenas de helicópteros enlouquecidos metralhando a velha árvore até a sua queda é lastimável e forte. Simboliza muito mais do que as mortes de milhares de árvores diariamente na Amazônia. Aquela árvore, imóvel, sendo raivosamente perfurada como se faz na guerra a um inimigo atroz, quando tomba, é como se tombasse parte significativa da própria humanidade, como se existisse uma árvore caindo dentro de nós. Dentro de mim mesmo.
Hedre Lavnzk Couto
Idealizado, escrito e dirigido por James Cameron, mesmo diretor de filmes como O Segredo do Abismo; Aliens – O Resgate; O Exterminador do Futuro; O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final ; e Titanic; AVATAR prometia ser um filme desbravador dos limites dos efeitos especiais. Revolução das câmeras 3 D, das lentes e de toda a computação gráfica. Exigência categórica do diretor, com o intuito de conferir o máximo de realidade à sua imaginação, era de que o filme fosse todo produzido em 3D. Cameron previa que somente assim seria possível proporcionar ao espectador uma experiência de total imersão no filme. E esse era meu medo.
Pensei: ‘lá vem mais um desses filmes notadamente piegas onde os computadores fazem grandes barulhos por nada e os bons diálogos e interpretações tiram férias’. Recentemente tivemos uma ótima idéia perdida em meio a um roteiro manco e uma execução cinematográfica desastrada. Refiro-me ao filme ‘2012’, que afora algumas imagens fortes e perturbadoras de um apocalipse presumível, nada mais provocou na maioria do público do que embrulho no estomago e alguns risinhos diante de um divertido casal separado e um russo estabanado. ‘2012’ foi muito alvoroço gráfico e pouca sensibilidade artística para explorar um tema controvertido da atual pauta mundial. Assim relutei bastante em conferi AVATAR. Mas fui! Fui ver mais um filme de um ex jovem estudante de física que, aos 23 anos, em início dos anos 70, ao entrar no cinema e ver o Episódio IV de Star Wars, decidiu estudar sobre ficção científica e câmeras, mudando o rumo de sua vida e fazendo filmes campeões de bilheteria e crítica.
AVATAR é o filme mais caro da história do cinema. Custou US$ 400 milhões. E até o dia 03 de janeiro de 2010 já tinha faturado US$1,02 bilhão, se tornando a quarta maior bilheteria de todos os tempos. MAS VALE CADA CENTAVO. RECOMENDO. E digo isso porque neste novo trabalho de Cameron a computação gráfica, a mais apurada tecnologia 3D surge como uma linguagem, um meio imprescindivel de tornar possivel a projeção da metáfora pensada pelo cineasta. Em AVATAR o uso da mais avançada tecnologia não é um fim em si mesmo. Não é exibicionismo gratuito. E sim uma necessidade.
E qual seria então a grande metáfora do diretor? James Cameron nos projeta num contexto de 114 anos a frente dessa nossa época. Onde, segundo a fábula, os humanos já destruiram todas as pontencialidades e capacidades naturais e vitais da Terra, transformando-a num planeta morimbundo, e agora veem-se na necessidade de corromperem as riquezas energéticas de outros sistemas. De cara já é nada animadora essa perspectiva de que em 100 anos o homem já teria comprometido irremediavelvente as condições de sobrevivência terrena. Outro ponto assustador é o de que não obstante à experiência de já terem perdido o próprio habitat original, por conta de seu instinto predador e autodestrutivo, os humanos não teriam se conscientizado dos erros, aplicando aos novos planetas encontrados os mesmos métodos desastrosos de convivência belijerante e exploração imprudente.
Mas ainda se pode pensar o filme sobre outro ângulo. Ao criar Pandora, um mundo macroscopicamente belo, virgem e plural, dotado de seres puros e pacificos e que convivem em total harmonia entre si e com inteira conexão com os elementos da natureza, o cineasta coloca uma espécie de lente de aumento na exuberância e na fragilidade de nosso próprio planeta Terra, como a nos recordar e a nos alertar de que ainda há tempo de cuidar de nossa casa, e mantê-la bela, rica e viva! O povo de Na’Vi, os seres primitivos de Pandora, podem ser vistos como aquele lado do homem que ainda tem consciência da necessidade da preservação. Portanto, a Guerra entre os humanoides Na’Vi e os homens pode ser interpretada como o embate existente entre os dois lados do Ser humano, respectivamente, a consciência da necessidade da conservação do planeta e o nosso instinto auto destrutivo e inconsequente.
Relevante então é notar quão adequadas se tornam as discussões suscitadas pelo filme, se tomado por essa visão. Num momento onde muito se discute a saúde e conservação do planeta. Onde ocorrem incansáveis debates entre os que acreditam e entre aqueles que negam o aquecimento global acima dos níveis considerados normais, em conseqüência da emissão de resíduos tóxicos na atmosfera. O fato é que o homem nos últimos dois séculos e meio vem degradando viciosamente o planeta e isso certamente nos tem trazido prejuízos visíveis. E mais cedo ou mais tarde, se estes atos irresponsáveis não cessarem, o planeta pode resolver acertar contas com os seus parasitas, tal qual nas últimas cenas de AVATAR a natureza se revolta e aniquila o seres humanos opressores e arrogantes que, iludidos com sua tecnologia, julgavam-se inabaláveis.
A imagem do filme que mais me marcou foi a da queda da grande árvore. Aquelas dezenas de helicópteros enlouquecidos metralhando a velha árvore até a sua queda é lastimável e forte. Simboliza muito mais do que as mortes de milhares de árvores diariamente na Amazônia. Aquela árvore, imóvel, sendo raivosamente perfurada como se faz na guerra a um inimigo atroz, quando tomba, é como se tombasse parte significativa da própria humanidade, como se existisse uma árvore caindo dentro de nós. Dentro de mim mesmo.
Hedre Lavnzk Couto
O épico do sapo que na preguiça de ser príncipe, transformou-se em presidente
Lula – o filho do Brasil. Vi esse filme de Fábio Barreto, adaptado de livro homônimo, o qual não li. Entrei em crise. Depressão, talvez. Tristeza profunda, certamente. Queria antes ser uma imensa avestruz, encontrar rapidamente um buraco no chão e fugir dessa tarefa. Mas vou “teimar”! Peço a Deus uma migalha de eufemismo e seguirei em frente. ‘Nunca antes na história desse país’ um filme foi realizado com um propósito tão ultrajante.
Vi estarrecido. E, diante do que vi na tela, duvidei de minha própria sanidade mental. E quando isso acontece a um Ser humano, o dano que lhe causaram é grave. Brasil! Brasil! ‘Que país é este?’ Que asilo de loucos é este que estão te tornando? Viva a liberdade de expressão e comunicação! Viva a liberdade de os cineastas produzirem os filmes sobre os mais controvertidos temas que lhes aparecerem à cabeça! Viva a liberdade que protege a possibilidade de os mais diversos políticos terem suas trajetórias e vidas narradas nas mais variadas telas! Mas mil ‘vivas’ também para aquelas pessoas que, mesmo diante da apatia geral, ainda conseguem esboçar indignação, diante das falcatruas mais nefastamente ornamentadas de singeleza.
Não me oponho que Lula ou qualquer outro político seja homenageado através de suas vidas relidas no cinema ou na televisão, muito menos à possibilidade de Fábio Barreto ou qualquer outro diretor explorar a recriação de tais personagens nos meios de comunicação de massa. Agora, me respondam só uma coisa: esse épico sobre Lula, um presidente da República que possui 83 pontos positivos nas pesquisas de popularidade, tinha que estrear exatamente num ano de eleição presidencial, onde este mesmo presidente tenta transferir toda essa popularidade a uma candidata a presidência inteiramente desconhecida? Tal filme não poderia ter estreado dois anos antes? Ou porque não esperar o término do segundo mandato do presidente para homenageá-lo? Com certeza os produtores de Fábio Barreto me diriam que não é bem assim, que em cinema tudo é programado com anos de antecedência, que tudo depende da captação; dos interesses dos patrocinadores; da disponibilidade dos atores e demais profissionais; dos acertos agendados com os exibidores; que a concorrência com os filmes estrangeiros é dura. Palavras, palavras, palavras... Todas a serviço da imoralidade! Qual seria mesmo os interesses desse número record de grandes empresas patrocinando esse filme? Um doce regalo ao bom presidente? O próprio Lula tinha obrigação moral de ter pedido a Fábio Barreto que este filme não tivesse estréia em 2010. E isso não seria censura. Seria bom senso. Mas com certeza, também da existência desse filme o presidente não sabia. É ‘legal’ a estréia desse filme neste ano de 2010, mas é imoral! O nosso já ferido Direito Eleitoral mais uma vez “comeu mosca”.
Lula – o filho do Brasil, não “é a saga de uma família Silva igual à odisséia de tantas outras famílias Silva deste Brasil”, trata-se antes, da mais desavergonhada Propaganda Partidária Política Eleitoral da qual os eleitores deste país já foram vítimas. O Brasil de hoje vem acumulando semelhanças preocupantes com os países que experimentaram os regimes ditatoriais Fascistas. Veja o caso, por exemplo, do que aconteceu na ex URSS, onde os também, Grandes Pais, respectivamente, Lenine e Stálin submeteram ou tentaram submeter, todas as artes e artistas russos aos comandos propagandísticos do PARTIDÃO. Literatura, música, artes plásticas, arquitetura, teatro, cinema todas essas artes e seus autores foram coagidos a existirem somente enquanto meios de manipulação das massas. Lá, literatos cineastas e homens de teatro, mesmo os não simpatizantes, foram obrigados a se engajarem nas diretrizes do Partido, sob risco de pena capital. Mas felizmente, lá na Rússia, haviam artistas que não se vendiam, e nem se intimidaram com aqueles duros tempos: Vsevolod Meyerhold, grande homem de teatro, recusou-se a fazer de suas peças instrumentos de propaganda política do Estado e foi assassinado. Sergei Eisenstein, maior cineasta russo, solicitado a se tornar o realizador oficial dos épicos propagandísticos do Partido, recusou a tarefa e teve sua carreira destruída, sendo execrado.
Tudo começa assim. Uma tempestade para que aconteça, antes necessita de calmaria para que se formem as grandes e negras nuvens. O populismo é uma praga que volta a pairar lentamente suas sombras tentaculares sobre a América do Sul. O populismo, manto protetor das mais vis ditaduras, se alimenta da simplicidade, da crendice e da falta de senso crítico do povo, que ora não tem tempo para pensar sobre o verdadeiro sentido de um filme que vê nos cinemas, porque se encontra mais preocupado em correr, porque deve trabalhar, mecanicamente, porque deve consumir e consumir irracionalmente aqueles produtos que alimentam os lucros astronômicos daquelas mesmas empresas que patrocinaram (desinteressadamente?) o filme do Lula.
Já no primeiro final de semana em cartaz nos cinemas do Brasil, o filme do presidente já levou às salas mais de 220 mil espectadores. É a curiosidade do povo, já picado pelo ferrão do populismo implacável, para ver o filme não do filho, mas do Pai do Brasil. Nos tempos onde o Brasil flertava abertamente com o Fascismo, em dia de aniversário de Getúlio Vargas era feriado Nacional. Em cada canto onde lhe interessava, Getúlio nomeava seus interventores. Seu poder popular era de tal espécie que ele era capaz de pegar pela mão um desconhecido e fazê-lo um fenômeno das urnas. Isso não nos lembra algo? Só que o fim de Vargas foi trágico. Os anos que se seguiram para o país até década de oitenta em função dos resquícios de sua ditadura, também. Estou preocupado. Mas os homens de Bem desse país não podem esconder suas cabeças dentro de buracos, feito avestruzes. É preciso combater o perigo de cabeça erguida e serena. Eu daqui faço minha parte. Saí do cinema com duas certezas: a primeira é a de que este filme influenciará decisivamente na quantidade de eleitores que, fieis ao herói Lula, não hesitarão em transferir sua confiança a candidata escolhida pelo grande Pai – que sabe o que é o melhor para a Pátria. A outra certeza, é a de que se Dilma for eleita presidente deste país, o fascismo pousará aqui a galopes largos.
Quanto a apreciação técnica do filme, me recuso a fazê-la com esmero. Na verdade é impossível para mim fazê-la. Pois não considero esse filme um objeto de arte. Mas finalizo dizendo que, para nossa sorte, nem mesmo um épico de massas o Fábio Barreto soube fazer com perspicácia. Seu filme não consegue sair do tom de novela das oito. Parece uma daquelas cansativas obras de Glória Perez. É inteiramente insosso e sem a mínima emoção até a parte onde o personagem Lula assume a presidência do sindicato. Daí então tenta algo, mas já é tarde, sobem os créditos finais acompanhados de várias fotografias. Seus enquadramentos são péssimos. Seus atores estão apáticos. O protagonista que faz o Lula na Fase adulta escorrega mais no personagem do que quiabo na panela. Glória Pires faz o filme desabar toda vez que abre a boca. Alias por que Glórias Pires neste filme se a própria ‘estrela’ do Lula já assegura milhões de espectadores? A intérprete de Dona Marisa é a única atriz que se salva. ‘Mas nunca antes na história desse país’ Cléo Pires esteve tão linda.
Hedre Lavnzk Couto
Filme visto em 04 de janeiro de 2010.
Vi estarrecido. E, diante do que vi na tela, duvidei de minha própria sanidade mental. E quando isso acontece a um Ser humano, o dano que lhe causaram é grave. Brasil! Brasil! ‘Que país é este?’ Que asilo de loucos é este que estão te tornando? Viva a liberdade de expressão e comunicação! Viva a liberdade de os cineastas produzirem os filmes sobre os mais controvertidos temas que lhes aparecerem à cabeça! Viva a liberdade que protege a possibilidade de os mais diversos políticos terem suas trajetórias e vidas narradas nas mais variadas telas! Mas mil ‘vivas’ também para aquelas pessoas que, mesmo diante da apatia geral, ainda conseguem esboçar indignação, diante das falcatruas mais nefastamente ornamentadas de singeleza.
Não me oponho que Lula ou qualquer outro político seja homenageado através de suas vidas relidas no cinema ou na televisão, muito menos à possibilidade de Fábio Barreto ou qualquer outro diretor explorar a recriação de tais personagens nos meios de comunicação de massa. Agora, me respondam só uma coisa: esse épico sobre Lula, um presidente da República que possui 83 pontos positivos nas pesquisas de popularidade, tinha que estrear exatamente num ano de eleição presidencial, onde este mesmo presidente tenta transferir toda essa popularidade a uma candidata a presidência inteiramente desconhecida? Tal filme não poderia ter estreado dois anos antes? Ou porque não esperar o término do segundo mandato do presidente para homenageá-lo? Com certeza os produtores de Fábio Barreto me diriam que não é bem assim, que em cinema tudo é programado com anos de antecedência, que tudo depende da captação; dos interesses dos patrocinadores; da disponibilidade dos atores e demais profissionais; dos acertos agendados com os exibidores; que a concorrência com os filmes estrangeiros é dura. Palavras, palavras, palavras... Todas a serviço da imoralidade! Qual seria mesmo os interesses desse número record de grandes empresas patrocinando esse filme? Um doce regalo ao bom presidente? O próprio Lula tinha obrigação moral de ter pedido a Fábio Barreto que este filme não tivesse estréia em 2010. E isso não seria censura. Seria bom senso. Mas com certeza, também da existência desse filme o presidente não sabia. É ‘legal’ a estréia desse filme neste ano de 2010, mas é imoral! O nosso já ferido Direito Eleitoral mais uma vez “comeu mosca”.
Lula – o filho do Brasil, não “é a saga de uma família Silva igual à odisséia de tantas outras famílias Silva deste Brasil”, trata-se antes, da mais desavergonhada Propaganda Partidária Política Eleitoral da qual os eleitores deste país já foram vítimas. O Brasil de hoje vem acumulando semelhanças preocupantes com os países que experimentaram os regimes ditatoriais Fascistas. Veja o caso, por exemplo, do que aconteceu na ex URSS, onde os também, Grandes Pais, respectivamente, Lenine e Stálin submeteram ou tentaram submeter, todas as artes e artistas russos aos comandos propagandísticos do PARTIDÃO. Literatura, música, artes plásticas, arquitetura, teatro, cinema todas essas artes e seus autores foram coagidos a existirem somente enquanto meios de manipulação das massas. Lá, literatos cineastas e homens de teatro, mesmo os não simpatizantes, foram obrigados a se engajarem nas diretrizes do Partido, sob risco de pena capital. Mas felizmente, lá na Rússia, haviam artistas que não se vendiam, e nem se intimidaram com aqueles duros tempos: Vsevolod Meyerhold, grande homem de teatro, recusou-se a fazer de suas peças instrumentos de propaganda política do Estado e foi assassinado. Sergei Eisenstein, maior cineasta russo, solicitado a se tornar o realizador oficial dos épicos propagandísticos do Partido, recusou a tarefa e teve sua carreira destruída, sendo execrado.
Tudo começa assim. Uma tempestade para que aconteça, antes necessita de calmaria para que se formem as grandes e negras nuvens. O populismo é uma praga que volta a pairar lentamente suas sombras tentaculares sobre a América do Sul. O populismo, manto protetor das mais vis ditaduras, se alimenta da simplicidade, da crendice e da falta de senso crítico do povo, que ora não tem tempo para pensar sobre o verdadeiro sentido de um filme que vê nos cinemas, porque se encontra mais preocupado em correr, porque deve trabalhar, mecanicamente, porque deve consumir e consumir irracionalmente aqueles produtos que alimentam os lucros astronômicos daquelas mesmas empresas que patrocinaram (desinteressadamente?) o filme do Lula.
Já no primeiro final de semana em cartaz nos cinemas do Brasil, o filme do presidente já levou às salas mais de 220 mil espectadores. É a curiosidade do povo, já picado pelo ferrão do populismo implacável, para ver o filme não do filho, mas do Pai do Brasil. Nos tempos onde o Brasil flertava abertamente com o Fascismo, em dia de aniversário de Getúlio Vargas era feriado Nacional. Em cada canto onde lhe interessava, Getúlio nomeava seus interventores. Seu poder popular era de tal espécie que ele era capaz de pegar pela mão um desconhecido e fazê-lo um fenômeno das urnas. Isso não nos lembra algo? Só que o fim de Vargas foi trágico. Os anos que se seguiram para o país até década de oitenta em função dos resquícios de sua ditadura, também. Estou preocupado. Mas os homens de Bem desse país não podem esconder suas cabeças dentro de buracos, feito avestruzes. É preciso combater o perigo de cabeça erguida e serena. Eu daqui faço minha parte. Saí do cinema com duas certezas: a primeira é a de que este filme influenciará decisivamente na quantidade de eleitores que, fieis ao herói Lula, não hesitarão em transferir sua confiança a candidata escolhida pelo grande Pai – que sabe o que é o melhor para a Pátria. A outra certeza, é a de que se Dilma for eleita presidente deste país, o fascismo pousará aqui a galopes largos.
Quanto a apreciação técnica do filme, me recuso a fazê-la com esmero. Na verdade é impossível para mim fazê-la. Pois não considero esse filme um objeto de arte. Mas finalizo dizendo que, para nossa sorte, nem mesmo um épico de massas o Fábio Barreto soube fazer com perspicácia. Seu filme não consegue sair do tom de novela das oito. Parece uma daquelas cansativas obras de Glória Perez. É inteiramente insosso e sem a mínima emoção até a parte onde o personagem Lula assume a presidência do sindicato. Daí então tenta algo, mas já é tarde, sobem os créditos finais acompanhados de várias fotografias. Seus enquadramentos são péssimos. Seus atores estão apáticos. O protagonista que faz o Lula na Fase adulta escorrega mais no personagem do que quiabo na panela. Glória Pires faz o filme desabar toda vez que abre a boca. Alias por que Glórias Pires neste filme se a própria ‘estrela’ do Lula já assegura milhões de espectadores? A intérprete de Dona Marisa é a única atriz que se salva. ‘Mas nunca antes na história desse país’ Cléo Pires esteve tão linda.
Hedre Lavnzk Couto
Filme visto em 04 de janeiro de 2010.
Amor sem escalas
Pense nos momentos mais felizes de sua vida... Agora, me responda, você estava sozinho ou acompanhado?... Ou ainda, pense nos instantes tristes, nas situações de depressão, naquela intensa vontade de desaparecer ou no doloroso vazio corrosivo, que te despertou o desejo de se jogar de um arranha-céu... Agora, me confesse, você tinha companhia ou estava isolado? É... É isso mesmo. À cada janela, a sua paisagem. Somos pessoas tão diferentes umas das outras, insatisfeitos, imprevisíveis, exigentes, egoístas, generosos, pacientes, objetivos, frios, intensos, românticos, materialistas, imediatistas ou sonhadores. E é justamente a soma de todos esses aspectos em nós mesmos, juntamente com nossas experiências de vida, positivas ou negativas, quando em contato com tudo que os outros trazem e representam, que nos tornam mais, ou menos individualistas, pouco ou muito adeptos ao hábito de criar raízes...
E esse negócio de criar raízes é um dilema... Porque para alguns aquela imagem de se fixar em algo, em alguma coisa ou em alguém é aterrorizante!... E, não sem razão... Imaginem só: O pobre diabo visualiza-se lá, coitado; colado, ligado, obrigado, adesivado, estagnado, compromissado, eternamente, e aí bate-lhe aquela sensação de desespero diante da, para ele, quase inevitável falta de novidades, desafios e monotonia que lhe espera no futuro, acaso se renda à temível acomodação. Nesta visão, criar raízes é a escravidão, a prisão perpétua, a morte! Para outro tipo de gente, é exatamente o contrário. Há pessoas que sim, precisam estabelecer, RAÍZES! E quanto mais profundas, melhor! Para estas, criar raízes é um objetivo de vida, a concretização da felicidade. Já, desde adolescentes, sonham em chegar aos 23 anos casados, e, para sempre, viu! Planejam ter dois ou três, filhos, isto é, se o salário ajudar. Pensam em morar na mesma cidade toda a vida, se possível, no mesmo bairro, na mesma quadra, indo a mesma padaria. Desejam ter um emprego fixo, onde possam exercer sua profissão, aliás, sua especialidade, porque ser generalista ou se dedicar a atividades diferentes é coisa de desfocado (risos); imaginam os modelos de carro que querem possuir, os móveis e imóveis que almejam comprar, os poucos lugares que desejam conhecer, e pronto: Eis o roteiro de uma vida FELIZ, AMENA e ESTÁVEL.
Mas se existe uma ilusão incontestável, é aquela de que há uma receita certa ou única para se alcançar a Felicidade. Pois acredite, ser feliz ou saudável pode, às vezes, independer da opção do estilo de vida que fazemos. Ora, cada um pode ser feliz a sua maneira. Os de vocação individualista, materialista que planejam toda a vida pensando em investir em diversidade e liberdade, podem perfeitamente encontrar prazer, realização e satisfação no desenvolvimento de suas carreiras, na entrega de seu tempo a uma causa, na construção de uma obra ou simplesmente na dispersão das viagens, ou nos amores a la fast-food. Estes não necessitam ter domicilio fixo, casamento ou filhos para se sentirem bem. Já aqueles, que por sua vez, necessitam compartilhar suas vidas a dois, que, com uma outra pessoa desejam ter um lar, filhos, viver os detalhes dos pequenos momentos, deixar recados de lembranças domésticas ou beijinhos de amor na porta da geladeira, acampar aos fins de semana, tirar fotografias, construir uma vida e uma história colocando as escovas de dentes uma ao ladinho da outra, crescer e aprender bilateralmente com as dificuldades, estes também ai podem encontrar a tão querida Felicidade. E sem dúvida ficarão encantados com aquela mine crônica (O pássaro Pi-i) do grande Mário Quintana que diz: “O pássaro Pi-i só pode viajar aos pares e por isso é o símbolo dos namorados – pois um deles só tem a asa do lado direito e o outro só tem a asa do lado esquerdo: só bem juntinhos é que podem voar!” Às vezes, li Mário. Uma antiga namorada me dizia que ‘quando escolhemos uma pessoa não escolhemos só uma pessoa, escolhemos a casa, o bairro e a cidade onde vamos morar, os amigos e as pessoas com quem vamos conviver...’. Penso diferente. Talvez por isso não demos certo, (confissão póstuma) ela era imediatista e eu faminto pelas coisas do mundo. Para mim, mesmo inconscientemente, desenvolvemos, desde que nascemos um arsenal de desejos; desses, alguns tomam a forma de objetivos, que, para se tornarem conquistados, exigem aí que façamos determinadas opções, originando um certo estilo de levar a vida. Mas ainda assim, chega-se a conclusão de que não é o estilo de vida escolhido por nós que nos torna mais ou menos felizes. A distância fundamental entre o céu e o inferno está no modo como administramos o nosso estilo de vida. Assim mesmo, nem tudo são flores, encontros e desencontros estão constantes em toda a parte. Às vezes as flores murcham, às vezes descobrimos que são de plástico. Contudo, se não esquecermos de quem somos, haverá sempre escalas em jardins...
Vi um filme ontem que me fez pensar nestas baboseiras reais que escrevi.
Amor sem Escalas, "Up in the Air", (EUA, 2010, 109 min) comédia-dramática-romântica, de Jason Reitman, mesmo diretor de Juno; e Obrigado por Fumar é, sem dúvida O MELHOR FILME QUE VI NOS ÚLTIMOS TEMPOS! Baseado em livro de Walter Kirn, com roteiro de Sheldon Turner, Walter Kirn e do próprio Jason Reitman, o filme tem sua força maior concentrada na estória que conta, nas temáticas que aborda, nos belíssimos diálogos de seus personagens, além da marcante atuação do galã George Clooney na pele do protagonista Ryan Bingham. Depois de já visto por milhões de pessoas em todo o mundo, e arrecadar muito dinheiro nas bilheterias, este terceiro longa-metragem do jovem Reitman (ele tem apenas 32 anos) parece decolar agora rumo a uma bela aventura por críticas e reconhecimento positivos. Já faturou de cara quatro prêmios (incluindo o de melhor filme) do National Board of Review, primeiro grande prêmio da temporada do Oscar de Hollywood. Além disso, bateu o record de indicações ao Globo de Ouro 2010, seis ao todo. E já está sendo considerado um fortíssimo candidato ao Oscar de melhor filme em 2010.
Algumas pessoas criticaram esta direção de Jason Reitman por ele persistir, na maioria do tempo, na exploração de suas habituais tomadas curtas, ou ainda ressaltaram uma tal imperdoável não inovação de planos e sei lá mais o que... O que posso testemunhar é que a estória do filme foi muito bem contada. Realmente, os últimos 15 minutos parecem se arrastar um pouco, mas às vezes é o preço de se apresentar bem uma estória. Em ‘O Senhor dos anéis’, Parte III, o filme arrasta-se constrangedoramente na hora final, mas lá existiam efeitos especiais, aí vi poucas pessoas comentando sobre o cansaço que eu experimentei no cinema. Reitman tinha a tarefa de levar ás telas um ‘filme de diálogos’, fez o certo, não inventou chifre na cabeça de cisne; dirigiu bem seus atores, parece que fizeram uma ótima leitura de mesa (costume herdado do bom teatro, quando se quer dominar o que se diz) escolheu bem seus figurinos, definiu bem as locações internas e externas, foi cuidadoso na direção de arte, nos presenteou com uma trilha sonora incrível, fez um belo filme. Com doses boas de sensibilidade, que nos leva a refletir sobre nossas vidas. E com diversão (os espirituosos e picantes sms trocados entre Ryan e a bela Alex; um noivo que, indeciso, some na hora ‘h’ e tem de ser convencido a voltar; aquela festa quente no hotel Hilton; e as demais ironias da vida que são retratadas). O filme é muito divertido! Reitman foi um jovem sábio, quis deixar os efeitos especiais para AVATAR, e abocanhar então a cobiçada estatueta Oscariana de Melhor filme 2010, quem sabe...
Mas finalmente, vamos à fabula do filme:
Ryan Bingham é um executivo especializado em viajar o mundo, sempre demitindo funcionários de empresas que estão promovendo cortes em suas folhas de pagamento. Sabe dos efeitos drásticos que seu trabalho gera nas vidas das pessoas, mas procura não se envolver emocionalmente. Sua vida era uma constante de viagens; quando não estava dentro de um avião, estava demitindo alguém, ou num quarto de hotel, ou num aeroporto, ou ministrando palestras sobre os benefícios profissionais de não se desenvolver relacionamentos afetivos permanentes. Tudo parecia bem e ele estava contente com o estilo de vida que levava, até que... Seu chefe decidiu implantar um método mais econômico para se realizar as demissões: as viagens não seriam mais necessárias (!) e Ryan e seus colegas passariam a demitir as pessoas de todo o mundo à distância, através de um poderoso Sistema de Internet Banda Larga. Então, Ryan parece ver seu mundo cair, pois não acredita na eficácia do novo método, além perceber que sua vida poderá mudar de maneira bem estranha.
O Maior mérito de ‘Amor Sem Escalas’ é essa habilidade mostrada pelo cineasta em tratar de dois temas que, se aparentemente tão diferentes, se entrelaçam, como fica percebido pelo espectador atento. Se Reitman aborda as idiossincrasias de um homem (Ryan) e a tentativa que este faz na ilusão de mudar o seu destino; também discute de maneira maiúscula uma importante questão econômico-financeira: o filme demonstra como pode ser cruel o mercado de trabalho em momentos de crise, ou simplesmente quando por motivos diversos que lhes escapam ao controle, trabalhadores empregados são subitamente demitidos de seus cargos, perdendo seus empregos, investimentos profissionais e emocionais de toda uma vida, perdendo em muitas vezes, sua dignidade e admiração familiar, quando não a própria vida através do suicídio extremoso. E se o momento de ser dispensando como uma peça inútil, já se faz tão desnorteador, imaginem só ser demitido a longa distancia, através de uma vil vídeo conferência, sem contar pelo menos com o eufemismo do ‘calor’ humano de quem realiza a demissão. Situações como estas de praticidade mercadológica ocorrem todos os dias, mas, só quando nos são apresentadas pela lente de aumento do cinema, é que nos apercebemos o quanto são desumanas, hostis. Gosto muito deste filme. E ainda tem a reviravolta do final... Aquela viagem do Ryan a Chicago...
O que são parênteses? O que são fugas? O que é egoísmo? O que é lealdade? O que é vida real? O que é felicidade? Este é um belo filme por isso: porque nos induz a refletir sobre essas coisas que andam por aí... Longe de ter a invejável beleza de George Clooney, eu também tenho cá meus pedaços de Ryan Bingham... Eu também já fiz aquela viagem a Chicago...
Hedre Lavnzk Couto
Filme visto em 27/01/2010.
E esse negócio de criar raízes é um dilema... Porque para alguns aquela imagem de se fixar em algo, em alguma coisa ou em alguém é aterrorizante!... E, não sem razão... Imaginem só: O pobre diabo visualiza-se lá, coitado; colado, ligado, obrigado, adesivado, estagnado, compromissado, eternamente, e aí bate-lhe aquela sensação de desespero diante da, para ele, quase inevitável falta de novidades, desafios e monotonia que lhe espera no futuro, acaso se renda à temível acomodação. Nesta visão, criar raízes é a escravidão, a prisão perpétua, a morte! Para outro tipo de gente, é exatamente o contrário. Há pessoas que sim, precisam estabelecer, RAÍZES! E quanto mais profundas, melhor! Para estas, criar raízes é um objetivo de vida, a concretização da felicidade. Já, desde adolescentes, sonham em chegar aos 23 anos casados, e, para sempre, viu! Planejam ter dois ou três, filhos, isto é, se o salário ajudar. Pensam em morar na mesma cidade toda a vida, se possível, no mesmo bairro, na mesma quadra, indo a mesma padaria. Desejam ter um emprego fixo, onde possam exercer sua profissão, aliás, sua especialidade, porque ser generalista ou se dedicar a atividades diferentes é coisa de desfocado (risos); imaginam os modelos de carro que querem possuir, os móveis e imóveis que almejam comprar, os poucos lugares que desejam conhecer, e pronto: Eis o roteiro de uma vida FELIZ, AMENA e ESTÁVEL.
Mas se existe uma ilusão incontestável, é aquela de que há uma receita certa ou única para se alcançar a Felicidade. Pois acredite, ser feliz ou saudável pode, às vezes, independer da opção do estilo de vida que fazemos. Ora, cada um pode ser feliz a sua maneira. Os de vocação individualista, materialista que planejam toda a vida pensando em investir em diversidade e liberdade, podem perfeitamente encontrar prazer, realização e satisfação no desenvolvimento de suas carreiras, na entrega de seu tempo a uma causa, na construção de uma obra ou simplesmente na dispersão das viagens, ou nos amores a la fast-food. Estes não necessitam ter domicilio fixo, casamento ou filhos para se sentirem bem. Já aqueles, que por sua vez, necessitam compartilhar suas vidas a dois, que, com uma outra pessoa desejam ter um lar, filhos, viver os detalhes dos pequenos momentos, deixar recados de lembranças domésticas ou beijinhos de amor na porta da geladeira, acampar aos fins de semana, tirar fotografias, construir uma vida e uma história colocando as escovas de dentes uma ao ladinho da outra, crescer e aprender bilateralmente com as dificuldades, estes também ai podem encontrar a tão querida Felicidade. E sem dúvida ficarão encantados com aquela mine crônica (O pássaro Pi-i) do grande Mário Quintana que diz: “O pássaro Pi-i só pode viajar aos pares e por isso é o símbolo dos namorados – pois um deles só tem a asa do lado direito e o outro só tem a asa do lado esquerdo: só bem juntinhos é que podem voar!” Às vezes, li Mário. Uma antiga namorada me dizia que ‘quando escolhemos uma pessoa não escolhemos só uma pessoa, escolhemos a casa, o bairro e a cidade onde vamos morar, os amigos e as pessoas com quem vamos conviver...’. Penso diferente. Talvez por isso não demos certo, (confissão póstuma) ela era imediatista e eu faminto pelas coisas do mundo. Para mim, mesmo inconscientemente, desenvolvemos, desde que nascemos um arsenal de desejos; desses, alguns tomam a forma de objetivos, que, para se tornarem conquistados, exigem aí que façamos determinadas opções, originando um certo estilo de levar a vida. Mas ainda assim, chega-se a conclusão de que não é o estilo de vida escolhido por nós que nos torna mais ou menos felizes. A distância fundamental entre o céu e o inferno está no modo como administramos o nosso estilo de vida. Assim mesmo, nem tudo são flores, encontros e desencontros estão constantes em toda a parte. Às vezes as flores murcham, às vezes descobrimos que são de plástico. Contudo, se não esquecermos de quem somos, haverá sempre escalas em jardins...
Vi um filme ontem que me fez pensar nestas baboseiras reais que escrevi.
Amor sem Escalas, "Up in the Air", (EUA, 2010, 109 min) comédia-dramática-romântica, de Jason Reitman, mesmo diretor de Juno; e Obrigado por Fumar é, sem dúvida O MELHOR FILME QUE VI NOS ÚLTIMOS TEMPOS! Baseado em livro de Walter Kirn, com roteiro de Sheldon Turner, Walter Kirn e do próprio Jason Reitman, o filme tem sua força maior concentrada na estória que conta, nas temáticas que aborda, nos belíssimos diálogos de seus personagens, além da marcante atuação do galã George Clooney na pele do protagonista Ryan Bingham. Depois de já visto por milhões de pessoas em todo o mundo, e arrecadar muito dinheiro nas bilheterias, este terceiro longa-metragem do jovem Reitman (ele tem apenas 32 anos) parece decolar agora rumo a uma bela aventura por críticas e reconhecimento positivos. Já faturou de cara quatro prêmios (incluindo o de melhor filme) do National Board of Review, primeiro grande prêmio da temporada do Oscar de Hollywood. Além disso, bateu o record de indicações ao Globo de Ouro 2010, seis ao todo. E já está sendo considerado um fortíssimo candidato ao Oscar de melhor filme em 2010.
Algumas pessoas criticaram esta direção de Jason Reitman por ele persistir, na maioria do tempo, na exploração de suas habituais tomadas curtas, ou ainda ressaltaram uma tal imperdoável não inovação de planos e sei lá mais o que... O que posso testemunhar é que a estória do filme foi muito bem contada. Realmente, os últimos 15 minutos parecem se arrastar um pouco, mas às vezes é o preço de se apresentar bem uma estória. Em ‘O Senhor dos anéis’, Parte III, o filme arrasta-se constrangedoramente na hora final, mas lá existiam efeitos especiais, aí vi poucas pessoas comentando sobre o cansaço que eu experimentei no cinema. Reitman tinha a tarefa de levar ás telas um ‘filme de diálogos’, fez o certo, não inventou chifre na cabeça de cisne; dirigiu bem seus atores, parece que fizeram uma ótima leitura de mesa (costume herdado do bom teatro, quando se quer dominar o que se diz) escolheu bem seus figurinos, definiu bem as locações internas e externas, foi cuidadoso na direção de arte, nos presenteou com uma trilha sonora incrível, fez um belo filme. Com doses boas de sensibilidade, que nos leva a refletir sobre nossas vidas. E com diversão (os espirituosos e picantes sms trocados entre Ryan e a bela Alex; um noivo que, indeciso, some na hora ‘h’ e tem de ser convencido a voltar; aquela festa quente no hotel Hilton; e as demais ironias da vida que são retratadas). O filme é muito divertido! Reitman foi um jovem sábio, quis deixar os efeitos especiais para AVATAR, e abocanhar então a cobiçada estatueta Oscariana de Melhor filme 2010, quem sabe...
Mas finalmente, vamos à fabula do filme:
Ryan Bingham é um executivo especializado em viajar o mundo, sempre demitindo funcionários de empresas que estão promovendo cortes em suas folhas de pagamento. Sabe dos efeitos drásticos que seu trabalho gera nas vidas das pessoas, mas procura não se envolver emocionalmente. Sua vida era uma constante de viagens; quando não estava dentro de um avião, estava demitindo alguém, ou num quarto de hotel, ou num aeroporto, ou ministrando palestras sobre os benefícios profissionais de não se desenvolver relacionamentos afetivos permanentes. Tudo parecia bem e ele estava contente com o estilo de vida que levava, até que... Seu chefe decidiu implantar um método mais econômico para se realizar as demissões: as viagens não seriam mais necessárias (!) e Ryan e seus colegas passariam a demitir as pessoas de todo o mundo à distância, através de um poderoso Sistema de Internet Banda Larga. Então, Ryan parece ver seu mundo cair, pois não acredita na eficácia do novo método, além perceber que sua vida poderá mudar de maneira bem estranha.
O Maior mérito de ‘Amor Sem Escalas’ é essa habilidade mostrada pelo cineasta em tratar de dois temas que, se aparentemente tão diferentes, se entrelaçam, como fica percebido pelo espectador atento. Se Reitman aborda as idiossincrasias de um homem (Ryan) e a tentativa que este faz na ilusão de mudar o seu destino; também discute de maneira maiúscula uma importante questão econômico-financeira: o filme demonstra como pode ser cruel o mercado de trabalho em momentos de crise, ou simplesmente quando por motivos diversos que lhes escapam ao controle, trabalhadores empregados são subitamente demitidos de seus cargos, perdendo seus empregos, investimentos profissionais e emocionais de toda uma vida, perdendo em muitas vezes, sua dignidade e admiração familiar, quando não a própria vida através do suicídio extremoso. E se o momento de ser dispensando como uma peça inútil, já se faz tão desnorteador, imaginem só ser demitido a longa distancia, através de uma vil vídeo conferência, sem contar pelo menos com o eufemismo do ‘calor’ humano de quem realiza a demissão. Situações como estas de praticidade mercadológica ocorrem todos os dias, mas, só quando nos são apresentadas pela lente de aumento do cinema, é que nos apercebemos o quanto são desumanas, hostis. Gosto muito deste filme. E ainda tem a reviravolta do final... Aquela viagem do Ryan a Chicago...
O que são parênteses? O que são fugas? O que é egoísmo? O que é lealdade? O que é vida real? O que é felicidade? Este é um belo filme por isso: porque nos induz a refletir sobre essas coisas que andam por aí... Longe de ter a invejável beleza de George Clooney, eu também tenho cá meus pedaços de Ryan Bingham... Eu também já fiz aquela viagem a Chicago...
Hedre Lavnzk Couto
Filme visto em 27/01/2010.
Madame bovary
Ela lia compulsivamente os seus romances sentimentalóides. A literatura permitia-lhe viver outras vidas, mais felizes e arriscadas, freqüentar belas e movimentadas cidades, monumentais bailes de máscaras, vestir-se de todos os ornamentos da alta costura, ter prazer, quem sabe amor, e ser Dama! Assim, era Madame Emma Bovary. Jogou-se desesperadamente nas fantasias dos livros, como que pretendendo livrar-se do tédio doméstico, da fraqueza e obtusidade do marido, da inaptidão materna, dos hormônios há muito armazenados, das amarras impiedosas de uma sociedade de aparências, de uma vida claustrofóbica de mulher honesta... Enfim, aí estavam os ingredientes principais daquilo que originaria as cruas vicissitudes daquela que é considerada a adúltera mais famosa da literatura mundial.
Gustave Flaubert publica Madame Bovary em 1857. De pronto o livro suscitou inúmeras polêmicas de aspectos estilístico-estético-literário, uma vez que quebra com os parâmetros vigentes do Romantismo e inaugura o Realismo; mas não resta dúvida que a maior polêmica ocorreu por conta das peculiaridades de seu conteúdo: o livro foi considerado subversivo e Flaubert passou a responder incansavelmente a vários processos na justiça francesa. Acusado de ser destruidor da moral e dos bons costumes da França, em certa audiência, para ver-se livre das perseguições, Flaubert declarou: “Madame Bovary, c'est moi.”, “Madame Bovary, sou eu.”. Teve de abjurar para continuar vivendo e escrevendo. Mas os efeitos e o alcance do livro junto ao público e a posteridade já se faziam irredutíveis. Com seu estilo impessoal e objetivo, Flaubert fez do adultério de Emma Bovary algo sórdido e ao mesmo tempo belo. Algo que é encarado como produto ou oriundo das conseqüências de se viver em meio a uma sociedade burguesa algoz, permeada de hábitos escusos e dominada por uma falsa moral demolidora. E, claro, aí o escritor apresentava também uma ácida crítica à postura e práticas do Clero, da Igreja, nesse contexto mitificador da falsa moral no seio das relações sociais.
Um livro feito de sexo, melancolia, ironia e emoção. Uma protagonista que deixa de lado os padrões da idealizada mulher dos escritores Românticos e se torna insaciável. Inteligente, bela e, acima de tudo insaciável! E, queridas senhoras feministas de plantão, eis aqui talvez o vosso mais antigo protótipo da Emancipação. Tomando eu uma licença poética, Bovary faz uma espécie de premonição literária do Feminismo. Assim, penso, para provar sua tese de que a Sociedade Burguesa e suas organizações e relações sociais imprime uma amarra no verdadeiro Ser das pessoas, castrando-lhes seus desejos, impondo-lhes uma máscara mortuária, que é a hipocrisia, prima do falso moralismo, que impendem o sujeito de ser plenamente feliz, como poderia e deveria ser, é que Flaubert elege como seu material o exemplo da histórica repressão social da figura feminina.
Emma Bovary tem uma vida. Mas essa vida não lhe serve. Porque é uma vida monótona. Ela quer uma vida eletrizante. Emma Bovary tem um marido. Mas este marido não lhe serve. Porque é fraco, débil e não lhe desperta nenhuma admiração. E, por mais que digam não, o único laço que verdadeiramente prende uma mulher a um homem é a admiração. Emma Bovary tem uma casa. Mas ela não quer uma casa com a família e os afazeres pueris que tem. Ela quer o mundo. Ela quer amantes. Ela quer prazer! Tal qual Blanch Du Bois, de Um Bonde Chamado Desejo; e Anna Karenina, de Leon Tolstoi, Emma Bovary queria sonhos e não a realidade. É um personagem metafórico, ‘arquétipo’ da desmedida, por tentar, como cabe a (anti) heroína, tomar as rédeas do próprio destino, o que significa emancipar-se. E por isso hoje é a modelo maior da maioria das correntes feministas. E Emma decidiu assim que pôde, não sem relutar e ter remorsos, se bem que só no início, decidiu viver como nos romances que lia: Teve amante, usou roupas caras, viajou, assistiu a óperas e teatros, teve amante novamente, dormiu em hotéis luxuosos, endividou-se, teve medo e, de tanto viver a vida, esqueceu-se de vivê-la de fato, suicidou-se. Morreu porque era insaciável. Mas tudo leva a crer que para Flaubert, sua personagem foi o que foi, e teve o desfecho trágico que teve, por tratar-se de mais uma vítima da hipocrisia moral da sociedade. É uma bela tese.
Bom, mas eu falei tanto do livro por um propósito nobre...
“Tive a ambição de fazer um filme tal qual Flaubert pudesse conceber, nada mais, nada menos.”, disse certa vez Claude Chabrol, diretor de Madame Bovary, França, 1991, 142 minutos. Chabrol já era um diretor consagrado, um dos mestres do suspense, quando decidiu pela empreitada de levar às telas uma nova versão da Madame de Flaubert. Quem conhece a sua carreira provocativa, sua visão de mundo implacável e seu estilo, percebe que não foi por acaso que o grande cineasta se interessou pela obra do polêmico escritor francês. Se Gustave Flaubert tecia, através de seus livros, uma contundente crítica à sociedade preconceituosa e conservadora de seu tempo, Claude Chabrol fará na mesma medida e o no mesmo tom uma devassa na cortina de ferro dos hipócritas da nossa sociedade contemporânea. Uma vez notando as afinidades que tinha com o discurso e as inovações literárias de Flaubert, sobretudo a visão objetiva e realista da narrativa e da psicologia dos personagens, o diretor realizou um filme que tem ares de um milagre. Digo milagre, porque esta é a sensação visual e atmosférica, experimentada pelo espectador que antes de ir ao cinema lera o livro.
A presente direção de arte é um dos trabalhos mais impressionantes que já vi. Sabe aquela impressão que se tem quando criança, ao ler um livro do qual gostamos muito, aquela impressão de que a qualquer momento poderemos adentrar o livro e explorar aqueles incríveis ambientes e pessoas tão bem descritos pelo autor? Sim, é esse o milagre da direção de arte deste filme. Temos a impressão que num toque de mágica desembarcamos na França do séc. XIX, e nos tornamos vizinhos de Madame Bovary. Numa experiência de pleno êxtase, vamos redescobrindo aqueles lugares antes tão bem descritos por Flaubert, e seja no campo, ou nas cidades, nas ruas ou no interior da casas, em suas mobílias, nos aspectos e fisionomia das personagens, em seus modos de expressão, tudo isso é-nos apresentado e passa diante dos nossos olhos, tão naturalmente, que chegamos a sentir o cheiro das coisas, das pessoas! Chabrol reconstitui e intui o seu material literário de maneira tão honesta, que confere a nós, espectadores, uma intimidade de contemporâneos de Flaubert. Eis o segredo da plenitude do filme. E se acusam Chabrol de fazer uma Madame Bovary naturalista, acho mesmo que é! E daí? Qual o problema? O filme é magistral e, graças a Deus, Naturalista!
Os figurinos concebidos por Corrine Jorry são, além de exuberantes, um verdadeiro trabalho de arqueologia da moda. Um trabalho minucioso, caprichoso e preciso que veste com sinceridade desde os personagens mais humildes como a ama da filha de Bovary, e os pedintes de rua, passando pelo completo rigor das vestimentas masculinas do diferentes homens das cidades, até alcançar quase a perfeição das roupas caríssimas que Emma passa a ostentar. O ponto máximo da beleza dos figurinos se dá no famoso baile de máscaras, onde Emma passa de fato a desejar a vida de fantasias, que tempos depois tentaria viver...
Toda a música, num acerto de coerência, parece ser a externalização do espírito de Emma, com notas que perpassam a languidez, a fragilidade, a irresponsabilidade, a confusão, a sensualidade, a melancolia, o desespero, a loucura, e sempre, em todos os momentos algo parece indicar à premunição do fim trágico.
Todos os atores estão incrivelmente bem. Os franceses têm esse bom hábito da boa interpretação. Este é um filme sustentado na ótima interpretação de TODOS os seus atores e numa magnífica direção de arte. E Claude Chabrol sempre quis isso. Para tanto tem plena convicção de que para o filme ter êxito, precisa concentrar toda a força dramática na aura da protagonista, e, por isso, convoca uma atriz de sua confiança para VIVER o papel: Isabelle Huppert. E Huppert numa perfeita sintonia de trabalho com o seu mestre diretor se sai, ao contrário do que dizem alguns, ela se sai muito bem! Não é uma personagem fácil. Ao contrário, labiríntica! Ainda mais com os exemplos de interpretações de personagens femininas de filmes de época que temos por aí – tomados inocentemente por alguns, como bússolas de exatidão por décadas – por culpa das escolas inglesas e norte americanas. Huppert e Chabrol optam por uma interpretação onde Menos é Mais . A Madame Bovary de Isabelle é uma personagem sem firulas, sem exageros e sem pieguices melodramáticas, antes é uma personagem defendida com limpidez, apresentando transições dramáticas e subjetivas equivalentes, sem dúvida, com a sinceridade verossímil pretendida por Flaubert. Acusaram de fria a performance de Huppert. Bobagem, seu trabalho é correto, convincente.
Ressalta-se ainda, que não obstante desde o séc. XIX o significado da figura e da personalidade de Madame Bovary ter sido projetado sobre diferentes causas e bandeiras, tanto o diretor quanto a atriz preferiram criar uma personagem sem direcioná-la especificamente para a defesa ou promoção de determinada leitura política, sociológica ou classista. Foi um acerto. Pois Madame Bovary é o que é: simplesmente, Madame Bovary! Prefiro vê-la sempre, sob a perspectiva do próprio Flaubert, que me leva a crer que Emma Bovary somos todos nós! Que Bovary é a sociedade em seu todo complexo e contraditório. Se encará-la somente como uma adúltera, uma inconseqüente, egoísta, irresponsável, uma covarde que prefere a morte a enfrentar a vida e os seus problemas, aí não me interesso por Emma Bovary. Mas ainda sinto o seu cheiro...
Hedre Lavnzk Couto.
p/ Carolina
Gustave Flaubert publica Madame Bovary em 1857. De pronto o livro suscitou inúmeras polêmicas de aspectos estilístico-estético-literário, uma vez que quebra com os parâmetros vigentes do Romantismo e inaugura o Realismo; mas não resta dúvida que a maior polêmica ocorreu por conta das peculiaridades de seu conteúdo: o livro foi considerado subversivo e Flaubert passou a responder incansavelmente a vários processos na justiça francesa. Acusado de ser destruidor da moral e dos bons costumes da França, em certa audiência, para ver-se livre das perseguições, Flaubert declarou: “Madame Bovary, c'est moi.”, “Madame Bovary, sou eu.”. Teve de abjurar para continuar vivendo e escrevendo. Mas os efeitos e o alcance do livro junto ao público e a posteridade já se faziam irredutíveis. Com seu estilo impessoal e objetivo, Flaubert fez do adultério de Emma Bovary algo sórdido e ao mesmo tempo belo. Algo que é encarado como produto ou oriundo das conseqüências de se viver em meio a uma sociedade burguesa algoz, permeada de hábitos escusos e dominada por uma falsa moral demolidora. E, claro, aí o escritor apresentava também uma ácida crítica à postura e práticas do Clero, da Igreja, nesse contexto mitificador da falsa moral no seio das relações sociais.
Um livro feito de sexo, melancolia, ironia e emoção. Uma protagonista que deixa de lado os padrões da idealizada mulher dos escritores Românticos e se torna insaciável. Inteligente, bela e, acima de tudo insaciável! E, queridas senhoras feministas de plantão, eis aqui talvez o vosso mais antigo protótipo da Emancipação. Tomando eu uma licença poética, Bovary faz uma espécie de premonição literária do Feminismo. Assim, penso, para provar sua tese de que a Sociedade Burguesa e suas organizações e relações sociais imprime uma amarra no verdadeiro Ser das pessoas, castrando-lhes seus desejos, impondo-lhes uma máscara mortuária, que é a hipocrisia, prima do falso moralismo, que impendem o sujeito de ser plenamente feliz, como poderia e deveria ser, é que Flaubert elege como seu material o exemplo da histórica repressão social da figura feminina.
Emma Bovary tem uma vida. Mas essa vida não lhe serve. Porque é uma vida monótona. Ela quer uma vida eletrizante. Emma Bovary tem um marido. Mas este marido não lhe serve. Porque é fraco, débil e não lhe desperta nenhuma admiração. E, por mais que digam não, o único laço que verdadeiramente prende uma mulher a um homem é a admiração. Emma Bovary tem uma casa. Mas ela não quer uma casa com a família e os afazeres pueris que tem. Ela quer o mundo. Ela quer amantes. Ela quer prazer! Tal qual Blanch Du Bois, de Um Bonde Chamado Desejo; e Anna Karenina, de Leon Tolstoi, Emma Bovary queria sonhos e não a realidade. É um personagem metafórico, ‘arquétipo’ da desmedida, por tentar, como cabe a (anti) heroína, tomar as rédeas do próprio destino, o que significa emancipar-se. E por isso hoje é a modelo maior da maioria das correntes feministas. E Emma decidiu assim que pôde, não sem relutar e ter remorsos, se bem que só no início, decidiu viver como nos romances que lia: Teve amante, usou roupas caras, viajou, assistiu a óperas e teatros, teve amante novamente, dormiu em hotéis luxuosos, endividou-se, teve medo e, de tanto viver a vida, esqueceu-se de vivê-la de fato, suicidou-se. Morreu porque era insaciável. Mas tudo leva a crer que para Flaubert, sua personagem foi o que foi, e teve o desfecho trágico que teve, por tratar-se de mais uma vítima da hipocrisia moral da sociedade. É uma bela tese.
Bom, mas eu falei tanto do livro por um propósito nobre...
“Tive a ambição de fazer um filme tal qual Flaubert pudesse conceber, nada mais, nada menos.”, disse certa vez Claude Chabrol, diretor de Madame Bovary, França, 1991, 142 minutos. Chabrol já era um diretor consagrado, um dos mestres do suspense, quando decidiu pela empreitada de levar às telas uma nova versão da Madame de Flaubert. Quem conhece a sua carreira provocativa, sua visão de mundo implacável e seu estilo, percebe que não foi por acaso que o grande cineasta se interessou pela obra do polêmico escritor francês. Se Gustave Flaubert tecia, através de seus livros, uma contundente crítica à sociedade preconceituosa e conservadora de seu tempo, Claude Chabrol fará na mesma medida e o no mesmo tom uma devassa na cortina de ferro dos hipócritas da nossa sociedade contemporânea. Uma vez notando as afinidades que tinha com o discurso e as inovações literárias de Flaubert, sobretudo a visão objetiva e realista da narrativa e da psicologia dos personagens, o diretor realizou um filme que tem ares de um milagre. Digo milagre, porque esta é a sensação visual e atmosférica, experimentada pelo espectador que antes de ir ao cinema lera o livro.
A presente direção de arte é um dos trabalhos mais impressionantes que já vi. Sabe aquela impressão que se tem quando criança, ao ler um livro do qual gostamos muito, aquela impressão de que a qualquer momento poderemos adentrar o livro e explorar aqueles incríveis ambientes e pessoas tão bem descritos pelo autor? Sim, é esse o milagre da direção de arte deste filme. Temos a impressão que num toque de mágica desembarcamos na França do séc. XIX, e nos tornamos vizinhos de Madame Bovary. Numa experiência de pleno êxtase, vamos redescobrindo aqueles lugares antes tão bem descritos por Flaubert, e seja no campo, ou nas cidades, nas ruas ou no interior da casas, em suas mobílias, nos aspectos e fisionomia das personagens, em seus modos de expressão, tudo isso é-nos apresentado e passa diante dos nossos olhos, tão naturalmente, que chegamos a sentir o cheiro das coisas, das pessoas! Chabrol reconstitui e intui o seu material literário de maneira tão honesta, que confere a nós, espectadores, uma intimidade de contemporâneos de Flaubert. Eis o segredo da plenitude do filme. E se acusam Chabrol de fazer uma Madame Bovary naturalista, acho mesmo que é! E daí? Qual o problema? O filme é magistral e, graças a Deus, Naturalista!
Os figurinos concebidos por Corrine Jorry são, além de exuberantes, um verdadeiro trabalho de arqueologia da moda. Um trabalho minucioso, caprichoso e preciso que veste com sinceridade desde os personagens mais humildes como a ama da filha de Bovary, e os pedintes de rua, passando pelo completo rigor das vestimentas masculinas do diferentes homens das cidades, até alcançar quase a perfeição das roupas caríssimas que Emma passa a ostentar. O ponto máximo da beleza dos figurinos se dá no famoso baile de máscaras, onde Emma passa de fato a desejar a vida de fantasias, que tempos depois tentaria viver...
Toda a música, num acerto de coerência, parece ser a externalização do espírito de Emma, com notas que perpassam a languidez, a fragilidade, a irresponsabilidade, a confusão, a sensualidade, a melancolia, o desespero, a loucura, e sempre, em todos os momentos algo parece indicar à premunição do fim trágico.
Todos os atores estão incrivelmente bem. Os franceses têm esse bom hábito da boa interpretação. Este é um filme sustentado na ótima interpretação de TODOS os seus atores e numa magnífica direção de arte. E Claude Chabrol sempre quis isso. Para tanto tem plena convicção de que para o filme ter êxito, precisa concentrar toda a força dramática na aura da protagonista, e, por isso, convoca uma atriz de sua confiança para VIVER o papel: Isabelle Huppert. E Huppert numa perfeita sintonia de trabalho com o seu mestre diretor se sai, ao contrário do que dizem alguns, ela se sai muito bem! Não é uma personagem fácil. Ao contrário, labiríntica! Ainda mais com os exemplos de interpretações de personagens femininas de filmes de época que temos por aí – tomados inocentemente por alguns, como bússolas de exatidão por décadas – por culpa das escolas inglesas e norte americanas. Huppert e Chabrol optam por uma interpretação onde Menos é Mais . A Madame Bovary de Isabelle é uma personagem sem firulas, sem exageros e sem pieguices melodramáticas, antes é uma personagem defendida com limpidez, apresentando transições dramáticas e subjetivas equivalentes, sem dúvida, com a sinceridade verossímil pretendida por Flaubert. Acusaram de fria a performance de Huppert. Bobagem, seu trabalho é correto, convincente.
Ressalta-se ainda, que não obstante desde o séc. XIX o significado da figura e da personalidade de Madame Bovary ter sido projetado sobre diferentes causas e bandeiras, tanto o diretor quanto a atriz preferiram criar uma personagem sem direcioná-la especificamente para a defesa ou promoção de determinada leitura política, sociológica ou classista. Foi um acerto. Pois Madame Bovary é o que é: simplesmente, Madame Bovary! Prefiro vê-la sempre, sob a perspectiva do próprio Flaubert, que me leva a crer que Emma Bovary somos todos nós! Que Bovary é a sociedade em seu todo complexo e contraditório. Se encará-la somente como uma adúltera, uma inconseqüente, egoísta, irresponsável, uma covarde que prefere a morte a enfrentar a vida e os seus problemas, aí não me interesso por Emma Bovary. Mas ainda sinto o seu cheiro...
Hedre Lavnzk Couto.
p/ Carolina
'Tocaia no Asfalto', saudades do bom cinema
Há muito ouvia falar de Tocaia no Asfalto, filme do cineasta baiano Roberto Pires, que esteve em cartaz em 1962. Amigos não se cansavam de fazer-me entusiasmados relatos de como tal filme se transformou num fenômeno de bilheteria, e de como toda a sociedade soteropolitana da época lotava as salas de exibição, numa frenética corrida para assisti-lo. Conduto, para minha aflição, a curiosidade só aumenta e eu jamais tinha acesso ao filme. Eis que na última quarta-feira pude conferir a exibição de uma cópia restaurada em 35mm de Tocaia no Asfalto. Gostei muito! É um daqueles bons filmes, cujas imagens teimam em abandonar a cabeça.
Neste seu filme Roberto Pires nos presenteia com imagens marcantes de uma Salvador de fins dos anos 50 e inicio dos 60. Já percebemos de pronto ser este um dos grandes talentos de Pires - o olhar apurado na escolha das locações e dos ambientes. Meu jovem olhar de 26 anos percorreu maravilhado e atônito aquelas imagens arqueológicas, casarões, praças, ruelas e esquinas - algumas das quais já desaparecidas – sobretudo, como foi bom ver em movimento os tempos áureos da Rua Chile, ver bairros inteiros ainda com ares de sítios rurais; ver o Pelourinho ainda habitado por gente e gingas espontâneas, ver as nossas praias ainda com tons virginais, ainda livres do banho de concreto e do loteamento mercadológico que se seguiria, ver o trânsito ainda não caótico, ver bem explorada a plasticidade cinematográfica da bela Igreja de São Francisco e do monumental Cemitério do Campo Santo.
Mas Roberto Pires não para por aí. Ele faz de Tocaia no Asfalto um filme que, partindo de reflexões e retratos locais, se torna universal e atemporal. Característica essa comum às grandes obras de arte. Tocaia no Asfalto ousa tocar nas delicadas questões políticas e sociais da Bahia e do Brasil daquele tempo, a saber a corrupção crônica inerente à classe política, os interesses públicos e o Bem Comum negligenciados ao descaso em conseqüência de políticos desonestos que se apossam da coisa pública para usufruto próprio, protagonistas de escândalos e CPIs (comissões parlamentares de inquérito), políticos envolvidos em crimes e conspirações. Retrata-se de um lado o coronelismo, o desavergonhado cabresto e do outro suas conseqüências, o povo abandonado em suas necessidades básicas, os pobres largados a sua própria sorte, um sistema prisional falido, cadeias lotadas, perpetuação do poder dos mais ricos ou mais fortes sobre os mais pobres e mais fracos. Atualíssimo este Tocaia no Asfalto. Hoje as vésperas de 2010, havendo exibições pelo Brasil deste filme de 1962, os brasileiros reconhecerão na película antiga um aspecto triste de seu país. Em havendo uma exibição no Congresso Nacional, os nossos políticos da Câmera Federal e do Senado Federal se identificarão sem grande esforço com o personagem do coronel baiano Pinto Borges e seus comparsas.
Essa capacidade de tratar de coisas úteis e tocantes à uma reflexão da sociedade sobre si mesma e sobre a saúde de suas instituições, em minha opinião, é o que faz de Roberto Pires o maior cineasta baiano de todos os tempos. De resto, a sua exímia instrumentalização e faro técnico para a sétima arte é ‘somente’ a bagagem complementar de um grande observador inquieto e inconformado com as mazelas que o circunda. E aqui uma provocação: o cinema baiano atual (temos?) mesmo sendo contemporâneo de artifícios técnicos modernos e de uma escola de produção audiovisual industrial não consegue superar nem se igualar aos grandes feitos do Ciclo Baiano de Cinema, não somente, como dizem, por causa da falta de subsídios estatais. O cinema baiano se afastou do seu público na medida em que se afastou das questões de sua própria cidade, do seu próprio cotidiano. O que temos, para usar expressão já dita por alguém, são “as viúvas de Gláuber”. E que viúvas chatas, monótonas e umbilicais. Nossa produção se reduziu a subjetividade hilária de filmes inúteis como “Esses moços”; a chatice autobiográfica viajante de Edgar Navarro em filmes como “Eu me Lembro”, e dizem que vem mais ainda; e a pornochanchadas mal realizadas e gritadas, como ”Cidade Baixa”, que nem de longe lembra o brilho de produções irresponsáveis como ‘Oh Rebuceteio”. O cinema baiano deixou de ser uma arte democrática e passou a ser uma arte feita por cults para cults. Foi o suicídio mais besta de que já tive noticias.
Voltando à Tocaia no Asfalto o argumento de Rex Shindler é excelente. Conduz maestramente a complexidade dos assuntos a serem abordados, numa fábula cativante. Já o roteiro, do próprio Roberto Pires, também segue essa linha de competência, construindo cenas e diálogos interessantíssimos. Os diálogos, nem mesmo aqueles mantidos entre os personagens da classe rica, são chapadões ou excessivamente formais, com uma linguagem ‘prosaica’ as pessoas dos diferentes núcleos do filme de Roberto parecem pessoas. Claro que ainda verifica-se uma teatralização muito forte no falar, os atores não se identificam psicologicamente com os personagens (pelo menos não ainda a moda stanislavskiana), mas os atores deste filme interpretam com uma simplicidade tão dedicada, que isso se torna uma verdade que leva o espectador a não duvidar em momento algum da pureza do pistoleiro de Agildo Ribeiro nem da bondade da prostituta de Arassary de Oliveira. Aliás, quão feliniana é essa prostituta Ana Paula, com alguns ajustes e caberia dentro de Noites de Cabíria.
O espírito inquieto de Roberto fez dele um grande experimentador de “formas de fazer”. Na montagem de Tocaia no Asfalto nota-se claramente que antes de procurar um estilo fixo, ele estava empenhado numa investigação por possibilidades. Simultaneidade de cenas, seqüências estonteantes, ângulos de câmera ousados para época, planos detalhes inovadores, atestavam o gênio. Alem de tudo isso, tem a música de Remo Usai, que sob as necessidades de Roberto acompanha na medida certa cada sensação do filme, mesmo quando da sua ausência, estabelecendo assim silêncio perturbador como nas cenas do cemitério antes do assassinato e também na cena final da Estação nos momentos onde Ana Paula espera pelo pistoleiro amado e os outros dois homens a seguem. A fotografia de Hélio silva acompanha o acerto do resto do filme com destaque para a cena noturna em que o deputado leva a surra; também para a cena da praia entre o deputado e a filha do coronel; e também para a cena inicial do bar onde o pistoleiro de Agildo mata o homem que lhe acompanha sentado à mesa. Gláuber Rocha foi produtor executivo desse filme. Antonio Pitanga estava estreando na pele de um pistoleiro obscuro e divertido.
Existem projetos para se restaurar outros dois longas de Roberto Pires (‘Redenção’, 1959; primeiro longa baiano) e (‘A Grande Feira’, de 1961). Os fãs do bom cinema, dos verdadeiros homens de cinema e da cidade do Salvador agradecem e esperarão mais uma vez ansiosos por mais um encontro com a obra de Roberto Pires.
Hedre Lavnzk Couto
Filme visto em exibição especial, após restauração, na sala Walter da Silveira, Barris, 27, prédio da biblioteca pública, Salvador, em 16 de dezembro de 2009.
Neste seu filme Roberto Pires nos presenteia com imagens marcantes de uma Salvador de fins dos anos 50 e inicio dos 60. Já percebemos de pronto ser este um dos grandes talentos de Pires - o olhar apurado na escolha das locações e dos ambientes. Meu jovem olhar de 26 anos percorreu maravilhado e atônito aquelas imagens arqueológicas, casarões, praças, ruelas e esquinas - algumas das quais já desaparecidas – sobretudo, como foi bom ver em movimento os tempos áureos da Rua Chile, ver bairros inteiros ainda com ares de sítios rurais; ver o Pelourinho ainda habitado por gente e gingas espontâneas, ver as nossas praias ainda com tons virginais, ainda livres do banho de concreto e do loteamento mercadológico que se seguiria, ver o trânsito ainda não caótico, ver bem explorada a plasticidade cinematográfica da bela Igreja de São Francisco e do monumental Cemitério do Campo Santo.
Mas Roberto Pires não para por aí. Ele faz de Tocaia no Asfalto um filme que, partindo de reflexões e retratos locais, se torna universal e atemporal. Característica essa comum às grandes obras de arte. Tocaia no Asfalto ousa tocar nas delicadas questões políticas e sociais da Bahia e do Brasil daquele tempo, a saber a corrupção crônica inerente à classe política, os interesses públicos e o Bem Comum negligenciados ao descaso em conseqüência de políticos desonestos que se apossam da coisa pública para usufruto próprio, protagonistas de escândalos e CPIs (comissões parlamentares de inquérito), políticos envolvidos em crimes e conspirações. Retrata-se de um lado o coronelismo, o desavergonhado cabresto e do outro suas conseqüências, o povo abandonado em suas necessidades básicas, os pobres largados a sua própria sorte, um sistema prisional falido, cadeias lotadas, perpetuação do poder dos mais ricos ou mais fortes sobre os mais pobres e mais fracos. Atualíssimo este Tocaia no Asfalto. Hoje as vésperas de 2010, havendo exibições pelo Brasil deste filme de 1962, os brasileiros reconhecerão na película antiga um aspecto triste de seu país. Em havendo uma exibição no Congresso Nacional, os nossos políticos da Câmera Federal e do Senado Federal se identificarão sem grande esforço com o personagem do coronel baiano Pinto Borges e seus comparsas.
Essa capacidade de tratar de coisas úteis e tocantes à uma reflexão da sociedade sobre si mesma e sobre a saúde de suas instituições, em minha opinião, é o que faz de Roberto Pires o maior cineasta baiano de todos os tempos. De resto, a sua exímia instrumentalização e faro técnico para a sétima arte é ‘somente’ a bagagem complementar de um grande observador inquieto e inconformado com as mazelas que o circunda. E aqui uma provocação: o cinema baiano atual (temos?) mesmo sendo contemporâneo de artifícios técnicos modernos e de uma escola de produção audiovisual industrial não consegue superar nem se igualar aos grandes feitos do Ciclo Baiano de Cinema, não somente, como dizem, por causa da falta de subsídios estatais. O cinema baiano se afastou do seu público na medida em que se afastou das questões de sua própria cidade, do seu próprio cotidiano. O que temos, para usar expressão já dita por alguém, são “as viúvas de Gláuber”. E que viúvas chatas, monótonas e umbilicais. Nossa produção se reduziu a subjetividade hilária de filmes inúteis como “Esses moços”; a chatice autobiográfica viajante de Edgar Navarro em filmes como “Eu me Lembro”, e dizem que vem mais ainda; e a pornochanchadas mal realizadas e gritadas, como ”Cidade Baixa”, que nem de longe lembra o brilho de produções irresponsáveis como ‘Oh Rebuceteio”. O cinema baiano deixou de ser uma arte democrática e passou a ser uma arte feita por cults para cults. Foi o suicídio mais besta de que já tive noticias.
Voltando à Tocaia no Asfalto o argumento de Rex Shindler é excelente. Conduz maestramente a complexidade dos assuntos a serem abordados, numa fábula cativante. Já o roteiro, do próprio Roberto Pires, também segue essa linha de competência, construindo cenas e diálogos interessantíssimos. Os diálogos, nem mesmo aqueles mantidos entre os personagens da classe rica, são chapadões ou excessivamente formais, com uma linguagem ‘prosaica’ as pessoas dos diferentes núcleos do filme de Roberto parecem pessoas. Claro que ainda verifica-se uma teatralização muito forte no falar, os atores não se identificam psicologicamente com os personagens (pelo menos não ainda a moda stanislavskiana), mas os atores deste filme interpretam com uma simplicidade tão dedicada, que isso se torna uma verdade que leva o espectador a não duvidar em momento algum da pureza do pistoleiro de Agildo Ribeiro nem da bondade da prostituta de Arassary de Oliveira. Aliás, quão feliniana é essa prostituta Ana Paula, com alguns ajustes e caberia dentro de Noites de Cabíria.
O espírito inquieto de Roberto fez dele um grande experimentador de “formas de fazer”. Na montagem de Tocaia no Asfalto nota-se claramente que antes de procurar um estilo fixo, ele estava empenhado numa investigação por possibilidades. Simultaneidade de cenas, seqüências estonteantes, ângulos de câmera ousados para época, planos detalhes inovadores, atestavam o gênio. Alem de tudo isso, tem a música de Remo Usai, que sob as necessidades de Roberto acompanha na medida certa cada sensação do filme, mesmo quando da sua ausência, estabelecendo assim silêncio perturbador como nas cenas do cemitério antes do assassinato e também na cena final da Estação nos momentos onde Ana Paula espera pelo pistoleiro amado e os outros dois homens a seguem. A fotografia de Hélio silva acompanha o acerto do resto do filme com destaque para a cena noturna em que o deputado leva a surra; também para a cena da praia entre o deputado e a filha do coronel; e também para a cena inicial do bar onde o pistoleiro de Agildo mata o homem que lhe acompanha sentado à mesa. Gláuber Rocha foi produtor executivo desse filme. Antonio Pitanga estava estreando na pele de um pistoleiro obscuro e divertido.
Existem projetos para se restaurar outros dois longas de Roberto Pires (‘Redenção’, 1959; primeiro longa baiano) e (‘A Grande Feira’, de 1961). Os fãs do bom cinema, dos verdadeiros homens de cinema e da cidade do Salvador agradecem e esperarão mais uma vez ansiosos por mais um encontro com a obra de Roberto Pires.
Hedre Lavnzk Couto
Filme visto em exibição especial, após restauração, na sala Walter da Silveira, Barris, 27, prédio da biblioteca pública, Salvador, em 16 de dezembro de 2009.
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