terça-feira, julho 27

‘SEMPRE BELA’

Que mais surreal do que aquele estranho fenômeno que ocorre à algumas mulheres, como se o tempo só lhes fizesse carinho, afagos... Os anos implacáveis sucedem, deixando marcas irreparáveis em todos, mas, a elas, parecem apenas legar os sinais das mais suaves primaveras. Sempre Belas... As mulheres bonitas existem de dois tipos, e só. A saber, as fúteis, cuja beleza sempre lhes foi um terrível fardo, atrofiando terrivelmente seu cérebro, deixando seus sentimentos e desejos tão previsíveis quanto a própria palidez de suas vidas ridículas; já o segundo tipo é representado por aquelas mulheres lindas e perigosas, perigosas para si, e para os outros. Mulheres que vivem. E, que, alguma vez escutaram, mesmo acidentalmente, os ensinamentos daquela canconeta (meio piegas) do Roberto: “ se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi.”

Luís Bunuel é um dos meus cineastas preferidos. Foi o primeiro por cuja obra me interessei a ponto de ir pesquisar, ver e rever filmes. Talvez pelo fato de ter encontrado antes a obra de seu compatriota, Fernando Arrabal. Talvez por sempre ter me atraído demasiado pelo nonsense, pela estética e pela linguagem geral do Surrealismo. Bunuel me assombrou, ainda jovenzinho, quando vi ‘O cão Andaluz’. Me deixou maravilhado quando assisti ‘Viridiana’. Me fez ter vontade de ser cineasta – isso só durou alguns dias (risos) – quando vi ‘O Anjo Exterminador’. Aguçou, decisivamente, meu senso crítico quando tomei contato com ‘O discreto charme da Burguesia’. Bunuel me fez mandar o politicamente correto pras cucuias quando fiquei enlouquecido com uma das cenas de ‘A era de Ouro’. Bunuel me reaproximou de mim mesmo e da Filosofia quando vi sua adaptação de ‘Robson Crusoé’. Enfim, Bunuel foi um dos meus educadores, compondo muito na formação de meu caráter, posso mesmo dizer. De outro modo, foi este cineasta um dos caras que mais influenciou estética e filosoficamente nas obras que realizei na minha vida passada, quando fui artista. Bunuel não é somente o mestre do Surrealismo, é um pensador essencial de se conhecer.

Ele tem uma legião de admiradores por todo o mundo. E não é de se surpreender que um de seus observadores mais antigos, o português Manoel de Oliveira, tenha querido lhe conferir homenagem, fazendo um filme – ‘Sempre Bela’ - em tributo a ‘A Bela da Tarde’, filme de Bunuel.

Sempre Bela – Dois amantes quando jovens, se reencontram após décadas de distância. Ele era o melhor amigo do marido dela. Ela, sempre belíssima, amava o marido, mas necessitava traí-lo, viciosamente, como para purgar o seu amor de esposa dedicada, não alimentava sentimento de culpa algum em manter outros amores em secreto. Agora, já madura e viúva, mas, ainda bela, reecontram-se ela e o amigo amante. Mas algo parece ter mudado, pelo menos para um dos dois.

Eu acho o filme uma homenagem tímida, para quem pretende homenagear alguém da grandeza de Bunuel, mas, eu sou muito exigente, dizem. De todo modo é um filme que vale a pena ver, sim!

A Direção de Arte e a interpretação dos atores merecem um destaque especial, sendo que os dois protagonistas estão excelentes. As cenas, por sua vez, ocorrem entre externas noturnas e vespertinas, pelas ruas de Paris, ou em internas, num bar, numa sala de jantar. A cena do jantar ressalta bem a estética do filme, que é mais teatral – lembra muito o Teatro do Absurdo de Fernanando Arrabal, cuja obra também conheço razoavelmente a ponto de traçar o paralelo - do que aquilo que poderiamos, normalmente, esperar de uma homenagem a Bunuel, que seria uma exploração mais apurada das ferramentas Surrealistas, tão exaustivamente trabalhadas pelo cineasta espanhol. Mas se digo que o filme foi aquém do que eu imagina ver, ressalvo, por outro lado, a cena do jantar, dos ex amantes, que é uma obra prima! Muito bem realizada em todos os sentidos. Manoel Oliveira demonstra ser um fabuloso diretor de atores, e um artista visual rigoroso. Enfim, ‘Sempre Bela’ é um filme de linguagem Nonsense. Não é a melhor homenagem que se tem a Bunuel, porém, vejam a cena do jantar! Jantar em tempo real, aviso. “Imagina se eles tivessem comendo uma feijoada, como seria, hen?” comentavam animados dois casais de namorados, em meio aos planos de dar seqüência à balada, na saída do cinema. O filme tem apenas 70 minutos. - Sabiam que há um certo charme em ser um cardiopata?


para Taita.

Hedre Lavnzk Couto...

Nenhum comentário:

Postar um comentário