sexta-feira, dezembro 23

Crítica do espetáculo 'Cartas de amor para Stalin'

Começo hoje fazendo uma provocação aos meus leitores: vocês preferem uma arte supérflua ou “utilitária”? Uma arte teatral que se perca no curto caminho entre os umbigos de seus ‘fazedores’, ou, de contrário, espetáculos que projetem reflexões para além da ribalta, atingindo ao público, lhes produzindo efeitos colaterais acima dos pescoços?

‘Cartas de amor para Stalin’ é uma peça que pode servir bem ao propósito daquilo que a atual realidade suplica do teatro. Venho há algum tempo, nesta coluna, inclusive na última crítica – ‘O Terceiro Sinal’ – destacando que o teatro somente evitará o seu perecimento, irremediável dentre em poucas décadas, se, e, somente se, urgentemente, encorajar-se a converter-se num habitat de debates de ideias.

PAULO DOURADO, A BR 116 E JUAN MAYORGA

Confesso que esperava muitíssimo mais da direção de Paulo Dourado – gradíssimo diretor baiano, de quem eu gostaria testemunhar, pelo menos, uma nova encenação por ano. No entanto, frise-se, dos três espetáculos apresentados neste mês de dezembro, em SSA, pela Cia paulistana BR 116, Cartas de amor para Stalin é o único que merece atenção. Sobretudo, porque, enfim, através dele, elegera-se o teatro como espaço para discussões palpáveis.

A montagem parte do texto original do dramaturgo espanhol Juan Mayorga. Segundo dizem, um dos escritores mais encenados na atualidade. E conta um período da vida do escritor russo Mikhail Bulgákov (Ricardo Bittencourt), que, vivendo e produzindo num dos momentos mais agudos da Rússia stalinista, tem, por determinação estatal, sua Obra proibida de ser publicada e encenada.

CENSURA E OSTRACISMO

Isolado da classe artística, por manter dúbia posição diante dos exageros do Regime Socialista, Bulgákov cai em ostracismo, passando a exilar-se dentro de sua própria casa. Imerso em contradições internas, não se decidindo se deseja abandonar o hostil ambiente político que o censura, ou se, ao contrário, alia-se, irresolutamente, ao Estado déspota, define uma estratégia: empreende uma desesperada tentativa de comunicar-se diretamente com Stalin. Escreve-lhe compulsivamente diversas cartas – para tanto contando, num primeiro momento, com o auxílio de sua mulher (Bete Coelho) – às quais não logram respostas.

Tal prática torna-se uma obsessão exaustiva e inglória. Até que certo dia o telefone toca e, ao que parece, do lado da linha é o camarada Stalin, retornando-lhe a resposta de seus pedidos. Ocorre que no meio da conversa cai a ligação. Inicia-se ali, a perdição patológica de Bulgákov, que passa a viver colado ao telefone, esperando que o Grande Líder o chame de volta; como não acontece, Bulgákov passa a remeter cartas ao Kremlin com muito mais frequência, com tanta obstinação que as cartas, e a própria espera, tornam-se a única razão dos seus dias, empurrando-o a perder completamente a sanidade mental.

A ‘ALMA RUSSA’

Contudo, ressalte-se, o ‘Argumento’ é infinitamente mais rico do que o corpo dramatúrgico que Juan Mayorga conseguiu criar. Não conheço o texto original, e, portanto, não sei até que ponto P. Dourado adaptou-o à sua visão de encenador. Porém, falta, creio, tanto ao material dramatúrgico como à encenação, aquilo que os russos denominam de ‘alma russa’. Ou seja, certo tom, bem peculiar, inerente ao modo daquele velho Povo [viver e sentir] os limites dos dilemas porque passaram ao longo de sua História. No espetáculo, esta falta, essa deficiência de causa é verificada na letra dos diálogos do autor, e na seiva da interpretação dos atores. Faltou ao espetáculo investigar e compreender o espírito dessa gente que, certa vez, meu pai comparou, na sabedoria das analogias das pessoas simples, aos ursos.

O BREVE ROTEIRO DO COMPLEXO CALDO CULTURAL DA SOCIEDADE SOVIÉTICA

O artista atento, mesmo ainda na tenra idade, perceberá que, não à-toa o professor Stanislavski notou que se fazia necessário estudar, descobrir e praticar novos mecanismos de criação dramática, que possibilitassem aos atores uma maior aproximação com aquela que seria um tipo de interpretação condizente com a complexidade do legado ‘cultural-dramático’ russo. Povo que por séculos foi subjugado e drasticamente mutilado por outros povos, sendo os últimos deles os mongóis de Gengis Khan.

Mas eis que surgiu Ivan, o Terrível. Inventor e unificador de todas as Rússias. Iniciador da construção cultural que eles chamam de “A Grande Mãe Rússia”, o Tirano sanguinário deu início a um roteiro que, lá, pode-se verificar até os dias de hoje: essencial e plenamente, até o século 21 a Rússia jamais conheceu a Democracia. É uma questão cultural estrita. É claro que as coisas estão mudando por toda a parte. Mas aquele povo, de fato, teve e ainda tem, a despeito dos atuais protestos contra Putin, uma visão da democracia que não necessariamente se coaduna com o olhar ocidental. Tanto o é que Lenin, Stalin e seus camaradas interpretaram Marx de maneira bem particular, e deu no que deu...

BULGÁKOV, SERGUEI ENSEISTEIN, MEYERHOLD E MAIAKOVSKI

No período em que o personagem Bulgákok passa pelo claustrofóbico transtorno de não poder expressar-se através de sua arte, ou seja, praticar sua profissão, outros grandes artistas russos foram censurados, perseguidos e até defenestrados da vida pelo pelos desígnios da Revolução. Cite-se o cineasta S. Enseistein, que teve durante largo tempo sua obra anulada; o teatrólogo V. Meyerhold que foi ceifado; o poeta Maiakovski também foi estimulado a desapegar-se da vida. E note-se que alguns dessas pessoas que acabaram vítimas, haviam sido entusiastas fervorosos da Revolução do camarada Lenin. Aqui se prova os ingredientes da complexidade dessa tal de ‘alma russa’. Aos ouvidos de quem já vivia faminto por pão ou oxigênio, por consequência de 300 anos da dinastia dos czares Romanov, as boas novas prometidas pelo pessoal de “1917”, pareciam encantadoras.

PODER ESTATAL X LIBERDADE

Já disse várias e ainda revelarei outras reservas que tenho para com a presente encenação. Mas ela inexoravelmente arrebatou minha simpatia quando se dispôs ao debate. Que aqui me parece ser o de manifestar que é sempre salutar que o Estado jamais adentre aos limites das liberdades e garantias individuais fundamentais, tão caras à sociedade, por consequência. Por isso, a necessidade, amigos, de tornarmos o teatro uma arte viva. E inseri-lo também como arena para as ponderações urgentes e pulsantes da contemporaneidade.

Ser vivo. Ser útil. Isso sim, é ser vanguarda, e não fechar-se em si mesmo, protagonizando coisas ininteligíveis.Bem aventurado seja o teatro de debate de idéias. Porque dele despertará a grande reação contra as tiranetes de plantão, que se escondem sob pele de cordeiro, vermelha. Gostaria muito que pudessem haver, neste momento, montagens de “Cartas de amor para Stalin’, na Venezuela, no Equador, na Argentina; mas, tenho minhas graves dúvidas se seria plenamente possível tal. Estes países passam por um delicado momento, onde, novamente, os respectivos Estados foram apossados por caudilhos líderes de tendência ditatorial, que já não disfarçam suas investidas para limitar as liberdades de criação e expressão.

Artistas, jornalistas, intelectuais, os cidadãos sul-americanos, em geral, vêem doutra vez a eminência da sombra da mordaça do leviantã, em sua versão castellana. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores costura o instante mais apropriado, para no médio prazo, deflagrar o sonhado Plano de Regulamentação da mídia. – O diabo que os carregue!

FELIZ NATAL

Acho que me empolguei, ou não foi? Terei agora que resumir todo o restante, pois meu vôo está quase saindo, é natal! O que posso dizer? Faltou ‘alma russa’. E faltou porque, neste sentido, o diretor não conseguiu ir além da tibieza originária do texto. E, registre-se: R. Bittencourt é um belo canastrão! Jamais conseguirá interpretar o espírito de um autor russo. Não tem profundidade humana para tanto. Já a Bete Coelho, aos olhos do público complacente mostra-se versátil; entretanto, ela na verdade está perdida, através de uma condução confusa.

A dinâmica da mistura - do entendimento que tiveram do texto Ricardo e Bete - lança aquilo que exige ser um drama, nas águas de um valdeville tosco, que muito desmerece a feliz intenção da BR116 de encenar um espetáculo que se propunha a uma conversa inteligente com a sociedade.


Hedre Lavnzk Couto

quarta-feira, dezembro 21

Crítica do espetáculo ‘O Terceiro Sinal’

A Companhia BR 116 desembarcou em Salvador, na semana passada, trazendo à mala os três espetáculos do seu incipiente catálogo: ‘O Homem da Tarja Preta’ = espetáculo cuja crítica já foi publicada neste espaço -, ‘O Terceiro Sinal’, e ‘Cartas de Amor para Stálin’.

Idealizada e tocada pela conhecida atriz Bete Coelho e pelo entusiasmado ator Ricardo Bittencourt, a BR 116 nasceu embalada por ambiciosos planos de tornar-se uma constante fábrica de teatro. Em época de arte dramática tão atrofiada, devemos todos desejar-lhes muito boa sorte, ou melhor, ‘merde!’.

‘O Terceiro Sinal' trata-se de um espetáculo regular. O que já evidencia um avanço, diante do desastre que foi ‘O Homem da Tarja Preta’. E, frise-se, esse “regular” deve-se mais ao bom arranjo da forma do que a concepção conteudística.

O texto da peça é adaptado de escritos do ator-jornalista Otávio Frias. Sendo que desta vez Bittencourt chamou para si a direção, ficando Coelho com a missão de desempenhar o que eles nomearam de monólogo. Monólogo, todavia, com certeza, não é. Basta pontuar que, durante todos os sessenta minutos, a personagem de Bete contracena com contra-regras-personagens, além do que, a figura do próprio diretor, na maioria do tempo, aparece em meio à cena.

É, em verdade, uma confissão em primeira pessoa. Daí a ‘esperteza’ da direção que, almejando ter menos trabalho e reduzindo as possibilidades de incorrer em diversos erros, criou uma narrativa em contínua contracena, mantendo ainda assim, a reivindicação de monólogo. Se não honesto, senão ousado.

LABIRINTOS

Em cena, Bete Coelho representa um ator que tece aos espectadores depoimento dos processos de atuação porque passou ao longo de sua carreira artística. Com tons de ironia, humor e, até patologia, mas, nunca alcançando a profundidade, o personagem vai-nos revelando as vicissitudes do cotidiano do fazer teatral; detalhes das relações ator-arte; ator-criação do personagem; ator-colega de cena; ator-diretor; ator-público; enfim, ator e as vaidades e as inseguranças que integram o dia-dia dos camarins, das coxias e tablados, desde *Téspis. Sendo que há uma tentativa de constituir como pano de fundo, da narrativa, parte da história do próprio moderno teatro brasileiro.

ENCENAÇÃO

Do ponto de vista da composição plástica e dinâmica do espetáculo, a direção fez um trabalho equilibrado. Pontos positivos tais como a opção por um palco ‘nú’, a bem elaborada movimentação da personagem, a concepção de ‘monólogo-contracenado’, o uso de projeções de imagens bem selecionadas, aliados a uma precisa interação com as competentes iluminação e trilha sonora, conferiram consistência ao arranjo cênico final.

O OTÁVIO FRIAS DA BETE

Na saída do teatro, meu ouvido roubou, de passagem, parte de conversa de dois diretores teatrais que reprovavam o fato de ter-se usado na peça o pretexto da ‘biografia teatral’ do Otávio Frias, ao invés da história da própria carreira da B. Coelho. Bom, esse comentário não merece meu comentário. Contudo, a mesma dupla de diretores ressaltava também, só que dessa vez com mais indignação, que a Bete Coelho não conseguira recriar a figura masculina do Otávio Frias, propriamente dita. Vejam, preocupações como estas vindas de diretores de teatro, explicam bem o atual estado de pouca inteligência do atual teatro baiano.

Ora, pelo menos ao que tudo indicou, jamais foi a intenção do espetáculo obedecer às implacáveis leis da mimese – e, se o fosse, a própria atriz teria dado lugar a um ator para conceber o tal do personagem masculino. De minha parte, confesso que não identifiquei que a Coelho tivesse pretendido executar algum tratado cênico dos ensinamentos dos **Meininger, de ***Antoine ou mesmo de ****Stanislavski. Verdade seja dita, longe de estar brilhante, neste trabalho ela fez com competência aquilo que se prontificou a realizar.

O PECADO MORA NO UMBIGO

E se no terceiro parágrafo eu sentencio que o espetáculo consegue ser no máximo ‘regular’, agora explico: a peça perde-se, caindo quase na inutilidade, por ser demasiadamente umbilical. Seu discurso, seu conteúdo é morto para o grande público. E nunca é demais dizer, artistas: “o que interessa é sempre o grande público!”, e não uma platéia de cinqüenta pessoas, formada por atores, diretores e simpatizantes, excitadíssimos por identificação dando urras e possessos vivas de apoio ao teatro.

Em outras palavras, Bittencourt e Coelho conceberam um espetáculo hermético. Isso porque o universo, a rotina, os códigos e os signos que são exaustivamente tratados no transcorrer da narrativa, são largamente familiares para o “mitiê” teatral; mas já para o espectador tradicional a peça apresenta-se, inegavelmente, de difícil decodificação.

E aí, incorre-se naquele maroto equívoco de se fazer teatro para os amigos, ou para a “classe”. O que serve somente para apequenar ainda mais essa raquítica arte que ainda quer-se (sonha-se) democrática e expansiva. A pergunta que fica é: como um espetáculo como esse pretende viajar os 4 cantos do Brasil? Este tipo de arte - narcísica – é verdadeiramente útil para quem? E, ora, é por essas e outras que se demora tanto para realizar a conquista de um espectador assíduo e, de outro lado, perde-se centenas numa única apresentação.

NOTA DE FALECIMENTO


O teatro há muito está na UTI. E existem prognósticos veementes que atestam morte cerebral. Respira tão somente por meio de aparelhos financiados por migalhas de dinheiro público, ao passo que muitos, os mais pragmáticos, já cogitam a hipótese inadiável de eutanásia. O doente terminal está esquálido, tuberculoso, leproso, perdeu já tato, visão, paladar e audição, encontra-se abandonado a própria sorte de ser praticado por uma grande maioria de artistas desorientados e inábeis.

Quero aqui registrar que estou com Abujamra, pelo menos naquilo que ele alerta quando diz que a única maneira de o teatro sobreviver, ao menos sob a acepção digna de verdadeira arte, será converter-se num espaço para o debate de idéias. Mas não as umbilicais. E sim, a infindável quantidade de questões de urgência urgentíssima que nos bate à porta a todo instante.

“DUVIDA DE QUE O SOL GIRA”

Mas não temos mais dramaturgos. Onde estão os bons dramaturgos contemporâneos? Quando penso na boa dramaturgia me vêm à cabeça ‘Ricardo III’, de W. Shakespeare; ‘O Inimigo do Povo’, de Ibsen; ‘A morte de um Caixeiro viajante’, de Miller; ‘O Pagador de Promessas’, de Gomes; ‘Boca de Ouro’, N. Rodrigues; ‘Um homem é um homem’, de Brecht; ‘Quem tem medo de Virginia Woof’, de Albee; ‘Esperando Godot’, de Beckett; ‘Um Bonde chamado Desejo’, de Tennessee entre tanto outras obras que sacodem até hoje qualquer sociedade.

Deveríamos todos devorar ferozmente os clássicos. Imitá-los, parafraseá-los, e quem sabe assim, aprenderíamos, com humildade, a amenizar esta, que nestes dias miseráveis, se traduz em difícil tarefa: ir ao teatro. Até quando isso será pior do que estar num circo ou num music hall de insuportável mal gosto... no circo!, no music hall!, no circo!, no music hall!, no circo!, no...

ps: “Nem tudo o que é medrosamente copiado da natureza é fiel à natureza”. – Adolph Von Menzel

*figura que aparece na história do teatro como o primeiro ator de todos os tempos.
**,***, **** escolas de encenadores realistas

p/ M. J., com devota saudade.

Hedre Lavnzk Couto

segunda-feira, dezembro 19

Varinha curta para cutucar a feiura da fera...

Sob contexto político e institucional turbulento, certo desconhecido deputado federal ('baixo clero') é eleito presidente da Câmara. E num golpe do acaso, acaba assumindo a presidência da República, diante de uma tragédia aerea, que vitima ao mesmo tempo presidente e vice...


Ao tomar posse e verificar a real magnitude da corrupção que assola a máquina do governo, promove a demissão de vários ministros de Estado, fato que termina por desembocar uma sequência de denúncias contra o próprio novo presidente, que, por fim,vê-se ameaçãdo por um processo de impeachment.


Dizem que esse é o embrião da trama de 'Brado Retumbante', Série da Globo, com estréia prevista para 17 de janeiro. Serão oito capítulos, através dos quais os brasileiros verão a política como tema de teledramaturgia.


O autor é Euclides Machado; o diretor Ricardo Waddington. Ambos, no entanto, fazem questão de ressaltar que a Série não visa fazer referências à atual política brasileira. Será?


Hedre Lavnzk Couto.

Nas palavras de Malu Fontes...

"(...) No chão da arte, o restinho de sagrado que resta é o talento de poucos, coisa que importa cada vez a menos gente (...)"

sábado, dezembro 17

Nas palavras de Antonio Risério... "A Primavera Baiana"

"(...)A cara de Salvador não pode ser a da "grand vendeuse", a da balconista-mor Ivete Sangalo, em pose autoritária, dizendo a frase imbecil: "Quem tem força, tem preço".

Nas palavras de Ruy Espinheira Filho...

"(...)Aliás, está de volta a moda de se politizar tudo. Antes eram os comunistas, socialistas, democratas que combatiam a ditadura; hoje, malta hipócrita que, aproveitando-se de certas reivindicações sociais, e de olho em diversas benesses, rouba, mais uma vez, espaço e voz daqueles que não se deixam cooptar, preferindo manter sua liberdade de criação. Ou seja, não vendem sua arte, o que significa que se tornam cada mais marginalizados, enquanto a mediocridade venal explode em glória nos palcos da vida (...)"

E, perde-se um dos Bons...

O bom teatro perde um dos seus maiores homens: morreu Sérgio Britto.

quinta-feira, dezembro 15

De volta à investigação da traição feminina: Uma peça animalesca, feita de carne e hormônios a flor da pele...

A 'Falecida' é uma tragédia carioca onde destaca-se a predominância absoluta dos instintos sobre a racionalidade humana. trata-se de uma visão animalesca e naturalista do ser humano, as personagens aparecem defecando no banheiro, espremendo cravos, fazendo sexo, traindo de modo impulsivo e selvagem.


Bôra com essa Zulmira, Duda!

Glorinha é o "maior pudor do Rio de Janeiro"

Zulmira (numa vidência) - Quando eu morrer, Glorinha há de estar, na janela, assistindo, de camarote, o meu enterro, gozando. Ela sabe que estamos na última lona e, portanto, que meu enterro deve ser de quinta classe. Olha! eu quero sair daqui! Nada de capelinha! Se Glorinha soubesse! Se pudesse imaginar que eu, na surdina, estou tomando minhas providências!"

(...) "A Falecida confessou a Pimentel que odiava o marido porque ele lavara as mãos durante toda a lua-de-mel, como se tivesse nojo dela, e porque a chamava de fria. [Na cama com Pimentel, ela gostava de berrar: "estou traindo meu marido!"]

'"O teatro... os intelectuais...

eles vão chegando a pouco e pouco. Vêm tarde, mas vêm. É preciso, no entanto, que venham logo. O teatro não pode esperar mais. Caso urgente, urgentíssimo. Se preciso, anunciemos no Jornal do Brasil: "O teatro nacional precisa dos intelectuais brasileiros. Há vagas para todos. (P.S.: É favor não se apresentar quem não estiver em condições".)

Pichemos as paredes: "Venham todos aqueles capazes de quebrar rotina. Chega de ramerrão. Algo para o espírito reclamamos. Precisamos de esforço novo".'

Esse desabafo foi veiculado em uma das edições do 'Diário de Notícias' do ano de 1946, pelo crítico de teatro Daniel Caetano. Ao que parece as coisas não mudaram muito, certo?

quarta-feira, dezembro 14

Sobre Fiódor Dostoiévski:

Surgiu bem a propósito o doce comentário de 'Anônimo'. Porque no momento estou muito imbuído da obra do autor russo. Trabalho há alguns meses na tradução da novela 'Записки из подполья'(Zapíski iz' pódpolia). Que tal fazer sua estréia com este Dostoiévski, anônimo? Já existe, por sinal, uma ótima tradução da editora 34. Boa leitura!

Vem coisa boa por aí...

Aqui no Rio já estão sendo preparados nove espetáculos de Nelson rodrigues para 2012, ano em que a 'flor de obsessão' completa 100 anos de nascimento. Serão duas montagens de 'A falecida', uma de 'vestido de noiva', uma de 'A serpente', duas de 'A Mulher Sem Pecado', duas de 'Boca de ouro' e uma de 'Perdoa-me por me traíres'. Com certeza, outras produções serão noticiadas até fevereiro...

segunda-feira, dezembro 12

Estou no RJ, já já estou de volta... Enquanto isso, relembremos o bom e velho Nelson Rodrigues...

... "O Crítico é o vira-latas do teatro". Dessa, a minha boa M. J. vai gostar.

sexta-feira, dezembro 9

Crítica do espetáculo 'O homem da Tarja Preta'

Amigos, essa peça voltará a Salvador, no próximo fim de semana (16,17,18/12). Abaixo, reproduzo as impressões que anotei sobre o mesma quando da sua última aparição por SSA.

'O homem da tarja Pálida'...


Que Deus me ajude. (paro. vou à janela. respiro. tomo café. continuo.) Meus poucos amigos sabem que se escrevo sobre uma peça de teatro na mesma noite em que a vi, das duas uma: Ou gostei muito ou...
Quando alguém que não é escritor de teatro (dramaturgo) se mete a fazer o que não sabe, parindo uma bula de um Frankenstein, quando uma atriz atrapalhada e desatenta se mete a dirigir teatro e ajuda vaidosamente a materializar o monstro, quando um sujeito que tomou inadequadamente para si o título de ator se atreve a interpretar aquilo que seria um monólogo (talvez o formato cênico, depois da ópera, mais difícil de ser realizado), quando toda uma equipe de gente se junta com muita ilusão, pouca técnica e nenhuma inspiração, temos o “espetáculo” de teatro O Homem da Tarja Preta. Este é, sem dúvida alguma, o pior espetáculo que já vi. E olha que já vi muito teatro. E muita coisa ruim. Mas o que vi na noite desta sexta-feira 29, no teatro da Casa do Comércio, em Salvador, foi uma catástrofe! Que Deus nos abençoe!
O Homem da Tarja Preta é escrito pelo psicanalista Contardo Galligaris; a direção é da atriz Bete Coelho; O ator solando é Ricardo Bittencourt. Reza a lenda que Contardo e Bittencourt tiveram a idéia do espetáculo numa noitada e, em seguida a Coelho embarcou no projeto. O que se sabe mesmo, de certo, é que Contardo, um profissional com mais de trinta anos de experiência em psicanálise clinica, perdeu uma ótima chance de ter escrito um texto ao mínimo regular. Perdeu uma boa oportunidade de transformar em arte dramatúrgica os relatos dos inumeráveis pacientes que teve ao longo do tempo. Se o autor tinha por objetivo discutir as peculiaridades do universo masculino (ele mesmo diz que pretende dividir com a platéia as indagações metafísicas a respeito de “o que é um homem?” e “como é ser homem?”), e se, além disso, ele também almejava se lançar na já, tão batita, abordagem sobre as revoluções provocadas pela Internet nos diversos tipos de relações humanas, ele o fez de maneira atabalhoada e sem o menor indício de veia artística e comunicativa. Contardo produz um objeto textual opaco. No que diz respeito ao conteúdo, ele deu provas de que não possui habilidade para dar tratamento ao texto, não sabe selecionar o que precisa ser eximiamente selecionado. Deveria ter-lhe ocorrido que não se pode contar algo ao público através do mesmo método que os seus pacientes vomitam suas histórias no consultório. Um grande dramaturgo talvez lhe esclarecesse que, tal qual fazem os ruminantes diante da comida, um escritor de teatro deve encarar seu material como um suculento bolo gástrico, fermentá-lo, digeri-lo, esculpi-lo e depois lapidá-lo. Ao escritor cabe selecionar o que, quando, e como cada frase de seu texto atingirá o íntimo do espectador. E aqui já diz respeito também as questões formais. O texto de Contardo é deformado.
E não me venham com essa de que eu sou exigente demais, ou como dizem alguns, que eu não gosto de nada. Sem essa, cara pálida. Se alguém tem a cara de pau de botar um espetáculo em cartaz assinando o texto, ele que pesquise, que experimente, que encontre um jeito de fazer algo com algum valor devidamente artístico. A arte não é para todos. Vamos parar com esse papo politicamente correto de que todos são potencialmente artistas, não somos não! A prova está aí, fui ao teatro para ver um belo espetáculo, que tratasse de maneira original, séria ou divertida as famigeradas vidas virtuais nossas de cada dia, esperava mais ainda ver os nossos diversos dilemas do mundo masculino ser virtuosamente dissecados, ironizados, ampliados, desmascarados, cumpliciados, apiedados, compartilhados, humilhados. Mas nada! O que presenciei foi apenas um fedorento arroto pornofônico. O que de fato ouvi foi a palavra “PAU” ser gritada umas oitenta vezes, o delicado verbo TREPAR ser conjugado umas cento e vinte. Sofri, dormi, e superei mais de uma hora de muita babaquice.
Em teatro costuma-se dizer que um diretor ruim pode colocar um ótimo texto a perder. Fato indiscutível. Mas também se diz que um diretor preparado e empenhado pode amenizar as deficiências e inconsistências da peça escrita. A diretora (atriz!) Bete Coelho não consegue, pois, curar o texto de Contardo. Sua encenação é desastrosa. Não é fácil dirigir um monólogo – mas como dizem os baianos da gema, “se não agüenta, pra que veio?”. Trabalhar um monólogo é brigar o tempo todo contra a ameaça constante de provocar monotonia no público. Antes de tudo o diretor tem de se mostrar um bom diretor de ator, o que Bete demonstrou que não é. Bittencourt relata que eles fizeram ‘minuciosos, obsessivos e apaixonados ensaios’, perderam tempo então, porque não se nota esse processo no resultado final. Mas ainda sobre a corrida contra o fantasma da monotonia, em monólogos a direção tem de explorar bem a movimentação, ou a disposição do ator e do cenário (se este existir) sobre o palco. Isso a diretora não faz. É preciso ainda criar uma perfeita sintonia de tempo, rítmo, compasso entre as ações do ator com o trabalho de todos os elementos do espetáculo. Isso também a diretora não consegue fazer. Espetáculo de texto ruim, com direção frouxa. Valha-me, Deus!
A luz de Wagner freire é muito descarada. A sonoplastia, que poderia ter ajudado... Alguém lembra? O figurino de Rodrigo Fraga vai ganhar o Shell do descabimento, que licença poética hiperbólica é essa de colocar alguém que trabalha, de madrugada, na própria casa, usando terno, e fúnebre?! Rodrigo como sempre, é inteligente demais para meu pequeno cérebro. Agora a cenografia, ai, ai... A Flávia Pedras Soares, ex mulher de Jô Soares, quis criar um home-office de apartamento de classe média, mas o que ela fez, mesmo, foi a reconstrução daquilo que imagino se aproximar muito de um lúgubre compartimento da biblioteca de Alexandria, aquela que pegou fogo, lembra? Pois bem, não satisfeita com esse desastre visual e semântico, esta senhora ainda me inventou ter realizado a direção de arte deste monólogo. Gente... Direção de arte é uma função oriunda do cinema, presume-se qualidade, riqueza artística, precisão. Até agora eu estou procurando esta direção de arte de Flávia Soares. Oh Jô, me ajuda aí, Jô! Pedras, Pedras...
Eis que não se pode deixar de comentar o desempenho da interpretação de Ricardo Bittencourt, ator vindo de escolas e de diretores viscerais como o baiano Paulo Dourado e o paulistano Zé Celso Martinez. Ricardo que me perdoe, mas neste trabalho ele está dando um vexame de ferir de morte qualquer amante do bom teatro. Zé Celso é um gênio, mas o ator que trabalha muito com ele corre o risco de perder o norte das coisas, anoto. No palco, o personagem de Ricardo é um *bufão indigesto. E não me venham os senhores sabichões de Plantão dizer que esta foi a intenção, porque está indigesto demais para conseguir ganhar a atenção de qualquer público que tenha estômago. E igualmente não me venham falar que a tal da intenção foi incomodar e chocar mesmo a platéia, porque essa é a única função que sobrou ao teatro dito pós-moderno, do qual o Zé Celso (professor do Ricardo) é mestre e doutor em fazer e defender e arrotar. Do trabalho de Bittencourt neste monólogo, nada se salva.
E se eles dizem que ‘O Homem da Tarja Preta’ é um espetáculo sobre uma das maiores questões do mundo moderno – “Não é fácil ser homem!” – eu já digo que o fracasso e a falta de qualidade do trabalho deles, me fez refletir ainda mais sobre aquela que é, sim, uma das maiores questões do Teatro Moderno: diante de tanta coisa mal feita, sem inspiração e sem sentido artístico e intelectual, e ainda sofrendo a concorrência titânica dos meios de comunicação de massa, até quando o teatro existirá?

*Bufão: diz respeito a um tipo do mundo dos palhaços. Tem por características ser extremamente desagradável, violento e extravagante. Podendo arrotar, bufar, escarrar, urinar, cagar, se masturbar, copular, agredir os seus contracenas e mesmo, a depender do caráter da apresentação, o próprio público. (nota de Hedre)

Hedre Lavnzk Couto

Espetáculo visto em 29/01/10 em Salvador.

p/ Carol, com saudades.

de Fredie Didier

"É preciso que o rigor não seja interpretado como tirania, o refinamento como boçalidade, e a inteligência, como insulto".

Boa reflexão, não?!

terça-feira, dezembro 6

Muita Gentileza...

Queridas Duda Sobral (Niterói) e Svetlana Petrovna (Moscow), muito obrigado.

Hedre Lavnzk Couto.

sábado, dezembro 3

Crítica do espetáculo ‘Árvores Abatidas ou Para Luis Melo’

‘Árvores Abatidas ou Para Luis Melo’, peça paranaense, é o melhor espetáculo que vi em Salvador, neste ano de 2011. Surpreendente e consistente. Teatro, no sentido pleno da arte.

Trata-se de um monólogo, inspirado em obra do romancista e dramaturgo Thomas Bernhard, com texto e direção de Marcos Damaceno, desempenhado pela completa atriz Rosana Stavis.

O OUTRO, COMO ESPELHO

Convidada para um jantar da classe artística, ela (também uma artista), encontra-se sentada na “megera” anti-sala-de-estar da casa dos Auesberg, aguardando pela chegada do homenageado da noite, o famoso ator brasileiro, “que faz até telenovelas”, Luis Melo... À medida que o tempo passa e prolonga-se a espera, a personagem vai escancarando ao público ‘a dor e a delícia’ de seu convívio social com as idiossincrasias do meio artístico.

Com temperamento impudico e lúdico, a sarcástica observadora destila o seu veneno ácido, um metralhadora potente, cuja munição é crítica sagaz e muitíssima bem humorada, que atinge a todos em cheio: escritores, músicos, atores, diretores, críticos, e até espectadores. Porém, texto e direção são de tal ordem sensíveis, que aquilo que se vê em cena está longe de ser um discurso deslocado ou mesquinho, ao contrário: mesmo sendo um alfinetada contundente aos egos exacerbados, a personagem não esconde possuir os mesmíssimos ‘defeitos’ dos pares, e o resultado não deixa de ser um abraço honesto a “essa gente com a qual eu decidi conviver”.

COMPETÊNCIA

Por outro lado, a despeito do assunto ou temática, a meu ver, o que mais qualifica a peça é justamente a plenitude verificada na sua execução: verdadeira aula de como lidar habilidosa e equilibradamente com os elementos do espetáculo, construindo um objeto artístico onde as partes, afinadas, se alinham formando um todo cativante.

SE MONÓLOGO, LOGO DIFÍCIL

O monólogo pode, longe de dúvida, ser dito ao lado da ópera como os dois formatos cênicos mais complexos. Por isso, ao cabo de 80 minutos, aplaudi com entusiasmo este ‘Árvores Abatidas...’ Marcos Damaceno orquestrou de maneira inteligente todos os artistas que trabalharam na composição da peça. E o resultado disso? Bom teatro. E no bom teatro o público raramente nota a presença do diretor. Porque lá tudo parece simples, parece obedecer as inexoráveis leis da natureza.

O monólogo de Damaceno não cai em monotonia em hora alguma. E como ele conseguiu? Ora, ele é um artista talentoso e [EFICAZ!]. Escreveu um ótimo texto. Escolheu uma ótima atriz e a dirigiu minuciosa e brilhantemente. Entendeu que para um monólogo não desabar em vários poços de desinteresse, faz-se preciso eleger, cirurgicamente, os tipos, os momentos, as intensidades das transições – tanto as relacionadas com a composição ‘psico-física’ da personagem bem como as outras resultantes da interação daquela com o espaço e o público. Simples, acertar assim? Não. É difícil mesmo. E poucos diretores conseguem.

TEATRO DE CÂMARA?

Assim a escolha da direção por uma cenografia altamente funcional (uma poltrona móvel sobre um esplendoroso tapete persa) perfeitamente entrosada com uma iluminação eficiente (que, na minha opinião, mereceria, por vezes, ser mais recortada) e mais a providencial presença de um violinista, à esquerda baixa do palco, que, construindo ao vivo a trilha sonora, acaba por estabelecer com a personagem a dinâmica de um verdadeiro diálogo musical; aliado a escolha de um figurino ‘simplificado’, tudo isso, todas essas decisões acertadas e discretas, conferem ao espetáculo um sensação de estarmos recebendo aquela curiosa figura daquela mulher em nossa própria sala-de-estar. Uma agradável e divertida visita, proporcionada por um belo exemplar de teatro câmara.

ROSANA STAVIS

É uma felicidade estarmos na presença de uma grande atriz. Com este trabalho Rosana Stavis comemora duas décadas de carreira. Só posso dizer que é um aniversário em grande estilo. Brinda-nos ela com uma versatilidade impressionante. Trabalho corporal apuradíssimo. Além de manifestar admirável domínio vocal: basta dizer que chega a presentear a platéia com instantes de canto lírico.

END

A iluminação e a cenografia são de Waldo León. E composição musical, de Gilson Fukushima. E o figurino, de Maureen Miranda. Eu recomendo este espetáculo que estará em cartaz, em salvador, na Caixa Cultural até domingo próximo, sempre às 20 horas. É mesmo uma pena que quem faz teatro não assisti teatro – por na maioria das vezes está, também, no teatro, trabalhando. Mas, como temos pouquíssimos espetáculos ora em cena, sugiro, principalmente a atores e diretores que o vejam.

Ps: Carolina vai ficar “P.”, mas, esta crítica irei dedicar a Maria João, minha leitora mais que assídua, que acabou de inaugurar a promissora profissão de crítica de crítico de teatro.

P/ M. J., com meloso afeto.

Hedre Lavnzk Couto.

sexta-feira, dezembro 2

O teatro do Diretor...

“É tarefa do diretor encontrar o ponto de vista a partir do qual poderá descobrir as raízes da criação dramática. (mas,) Este ponto de vista não pode ser escolhido arbitrariamente”.

Piscator.

quinta-feira, dezembro 1

Dawson Ilha 10

Está em cartaz, a mais mova película do diretor chileno Miguel Littin.

Embora a narrativa seja inconsistente e o elenco no geral desempenhe um trabalho irregular, sem dúvida, vale o bilhete.

Inspirado no livro 'Isla 10', de Sérgio Bittar, o filme aborda parte de um delicado momento vivido pela nação chilena, com o advento da ditadura do general Pinochet. O interessante é que a direção não se rende a eterna tentação da arte maniqueísta - aquela incorruptível, para alguns cineastas, guerra entre mocinhos e vilões. Ao contrário, longe de ser piegas, o novo Littin é inteligentemente reflexivo.

Além disso, é uma boa oportunidade para admirar a excelente performance do ator baiano Bertrand Duarte - uma construção de personagem bastante pormenorizada, cativante e minimalista, no melhor estilo "menos é mais".

Melhor papel já defendido por Bertrand, 'sin embargo'.


Hedre Lavnzk Couto

"Senhor, dê-nos liberdade de pensamento". Schiller.

quarta-feira, novembro 30

Aos queridos patrulheiros (conhecidos ou desconhecidos) de plantão:

Não adianta essa baboseira de tentar me calar ou coisa que o valha. Continuarei escrevendo. E muito! Muito! Tanto, que, dentro em brevíssimo, esse blog será convertido num site.

E aviso: Esse verdadeiro ódio contra minhas críticas, manifestado em dezenas de e-mails “delicados”, apenas me deixa ainda mais obstinado em realizar meu trabalho.

Aqui, não se fala (mal) ou ( bem) de pessoas, como irresponsavelmente vomitou outro dia uma certa senhora .

Aqui, se fala bem ou mal de espetáculos teatrais. E justamente estes espetáculos são os únicos responsáveis pelo conteúdo, forma e tom de minhas críticas.

Se a peça é honesta, digna, boa, ótima ou admirável, eu aponto tecnicamente o porquê e a parabenizo. De outro modo, se é ruim, mal realizada, daquelas onde nada se salva, da mesma forma analiso tecnicamente e afirmo aos meus leitores a impressão que tive.

A realidade dos fastos sempre prevalece.

No geral os artistas de verdade, aqueles comprometidos com um objeto artístico de qualidade, aqueles que não desejam apenas surrupiar o erário e a paciência do espectador, têm entendido e até acompanhado com entusiasmo este projeto de reflexão – Teatro Com Acarajé.

Mas sempre existe a banda podre. E é podre não por pensar diferente de mim. Essa banda podre é podre porque não pensa. Seus cérebros atrofiaram, há muito que apenas usam o ventre baixo. E assim, não respiram, bufam! Não dialogam, cospem!

Só os incompetentes e preguiçosos esbravejam e desmerecem as análises veiculadas neste espaço. E são justamente estes que deviam me agradecer, porque sempre que aqui adentram e fuçam, aprendem comigo!

Portanto, agradeço de pronto aos leitores que não tem o sangue da desmedida- insana na boca, que veem, leem e digerem. E quanto aos monstros da caverna de Platão, aos Narcisos oriundos do calabouço da incompetência artística e técnica, dou-lhes a vênia de continuarem cagando e comendo. Senhores do auto-engodo. Filhotes de censores, aqui não!

Agora, existem espetáculos tão “formidáveis” – como este ‘outra tempestade’ – que realmente são [dureza]. Ruins demais. E olha que até a Eduarda Uzeda, não sendo amiga do Alonso, foi obrigada a reconhecer dessa vez.

Vamos andando...

Hedre Lavnzk Couto.

sábado, novembro 26

Crítica do espetáculo ‘Outra Tempestade’

Em 10 de dezembro de 1896, no Théâtre de L’Oeuvre, estreou certa farsa colegial, de certo jovem boêmio parisiense Alfred Jarry. A peça era Ubu Roi. E, já ao final daquela mesma noite, o espetáculo havia produzido tumulto tão contagioso, como de há muito Paris não experimentava, que se podia mesmo afirmar que a primeira fala do protagonista – “merde!” – estilhaçou o conforto da plateia.

Nascia ali, diante dos olhos do público atônito, o teatro de vanguarda do século 20. Ubu Roi era “cem por cento teatro, e, no limite da realidade, criou outra realidade com o auxílio dos símbolos”.

De um pulo para os nossos dias... Ocorreu na última quinta-feira, 24, em Salvador-Bahia, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, às 20 horas, a estreia do espetáculo ‘Outra Tempestade’, resultante da edição 2011 do TCA-Núcleo, com direção do cubano Luis Alonso. Nas palavras do diretor, seu atual trabalho visa “revisitar os personagens clássicos da dramaturgia shakespeariana, numa parábola que evidencia (?) o processo de formação da miscigenação do povo brasileiro”. Parece enunciado de bula de remédio, mas, vamos em frente!:

Lembro-me que na faculdade de direção teatral, existia um professor, de literatura dramática, que não se cansava de aconselhar-nos quanto à importância de se concluir o Curso conhecendo todas as peças de W. Shakespeare. O pobre, no entanto, esqueceu-se de avisar aos alunos que - conhecer - de há muito não é garantia de sucesso.

Do outro lado, está um grande número de ‘jovens’ diretores que abominam, e desprezam tudo que vem historicamente carimbado com o rótulo de ‘clássico’. Inclusive, é claro, a dramaturgia clássica. E aqui, novamente me recordo de outro saudoso professor, que nos ensinava que para criar o ‘novo’, o diretor necessita dominar o ‘velho’. Ou agora, eu, parafraseando Proust: ‘Só se bem destrói aquilo que bem se conhece’.

Pois bem, essa ‘Outra Tempestade’ de L. Alonso não cumpre sua promessa de revisitar personagens clássicos shakespearianos. E isso por vários motivos facilmente observados: a um, a presente encenação parece mais desconhecer do que desconstruir. Ou Alonso conhece Shakespeare (teoricamente) e, (cenicamente) não consegue revisitá-lo, ou, não conseguiu revisitá-lo porque o desconhece.

Simplificando: para poder extrair, com algum sentido, personagens de uma obra e coloca-los noutro contexto dramático-cênico, primeiro faz-se indispensável conhecer bem (ter estudado, ter lido direitinho, sabe?) essa obra [ou esta(s) peça(s)], simplesmente porque os personagens, sem a substância dramática interna (da peça), não existem.

E é justamente por não entender, por não respeitar ou por fazer pouco dos conflitos dramáticos de Hamlet; dos Macbeth; de Shylock e de Caliban e cia, que a ‘Outra Tempestade’ não passa de uma ‘chuvinha passageira’. É chuvisco no molhado do reiterado mal feito do atual teatro baiano. Luis Alonso desprezou a força, a beleza, a organicidade dos personagens de Shakespeare. Deu de ombros para o verdadeiro tratado sócio-étnico-político-cultural-humano que é a obra do bardo inglês. E nos vem a pergunta: se tem tanta aversão pela obra do dramaturgo, a ponto de ignorar completamente seu sentido, por que usá-la? Não seria mais honesto escrever os seus próprios textos?

E no meio desse samba-do-maneca-cego que é a torta visão de Shakespeare por parte da encenação, ainda se disse que houve o tal do objetivo de utilizar o autor como sustentáculo dramatúrgico na construção de uma parábola ‘evidenciadora’ do processo de miscigenação do povo brasileiro. Ok. Ok. Vejam, leitores, e sei que aqui muitos artistas me leem, o cúmulo do estelionato artístico: o rapaz coloca um Macbeth negro ( Jefferson Oliveira) e uma Lady M. branca (Simone B.) e mais uma sonoplastia com tambores, teclado e violino e mais Heloísa Jorge desfilando de uma extremidade à outra do palco entoando cânticos onomatopeicos, e quer-me dizer que se está apresentando um alto trabalho sobre o ‘sincrético’ processo de miscigenação de um povo? Palmas. Palmas. Palmas. E flores!

Com exceção de Diana, que salva-se (porque está na sua zona de conforto como intérprete), o elenco encontra-se no todo penosamente descolocado – inclusive o diretor teve oportunidade de realizar audições com praticamente a ‘nata’ dos atores da Bahia, e acabou escolhendo o que escolheu... nisso pelo menos Alonso foi coerente, se é que me entendem – no geral, muitos gritos, muitos gritos. A tentativa do ator Fernando em satirizar o famoso “ser ou não ser?”, é desoladora, sobretudo para quem estava investindo sua sexta-feira à noite. A cena do casal Macbeth... Deus nos valha, leitores, Macbeth certamente não dorme: durma com um barulho desses, meu caro Macbeth.

A direção usa muito mal a caixa cênica. E o palco à italiana da Sala do Coro é impiedoso em descortinar as fragilidades da encenação. No mais, a peça não consegue comunicar nada ao público. Transmitir? Como, se sua simbologia é obscura e oculta? Qualquer decodificação (embora, como perceberam, não acredito que ali existisse alguma semântica presente) se torna impossível. E quaisquer mensagens, pretendidas dentro da cabeça do diretor, restaram nulas.

Entretanto, existem dois pontos positivos: graças a Deus, Alonso não quis montar mais um daqueles ‘estelionatos’ míticos e místicos da – para alguns – inesgotável temática da seca nordestina. Além disso, há que se reconhecer que a encenação tenta promover uma busca por devolver aos palcos a ‘teatralidade do teatro’. Pena que o esboço de teatralidade que foi resgatado esteve a serviço de um trabalho perturbado e truncado.

Queria eu dizer desta peça aquilo que Henri Ghéon (L’Art du Théâtre, 1944) disse ao enaltecer Ubu Roi: “era cem por cento teatro. No limite da realidade, criou outra realidade com o auxílio dos símbolos”.

Ps: a pompa do folder deste espetáculo, num acintoso desperdício de uma verba já sabida parquíssima, já nos diz tudo.

Ps: continuo aqui batendo, sim, na mesma tecla: a grande maioria dos artistas de teatro de Salvador, atualmente, são melhores escritores do que realizadores.

P/ Carol.

Hedre Lavnzk Couto

quarta-feira, novembro 23

'Os Sete Gatinhos' - de Nelson Rodrigues. Direção: Hedre Lavnzk Couto - Salvador, 2008

Em 2012, serão comemorados os cem anos do nascimento do nosso mais marcante dramaturgo, Nelson Rodrigues. Por conta de convite bem imperativo, encenarei outra peça de Nelson - 'A Falecida'. Por enquanto, vamos aqui entrando no clima, curtindo fotos da minha última investida no universo deste meu quase-tio:

































Elenco: Daise Lôbo (Aurora); Eduardo Oliva (Hilda); Brisa Morena (Silene); Iara (Débora); Alice Lopes (A Gorda); Fernando Sales (Dr. Bordalo); Luis Pinheiro - saudoso amigo (Dr. Portela); Luiz Ramos ("seu" Saul); Fernando Neves (Noronha); João Paranhos (Bibelô).

fotos: Luis Alberto.




segunda-feira, novembro 21

Uma piada de mal gosto...

Esse "edital" de Crítica de Arte, da Fundação Cultural do Estado, é uma titica de galinha. Gostaria de conhecer, pelos nomes, esses exímios gestores-redatores, hilários. 'Vão se catar, suas hienas!

Hedre Lavnzk Couto.

sábado, novembro 19

“Uma lástima de incompetência”

Foi com a frase acima que o jornalista Samuel Celestino, em seu artigo ‘Agonia da cultura’ – A Tarde, 25/10/11 – definiu o ex-secretário da cultura estadual, Marcio Meirelles.

Ao longo de detalhada análise, Celestino afirma que a Secretaria da Cultura do Estado da Bahia atravessa, atualmente, “momentos delicados, senão penosos.” Para o experiente e respeitado jornalista, tal quadro é “uma consequência previsível da gestão anterior que desestruturou a máquina da cultura”.

Diz o articulista que no período que Marcio Meirelles esteve à frente da Cultura do Estado, houve agudo retrocesso em todos os setores, “a começar pelo aspecto político, quando se inventou o que já havia sido inventado: a interiorização da cultura”. Em sua opinião, tal medida, dita “democratizante de esquerda”, gerou profunda retração na produção cultural da cidade do Salvador.

Assim, numa atabalhoada tentativa de levar a cultura à cidades do interior - extinguindo, exitosos projetos já existentes(na gestão anterior a Meirelles), a tal finalidade reformadora empreendida pelo secretário ‘petista’, atrapalhada, apenas conseguiu alcançar o enfraquecimento mútuo das políticas culturais da Capital e das cidades baianas do interior.

O artigo é, longe de dúvida, duro e faz diversas referências a dados que atestam que, nos primeiros 4 (quatro) anos do governo Jaques Wagner, a política cultural entrou em total colapso. Celestino critica o governador, que teria sido omisso, uma vez que deveria ter demitido o então inábil secretário da cultura que, deixou o cargo, somente ao final do quatriênio, com a pecha de inimigo dos atores culturais da Terra.

O alerta prossegue ainda observando que tal realidade de flagelo da cultura regional era de conhecimento e descontentamento de todos, porém, não teria ela sido descortinada de maneira mais contundente, à época, em decorrência de o setor cultural da Bahia, como o sabemos, ser extremamente dependente de verbas governamentais e, por conseguinte, temer represálias de caráter orçamentário.

Samuel Celestino vai mais longe, e também veicula informações atribuídas ao novo secretário estadual da Cultura, Albino Rubim, que reconhece que a gestão que lhe antecedeu deixou dívidas resultantes de editais dos anos de 2008; 2009 e 2010. O atual secretário, portanto, teria admitido que a gestão atual teve de administrar tal desequilíbrio, vendo-se obrigada, a Secretaria, em consequência, a lançar em 2011 apenas um único edital, no valor possível de R$ 5 milhões.

Além da equivocada política de (re) interiorização da cultura, ainda segundo o mesmo cronista, a crise também teve por causa aquilo que ele denominou de “outras aplicações de recursos em entidades de Salvador, como, por exemplo, o Teatro Vila Velha, que vem a ser, por mera, absolutamente mera coincidência, de Marcio Meirelles”. Contudo, com suas observações, o jornalista adverte que não intenciona “levantar lebres imensas”.

“A QUEM INTERESSAR OS ATAQUES AO VILA VELHA”


Com o título supra, em A Tarde de 15/11/11, Gina Leite, coordenadora geral do Teatro Vila Velha, ao que parece, contesta as críticas de Samuel Celestino ou de vozes ocultas. Com tom arrogante e presunçoso, a também autointitulada produtora e escritora, traça um histórico recheado de números e ufanismo, onde define o [imprescindível] Vila Velha como “usina cultural e artística, com contribuição inquestionável para o Brasil”. Ora, ora...

Logo depois, a discípula admite que o Teatro Vila Velha “recebe recursos do Estado”, mas, através de “ação que foi ordenada em 2010 (...) pela Secretaria da Cultura, em edital, elaborado em parceria com a Procuradoria Geral do Estado, com critérios de avaliação e pontuação objetivos, para que a escolha das instituições apoiadas não fosse um ato apenas do secretário (...) o Vila concorreu, teve sua proposta aprovada (...)’.

Na esteira dos dados que a própria Gina Leite veicula, a Secretaria da Cultura destina R$ 450 mil/ano ao Teatro Vila Velha. Agora, vejamos: Quanto aos critérios e procedimentos adotados para a realização do edital citado, ok. Contudo, todavia, entrementes, aderentes e dementes: todos (nesta terra amada de Jorge) sabemos da histórica e visceral, se não, espiritual, ligação do ex-secretário da Cultura, Marcio Meirelles, com o T. Vila Velha. Então, por mais que as folhas por lá sejam sagradas, e por mais plenamente legal e acompanhado (pela PGE) que tenha sido o famigerado edital, há aí, sem dúvida, amigos, um ténue, mas não menos vexatório, conflito de interesses. Se não legal, moral.

Vamos àquele irresistível lugar comum? Vamos: repita comigo, o tio aqui vai lhe ensinar, Marcio: ‘Nem tudo que é legal é moral’. E aqui pra nós – é, no mínimo imoral, alguém que eternamente dirigiu, ou coisa que o valha, uma Instituição, in case o TVV, e, uma vez à frente da Secretaria Cultural, contemplar, mesmo que seja via o mais probo dos editais, um teatro que é sim, “seu”.

Mas o artistas raivosos de plantão ficarão inconsoláveis comigo e bradarão: - ‘Mas o Vila não poderia ficar de fora, prejudicado, tinha direito de participar do edital, ora bolas, afinal trata-se de processo público e, conquanto nada lhe seja vedado e coisa e tal, nada tinha que ver o Teatro que o Meirelles estivesse secretário. Ok. Ok. Simples, como uísque: Então, Sua ex- excelência jamais deveria ter aceitado o cargo público que lhe foi oferecido. Mas sei, sei... Ele aceitou movido pelas já sabidas boas intenções, amém!


Hedre Lavnzk Couto.

sexta-feira, novembro 18

Crítica do espetáculo ‘Alugo minha Língua’

Tenho me sentido cada vez mais burro quando vou ao teatro em Salvador. Parece ter-se tornado moda geral, entre os artistas de teatro de nossa querida terra, falar e escrever melhor sobre seus espetáculos, do que aquilo que se verifica como resultado da encenação, propriamente dita.

“A peça visa explicar, à luz do conceito de modernidade líquida do sociólogo polonês Zygmunt Baumam, como a urgência e a espetacularização da sexualidade nas sociedades contemporâneas resultam no esvaziamento das relações humanas e no tédio.”, é o que me diz alguém no folder do espetáculo ‘Alugo minha língua’.

Os criadores avisam que a peça pretende discutir, através da linguagem da performance, e com viés musical acentuado, as relações entre a perversão humana, a sexualidade e a sociedade de consumo. Trata-se, em verdade, de espetáculo notavelmente sofrível de se ver e ouvir.

Como não denominar de babacas, artistas que, seguem acreditando que subir num palco arreganhando a vagina e apertando as tetas é, nos nossos dias, uma atitude capaz de chocar, arrebatar ou proporcionar algum tipo de reflexão sociológica entre pessoas da era ‘Big Brother’. Ah, acorde Alice!

Sinto dizer, entretanto, o espetáculo em questão não consegue ser depravado, nem profano, nem é cabaré, nem é musical, muito menos irônico, muito menos ainda contestador de moralismo algum, senão, aquele dos próprios criadores.

A DRAMATURGIA

O texto de Gil Vicente Tavares abusa, ao longo de mais de uma hora de peça, de intermináveis falas e monólogos exaustivamente entrecruzados, uma salada desordenada de frases ocas, na tentativa de um non-sense proposital, que se precipita desesperadamente na tentativa inglória de atingir e constranger o espectador. Um conteúdo e um formato que deixam a plateia, já aos trinta minutos de espetáculo, numa agonia retada com uma incrível vontade de ‘se picar’ logo para casa. A ideia de buscar auxílio em Baumam, para influenciar a discussão foi boa, mas, a compreensão dos artistas em relação a teoria do polonês esteve alhures. No mais, as canções são péssimas.

A ENCENAÇÃO

Fernando Guerreiro bem poderia ter salvado alguma coisa, estranhamente nada fez – de acertado. Não conseguiu empregar ao espetáculo nem moldura nem dinâmica. Um musical? Um cabaré? Um açougue? Onde está aquela tal forma perigosa, questionadora que o diretor apregoou ter alcançado neste trabalho? Por outro lado, o espetáculo é realmente fracionado, isso sim, bastante.

ATORES

Difícil tentar construir até mesmo a sombra de um musical com atores que não cantam nem têm trabalho corporal , não dançam, não falam direito. Frígidos. Certamente eles devem ter querido fazer um neo musical, e realmente nada do que falo tem sentido, afinal estou me tornando burro, é sintomático. O elenco é formado por Ciro Sales; Luisa Proserpio; Marinho Gonçalves; Vanessa Mello e Will Brandão.

A propósito: o que é uma performance? “Boa perturbação”!

Hedre Lavnzk Couto
p/ Carolina

quinta-feira, novembro 17

“Mais respeito aos Festivais”

A frase acima é o título de um artigo publicado na edição de A Tarde, em 24/10/11, pelo “cidadão baiano e artista” Marcio Meirelles – secretário da cultura no primeiro mandato do governo Wagner.

Não se faz preciso o leitor ser brilhante para perceber que o referido texto de Meirelles surgiu em resposta a outro artigo, também publicado em A Tarde – “Mais respeito aos artistas baianos” -, de autoria do também diretor teatral [e burocrata ad hoc] Luiz Marfuz. Naquela ocasião, esse último esbravejava contra os organizadores de um Festival de Artes Cênicas ocorrido em Salvador, que tinham cometido o ‘crime de lesa arte’ de não incluir na programação um tal subproduto artístico de alcunha ‘As Velhas’.

O fato é que Sua Excelência, o ex-secretário Marcio Meirelles, ao que parece, não se conteve diante da manifestação do colega e, empolgou-se por debater na nossa Ágora teatral local.

Meirelles escreve para discordar de Marfuz. Para ele é incompreensível o descontentamento de alguns artistas soteropolitanos em relação aos Festivais baianos de teatro, especialmente quanto ao FIAC – o Festival da presente polêmica. O diretor Marcio, ou o ex-secretário Meirelles, não se sabe ao certo quem dos dois, considera uma pena que tais manifestações divergentes ocorram. E chega sutilmente a instilar que tais investidas vêm como fruto de gente que esperneia por terem seus espetáculos preteridos. E Marcio se julga muito tranqüilo para tratar desse caso, uma vez que seu espetáculo, ‘Bença’, se apresentou no Festival.

E o professor Meirelles segue nos ensinando: “um Festival de teatro não é uma seleção pública: tem uma curadoria, escolhendo espetáculos de acordo com critérios estéticos, para um determinado público” [?]. E prossegue o exímio observador: “As platéias (nos festivais realizados em Salvador) ficam lotadas, sempre, coisa que não tem acontecido com os espetáculos baianos” (fora de festivais) – e aqui já discordo enfaticamente do ex-secretário: é uma inverdade afirmar que os espetáculos que são levados à cena em festivais de Salvador estão sempre de platéia cheia.

Mais à frente, em seu artigo, o teatrólogo do Teatro Vila Velha analisa que se no geral os teatros andam vazios, tal realidade não é culpa do público. Sua (ex) Excelência sentencia que o que acontece atualmente (na Bahia), de fato, é “uma crise de linguagem do teatro”.

Ora, Marcio Meirelles, que crise de linguagem que nada. O que há, é falta de vocação e de talento. ‘Crise de linguagem’ é uma tentativa de emendar expressão sofisticada querendo esconder a anta atrás do chifre. O que temos, saudoso ex-secretário – salvas as honrosas exceções – são atores, diretores e criadores de cultura rasa. Preguiçosos, toscos e medíocres eis o que é a grande maioria dos espetáculos do atual teatro baiano.

O que temos é: de um lado diretores-professores-acadêmicos-desleixados-fanfarrões fazedores de abacaxi. De outro, uma geração mais jovem que nada sabe de literatura, de música, de filosofia, da alma humana, da complexidade da sociedade moderna, dos elementos do espetáculo teatral, que nada entendem de direção de atores e continuam fazendo seus monstros teatrais. E quanto aos atores, não sabem falar em cena – Hackler tinha razão quando gracejava que os vendedores de A Tarde sabem dominar melhor a dicção do que a maioria dos nossos atores. Atores que em cena não sabem andar, nem sentar, nem segurar um talher, nem olhar no olho do contracena. E, pasmem: atores que em leituras (ensaios) causam demasiado constrangimento por não saberem sequer ler. Então, não posso concordar, senhor Meirelles, que o infortúnio do teatro baiano seja crise de linguagem. É falta de talento, vocação estudo e trabalho.

Por tudo, eu de minha parte repudio o “Mais respeito aos artistas baianos”, de Marfuz; e o seu “Mas respeito aos Festivais”, excelentíssimo senhor ex-secretário da Cultura do Estado da Bahia, Marcio Meirelles. Eu, cidadão baiano, exijo mais respeito aos espectadores e ao dinheiro público, do nosso povo, tão mal utilizado e gerido por Vossa Excelência (2007-2010) quando o jogou no ralo fétido da dissimulação e da incompetência.

Mas, não. Certamente eu devo estar blasfemando. E peço-lhe minhas mais sinceras escusas por este desabafo desajeitado e inoportuno. Por isso, na tentativa honesta de corrigir-me consigo, lanço aqui, para todos, uma modesta idéia: - vamos todos, artistas e cidade, cultuar com amor, o nome Marcio Meirelles. Mais que isso, queridos amigos, vamos de logo trocar o nome da Avenida 7 de Setembro para ex-secretário da cultura Marcio Meirelles Street. Porque entendemos a verdadeira importância de sua pessoa, querido Marcio.

Por fim, ‘mas respeito a hipocrisia na sociedade da Bahia’, porque ela está dando certo. E nada de desqualificá-la publicamente,né, Marcio Meirelles?

Hedre Lavnzk Couto

sábado, outubro 22

Crítica do espetáculo ‘Diário do farol’

Vamos torcer para que minhas palavras se revelem adequadas, não é? O espetáculo ‘Diário do farol’ é uma adaptação dramatúrgica (de Amarílio Sales) e cênica (de Fernanda Paquelet) inspirada em livro homônimo do consagrado escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. Contudo, a despeito da grande empolgação decorrente das merecidas intenções de se homenagear a Ubaldo, trata-se de uma adaptação acanhada, paupérrima em teatralidade.

À primeira vista o espetáculo traz a fábula de um personagem ‘encarcerado’, sozinho no interior de um farol, com suas lembranças, suas fantasias, seus fantasmas, e a materialização das histórias narradas em seu diário. A narrativa nos induz a crer que, esse homem, após ter atravessado algumas vicissitudes pela vida, decidira vingar-se daqueles que elegera como culpados por suas desgraças, passando então a viver despido de quaisquer obrigações para com a ética ou a moral.

COMO ENCENAR UM DIÁRIO?

O protagonista, vivido por Amarílio Sales, divide com o público os pormenores de sua vida. E todo o conteúdo desta verdadeira autobiografia, em forma de diário, vem à tona, vai se materializando no palco. O personagem começa contanto sua história desde os tempos de tenra infância. O quotidiano doméstico da vida familiar, o convívio com os pais, numa fazenda. O machismo e o sadismo da figura paterna, que desdenha a esposa e humilha e atemoriza a personalidade do filho, ainda em formação. A morte da mãe. O novo casamento do pai. Que culmina com o planejamento e execução do fruto desse matrimonio, a pequena irmã, considerada pelo protagonista uma bastarda, adversária. A expulsão da casa paterna. A revolta. O aprofundamento das patologias de sua personalidade. A descoberta do prazer em manipular e ludibriar as pessoas. Sua entrada para o sacerdócio. A prática reiterada da luxúria e da corrupção. O surgimento da grande paixão por uma de suas fieis. A decepção de ser preterido. O engajamento com movimentos políticos armados, enfim, toda a deformação de uma alma atormentada pelos descaminhos da vida, ganha relevo sobre o tablado.

Mas são tamanhas as maquinações e a confissão doentia do personagem, que, por diversas vezes o público certamente indaga: ‘será que realmente ele viveu tudo isso que vem narrado no diário, ou será tudo apenas fantasia de um estado emocional enfermo, fruto de profunda frustração e solidão?’ Na verdade, muitos saíram com essa dúvida. Aquilo que o protagonista narra são registros de fatos reais, ou ao contrário, uma obra de ficção criada por ele?

A CONCEPÇÃO...

O conflito do protagonista, ou a narrativa do diário, como queiram, é delineado em distintas dimensões cênicas. Podemos dizer que existe a dimensão do presente, ou seja, quando o personagem simplesmente narra à platéia (lendo o diário ou, quebrando a quarta parede e falando diretamente às pessoas) os registros; um plano das lembranças, onde ele contracena com o pai, ou com a mulher objeto de sua paixão; e uma atmosfera da fantasia-alucinação, na qual ele contracena com o fantasma da mãe. Existe em dado ponto, um bom momento dramático, quando juntam-se simultaneamente todas essas dimensões conflituosas, p.ex., o personagem contracena com o pai, e ao mesmo tempo está abraçado ao fantasma da mãe, e ainda escuta vozes de outro plano, de forma que o espectador tem a possibilidade de entender melhor o teor da confusão mental do protagonista.

Também se consegue um efeito interessante ao fazer com que o personagem de Amarílio, já em idade madura, realize a transição do plano do presente e empreenda imediatamente contracena com o pai, em cenas ainda de sua infância. Isso porque, já velho, ali revivendo e sofrendo com o sadismo paterno, o personagem evidencia, ainda mais, a vulnerabilidade porque passava em criança, diante da repetição de tal situação.

Também aqui a escolha do Espaço Cultural Barroquinha abrigou satisfatoriamente o ar imaginado para o espetáculo, serve bem à sugestão de um ambiente de velho farol. Entretanto, tenho dúvidas se a disposição cênica em forma de ‘quadrado’ serve para conferir vigor à peça. Talvez servisse se explorada com mais ousadia, com mais criatividade e coragem. E se a interpretação dos atores fosse coletivamente magnífica. Porém, não vou me aprofundar hoje nesta questão. Falarei brevemente da iluminação. Qual é o objetivo de uma luz aberta em momentos de incontestável necessidade de valorizar o intimismo? Outra coisa: a reiterada quebra da quarta parede pelo personagem de Amarílio. Para que? Em alguns momentos, cabe. Mas da forma exagerada e marcadinha como foi colocada, compromete. Há enorme déficit de teatralidade neste espetáculo, o único momento de verdadeira teatralidade ocorre em uma das cenas finais, onde um estupro é bem bolado com efeitos lúdicos, usando-se para tanto uma pequena boneca.

O TRABALHO DOS ATORES...

O talento de Amarílio Sales, embora não por vaidade pessoal, engole a todos, e, por isso, quando o espetáculo conta uma hora, ele já está cansado. Mesmo assim leva o seu personagem com dignidade e beleza até o final. Amarílio é dos atores que vale pena assistir no teatro de salvador. Bom trabalho corporal. Pela sobrecarga, a voz aparece um pouco sacrificada.

Tatiana Carcanholo tem o seu melhor momento na primeira entrada. É uma atriz regular, o que nos atuais tempos de vacas magras, significa que, se melhor conduzida poderia ter rendido muito mais. O trabalho corporal que ela realizou para compor esta sua personagem é muito fraco. Vai à mesma medida o trabalho vocal, uma construção horizontal, perpassando pela tentativa de obter uma suavidade que caiu em artificialidade. Isso compromete o espetáculo, o cansaço de Amarílio que o diga.

Naiara Homem interpreta a si mesma. O que dizer? Há sim: não entendo a proposta de sua caracterização plástica, buscou-se sugerir uma entidade meso-aquática-polar?

Daniel Becker é o cara. É o que mais compromete o espetáculo, tanto individualmente como em seu conjunto. Becker, neste trabalho, se mostrou uma casca, ele peca, não consegue trazer a necessária austeridade para seu personagem. Além disso, não pensa em cena, vomita o texto. E explora pobremente o traço de sadismo evidente e necessário ao seu personagem. Cito como exemplo aquela cena de extremo sofrimento, onde expulsa o protagonista pela morte da filha, ali faltou consistência em seu trabalho interior, neste, como em outros instantes de sua contracena com o filho, Amarílio teve que suprir, unilateralmente, a intensidade que a cena pedia. Outro problema que Daniel apresenta está em sua movimentação física, vazia, ou sem sentido e repetitiva, a ex. do que ocorre na primeira cena.

UBALDO, PAQUELET E AMARÍLIO...

Congratulo Ubaldo por ser um grande baiano, um orgulho para nossa literatura e para a nossa Bahia. Gostaria de ver muito mais textos seus aqui encenados. Também parabenizo a Amarílio e Paquelet pelo projeto, que embora eu considere artisticamente fragilizado, tem dignidade. Quero ver com muito mais freqüência trabalhos de ambos sobre os palcos. Ainda preciso ver ‘Sarjento Getúlio’, de Ubaldo, Gil Vicente e Betão.

Hedre Lavnzk Couto

p/ Carolina

sexta-feira, outubro 21

Crítica do espetáculo ‘A voz do provocador’

Um momento memorável. Assim pode ser definida a sensação inconfundível de ouvir as implacáveis provocações de Antonio Abujamra, ao longo de pouco mais de uma hora, em plena noite de sábado, 15, no Teatro Sesc Senac Pelourinho. Abujamra é história viva do teatro, da televisão, do cinema, e da arte pensante do Brasil desde a segunda metade do século vinte. É ele membro de uma inquieta e talentosa geração de homens de teatro que, até os dias de hoje, ainda representa ousadia, originalidade, subversão, provocação. Embora ele próprio e os colegas admitam que tal estigma ainda perdure muito em conseqüência da apatia e mediocridade da esmagadora maioria daqueles (artistas de teatro) que vieram depois deles.

Aí, o velho Abu, após décadas de consagrada prática teatral, de personagens de telenovela emblemáticos, e de inspirar, descobrir e formar boa parte daqueles que realmente podem pleitear o prenome ‘artista’, chega à idade madura escolhendo desempenhar um personagem instigante: o velhinho intelectual inconseqüente e provocador. Tal qual um gótico bobo da corte, deste reino de abobalhados tropicais, Abujamra, um observador perspicaz do cotidiano, profundo conhecedor da história humana, da filosofia, da literatura dos quatro cantos do planeta, transformou seu arcabouço cultural em munição corrosiva, e sua língua em metralhadora ferina de longo alcance. E como às crianças, aos velhos, e aos ‘bobos’ é permitido troçar das feridas das gentes zangadas, das doenças da vida, e das nossas pequenas (des) honestidades cotidianas, Abu escarra e escarnece nessa e dessa capenga [tragicomédia de costumes], que é essa nossa inócua aldeinha global, boçal.

Há alguns anos, Antonio Abujamra estreou na TV pública um formato curioso de programa de entrevistas. Em ‘Provocações’ Abu recebe convidados que são oriundos dos mais diversos matizes sociais. Diante do entrevistador sentam-se poetas, esportistas, donas-de-casa, políticos, empresários, religiosos, desocupados, cidadãos, indigentes, provocados e provocadores. Até aí, nada demais, se não fosse a incoercível originalidade da capacidade criativa do veterano diretor teatral. Tudo em ‘Provocações’ é feito para provocar, para incomodar, para quebrar o conforto, para causar estranheza (olha aí, as lições de Brecht, Abu!) para fazer com que o convidado seja, pelo menos uma vez na vida, ele mesmo; para fazer com que o telespectador desperte para o quanto é idiota permanecer anestesiado durante 30 minutos diante de um aparelho de tv, ao passo que poderia empregar este tempo de maneira útil, viva, criadora!

No estúdio tudo conspira para provocar. A plástica causa de cara um desconforto visual. No cenário, cores cruas e quentes. Na luz, que em verdade faz uma meia luz, reproduzindo uma penumbra, cores frias, de modo a imprimir uma atmosfera psicológica de clandestinidade. Na sonoplastia vozes, muitas vozes, falando, reclamando, ao mesmo tempo, proporcionando uma agitação auditiva. Além disso, reina um jogo de câmeras, de ângulos, de edição, bem característicos de quem viveu e praticou os anos de ouro da televisão improvisada e espontânea, anterior a chegada do vídeo tape. À câmera nada escapa, sua missão é buscar em plano-detalhe a textura, as características corporais, flagrar as mais contidas manifestações emocionais dos convidados, prevê suas explosões diante das provocações reiteradas, e seu ímpeto de também provocar. E tudo isso aliado e envolvido pelo ingrediente principal do programa, o olhar gélido dos dois velhos olhos negros de Antonio Abujamra, o conteúdo mordaz e irrepreensível de seus questionamentos, o cinismo peculiar da cadência com que profere a seqüência das palavras que encadeiam as perguntas. O deboche didático de um gênio, um convite nada convencional para que as pessoas reflitam sobre sua postura habitual, sobre que tipo de dias estão vivendo e que tipo de sociedade estão ajudando a construir.

Notem que me estendi, amigos, espero que não o bastante para terem desistido da leitura. Mas foi por um importante propósito, que de início optei por tecer alguns comentários do formato televisivo ‘Provocações’, uma vez que o projeto ‘A voz do provocador’, de Antonio Abujamra é a versão teatralizada dessa empreitada.

'A VOZ DO PROVOCADOR', ESPECIFICAMENTE

Abujamra desembarcou em salvador neste mês de outubro com 79 anos de idade. Trouxe-nos um trabalho que denominou de ‘uma aula-espetáculo’. Certamente eu tenho algumas ressalvas a fazer sobre esta sua ‘obra’. Mas, antes de qualquer coisa, preciso registrar que sou um admirador dos trabalhos e bagagem deste artista. É possível se aprender muito com ele. Ter Abujamra no palco, em si, já podemos considerar uma situação espetacular. De outra parte, digo que o folder, como a maioria dos folders de espetáculos que vemos por aí, nos promete e fala de muita coisa cuja presença no palco jamais se vê. Mas a intenção de se propor uma aula- espetáculo e correr os quatro cantos do Brasil, levando-a para milhares de espectadores sem dúvida é interessante e, para a sobrevivência do teatro, útil sob vários aspectos.

O TEATRO DOS DEBATES...

A tese desta aula-espetáculo é sensível e sobremaneira sintonizada com a atual realidade dos fatos de uma sociedade contemporânea complexa. Abujamra, que assina o texto, a concepção, a direção e atua, em momento de feliz clarividência afirma a certa altura que no presente contexto das coisas, o teatro apenas resgatará o seu lugar de verdadeira arte da inter-subjetividade, acaso sirva como palco de debate de idéias, ao contrário senso de um mero espaço contador e reprodutor de histórias. Em outras palavras, Abu está na defesa de um teatro que não seja unicamente entretenimento, embora também possa associar-se a esta função, mas para ele, o espetáculo teatral deve, sim, ser vetor de reflexão, apuração, transformação e balanço constante dos paradigmas da sociedade. O objeto artístico teatral deve ser vivo (além de grotovsky), proporcionando uma mútua troca e crescimento entre os sujeitos criadores e os sujeitos espectadores – que obviamente, neste contexto, também serão criadores; os artistas e o público devem enfrentar com sintonia e crueldade (além de Artaud) a patente crueldade de determinados temas, tabus e realidades. Experimentar, evoluir, viver, o teatro pode e deve ser verdadeiramente inserido nesta dinâmica.

Concordo. Em todo caso, manifesto divergência às lições de Abujamra, na medida em que de minha parte acredito também se fazer possível realizar o necessário debate sobre o palco, mesmo quando se opta por contar histórias. Não podemos esquecer que a boa dramaturgia certamente nos oferece histórias dotadas de consistência e profundidade, capazes de auxiliar a contento na condução de diversas linhas de debates. Ao meu ver, tudo dependerá da qualidade da fábula, da pertinência das escolhas, da sensibilidade da encenação, do talento dos atores.

Mas entendo perfeitamente o cerne do que está sendo constatado por Antonio Abujamra. Assim como ele, já algum tempo venho dizendo que o teatro como o vemos hoje, parece até óbvio, mas muitos artistas fundamentalistas não admitem este ponto de vista, o espetáculo ou a peça de teatro tal qual o concebemos e apreciamos no presente, desaparecerá em poucas décadas. Depois de flertar, embriagar-se e ter repetidas overdoses com altas doses de pirotecnia dos atípicos recursos do cinema e da televisão, ou mesmo do grande show business, o teatro vem já há tempos manifestando uma tendência global pela retomada da estética da ‘essencialidade’, ou seja, cada vez mais artistas, produtores e público, têm caminhado na direção de um teatro sustentado na consistência temática, na economicidade de efeitos alheios ao talento dos atores e, sobretudo, têm-se buscado fazer uma arte teatral capaz de promover com o espectador uma interatividade de cunho mais utilitário do que supérfluo.


A DISPOSIÇÃO ESPACIAL...

O que se faz necessário para a realização de uma aula? Alguém que tenha experiências a compartilhar e outro(s) que queria(m) ouvir, e aprender, trocar etc. Para a realização de sua aula espetáculo, Abu precisou apenas da presença e (interação?) da platéia. À direita baixa do palco situava-se uma mesa e uma cadeira, que abrigava alguns livros e anotações do ator, de modo que Abujamra já no início do espetáculo lá se sentou levantando-se apenas ao final para receber os aplausos. Ao fundo central, situava-se uma tela onde eram projetadas imagens e vídeos que iam sendo solicitados conforme o andamento da aula-espetáculo. De sua mesa de trabalho Abu deu curso ao roteiro temático que trouxera para provocar o público soteropolitano. Com a luz de platéia na maioria do tempo ligada, o ator falava o tempo todo na direção do público. Ali leu passagens de filósofos, poetas, dramaturgos, contou algumas de suas experiências profissionais, algumas anedotas sempre com muito humor (ácido de sempre) e, sobretudo, Abujamra optou por fazer uma ponte direta com materiais que foram destaque ao longo da história de seu programa de entrevista ‘Provocações’.

FRAGILIDADES... OU, ATÉ ABUJAMRA FALHA, E CONSEGUE SER PIEGAS

Realmente esta aula-espetáculo corre o sério risco de ser vista como obsoleta e fraudulenta quando incorpora no seu bojo diversos fragmentos já há muito vistos e repetidos em cadeia nacional de televisão pública. Embora Abujamra sempre brinque que seu programa conta apenas com meia dúzia de telespectadores, o real número é bem mais significante. Talvez o veterano homem de teatro tenha sido descuidado ou presunçoso em demasiado em não proceder a elaboração de um material verdadeiramente inédito. Este é um ponto lamentável, até decepcionante.

Outra fragilidade é o fato de haver uma promessa de aula-espetáculo, ou seja, implicando a expectativa natural de uma plena interação com o público, na realização de um grande debate, que caminharia quiçá para uma mágica direção inesperada, improvisada, enfim. Ei, Abu isso não acontece, e você sabe. O espetáculo fica vergonhosamente engessado. E ao passo que o formato e a proposta da aula-espetáculo têm potencial para possibilitar uma interação sem precedentes entre artista e público, infelizmente, não é o que se vê. O que ocorre é um simulacro, uma fraude primária de interação, através de um roteiro ditadinho que trás os momentos onde se tenta forjar que chegam até Abujamra bilhetinhos supostamente oriundos do público, por onde questionariam o ator sobre perguntas sem relevâncias alguma, para nada ou para ninguém. Pra que isso? Se realmente Abujamra sabe provocar e adora ser provocado, por que agiu com tal despotismo, ou insegurança, por que não se arriscou a interagir e canalizar as desconhecidas ações e reações que certamente emergiriam de maneira inesquecível e catártica do público entre si e para com ele? Abujamra chegou a salvador dizendo que trazia na bagagem uma aula-espetáculo sincera, mas na verdade trouxe um ‘monologuinho’, requentado e costurado às custas dos arquivos do seu programa de TV. Ao artista cabe ser honesto, ainda mais, quando se ufana a grandioso. Contudo, respeito-o muito, e afirmo que a despeito dos defeitos e das incongruências contundentes porque passa esta aula-espetáculo, ainda assim seria importante que cada brasileiro pudesse ter a oportunidade de vê-la.

O PONTO POSITIVO...

O ponto positivo é que tal iniciativa pode certamente influenciar artistas e público para visitarem mais esse formato cênico. Num futuro de médio prazo, a única esperança de o teatro não entrar em completo desuso, será a de seguir a estrada de transformar-se em um espaço ativo, onde artistas-pensadores e público, também pensante, compartilharão debates e experiências acerca da vida, e da sociedade.
O que seria sim, uma alternativa para o palco, para o teatro num momento como este que vivemos (principalmente em Salvador) de completa falta de capacidade artística, talento, criatividade, ousadia, consistência intelectual. Nossos artistas locais (salve-se aí as honrosas exceções) são medíocres intelectualmente, e isso é lastimável; e não possuem nem talento nem aptidão, apenas vaidade, ainda assim, deteriorada.

Ps: Abujamra já se mostra intelectual e físicamente cansado, embora ainda seja ele e sua geração a vanguarda mais consistente do teatro nacional. Querem atestado mais explícito da total falta de brilho da atual geração de artistas? Estrelas apagadas. “vanité des vanité tout est vanité.”

Hedre Lavnzk Couto

p/ Carolina