sexta-feira, dezembro 23

Crítica do espetáculo 'Cartas de amor para Stalin'

Começo hoje fazendo uma provocação aos meus leitores: vocês preferem uma arte supérflua ou “utilitária”? Uma arte teatral que se perca no curto caminho entre os umbigos de seus ‘fazedores’, ou, de contrário, espetáculos que projetem reflexões para além da ribalta, atingindo ao público, lhes produzindo efeitos colaterais acima dos pescoços?

‘Cartas de amor para Stalin’ é uma peça que pode servir bem ao propósito daquilo que a atual realidade suplica do teatro. Venho há algum tempo, nesta coluna, inclusive na última crítica – ‘O Terceiro Sinal’ – destacando que o teatro somente evitará o seu perecimento, irremediável dentre em poucas décadas, se, e, somente se, urgentemente, encorajar-se a converter-se num habitat de debates de ideias.

PAULO DOURADO, A BR 116 E JUAN MAYORGA

Confesso que esperava muitíssimo mais da direção de Paulo Dourado – gradíssimo diretor baiano, de quem eu gostaria testemunhar, pelo menos, uma nova encenação por ano. No entanto, frise-se, dos três espetáculos apresentados neste mês de dezembro, em SSA, pela Cia paulistana BR 116, Cartas de amor para Stalin é o único que merece atenção. Sobretudo, porque, enfim, através dele, elegera-se o teatro como espaço para discussões palpáveis.

A montagem parte do texto original do dramaturgo espanhol Juan Mayorga. Segundo dizem, um dos escritores mais encenados na atualidade. E conta um período da vida do escritor russo Mikhail Bulgákov (Ricardo Bittencourt), que, vivendo e produzindo num dos momentos mais agudos da Rússia stalinista, tem, por determinação estatal, sua Obra proibida de ser publicada e encenada.

CENSURA E OSTRACISMO

Isolado da classe artística, por manter dúbia posição diante dos exageros do Regime Socialista, Bulgákov cai em ostracismo, passando a exilar-se dentro de sua própria casa. Imerso em contradições internas, não se decidindo se deseja abandonar o hostil ambiente político que o censura, ou se, ao contrário, alia-se, irresolutamente, ao Estado déspota, define uma estratégia: empreende uma desesperada tentativa de comunicar-se diretamente com Stalin. Escreve-lhe compulsivamente diversas cartas – para tanto contando, num primeiro momento, com o auxílio de sua mulher (Bete Coelho) – às quais não logram respostas.

Tal prática torna-se uma obsessão exaustiva e inglória. Até que certo dia o telefone toca e, ao que parece, do lado da linha é o camarada Stalin, retornando-lhe a resposta de seus pedidos. Ocorre que no meio da conversa cai a ligação. Inicia-se ali, a perdição patológica de Bulgákov, que passa a viver colado ao telefone, esperando que o Grande Líder o chame de volta; como não acontece, Bulgákov passa a remeter cartas ao Kremlin com muito mais frequência, com tanta obstinação que as cartas, e a própria espera, tornam-se a única razão dos seus dias, empurrando-o a perder completamente a sanidade mental.

A ‘ALMA RUSSA’

Contudo, ressalte-se, o ‘Argumento’ é infinitamente mais rico do que o corpo dramatúrgico que Juan Mayorga conseguiu criar. Não conheço o texto original, e, portanto, não sei até que ponto P. Dourado adaptou-o à sua visão de encenador. Porém, falta, creio, tanto ao material dramatúrgico como à encenação, aquilo que os russos denominam de ‘alma russa’. Ou seja, certo tom, bem peculiar, inerente ao modo daquele velho Povo [viver e sentir] os limites dos dilemas porque passaram ao longo de sua História. No espetáculo, esta falta, essa deficiência de causa é verificada na letra dos diálogos do autor, e na seiva da interpretação dos atores. Faltou ao espetáculo investigar e compreender o espírito dessa gente que, certa vez, meu pai comparou, na sabedoria das analogias das pessoas simples, aos ursos.

O BREVE ROTEIRO DO COMPLEXO CALDO CULTURAL DA SOCIEDADE SOVIÉTICA

O artista atento, mesmo ainda na tenra idade, perceberá que, não à-toa o professor Stanislavski notou que se fazia necessário estudar, descobrir e praticar novos mecanismos de criação dramática, que possibilitassem aos atores uma maior aproximação com aquela que seria um tipo de interpretação condizente com a complexidade do legado ‘cultural-dramático’ russo. Povo que por séculos foi subjugado e drasticamente mutilado por outros povos, sendo os últimos deles os mongóis de Gengis Khan.

Mas eis que surgiu Ivan, o Terrível. Inventor e unificador de todas as Rússias. Iniciador da construção cultural que eles chamam de “A Grande Mãe Rússia”, o Tirano sanguinário deu início a um roteiro que, lá, pode-se verificar até os dias de hoje: essencial e plenamente, até o século 21 a Rússia jamais conheceu a Democracia. É uma questão cultural estrita. É claro que as coisas estão mudando por toda a parte. Mas aquele povo, de fato, teve e ainda tem, a despeito dos atuais protestos contra Putin, uma visão da democracia que não necessariamente se coaduna com o olhar ocidental. Tanto o é que Lenin, Stalin e seus camaradas interpretaram Marx de maneira bem particular, e deu no que deu...

BULGÁKOV, SERGUEI ENSEISTEIN, MEYERHOLD E MAIAKOVSKI

No período em que o personagem Bulgákok passa pelo claustrofóbico transtorno de não poder expressar-se através de sua arte, ou seja, praticar sua profissão, outros grandes artistas russos foram censurados, perseguidos e até defenestrados da vida pelo pelos desígnios da Revolução. Cite-se o cineasta S. Enseistein, que teve durante largo tempo sua obra anulada; o teatrólogo V. Meyerhold que foi ceifado; o poeta Maiakovski também foi estimulado a desapegar-se da vida. E note-se que alguns dessas pessoas que acabaram vítimas, haviam sido entusiastas fervorosos da Revolução do camarada Lenin. Aqui se prova os ingredientes da complexidade dessa tal de ‘alma russa’. Aos ouvidos de quem já vivia faminto por pão ou oxigênio, por consequência de 300 anos da dinastia dos czares Romanov, as boas novas prometidas pelo pessoal de “1917”, pareciam encantadoras.

PODER ESTATAL X LIBERDADE

Já disse várias e ainda revelarei outras reservas que tenho para com a presente encenação. Mas ela inexoravelmente arrebatou minha simpatia quando se dispôs ao debate. Que aqui me parece ser o de manifestar que é sempre salutar que o Estado jamais adentre aos limites das liberdades e garantias individuais fundamentais, tão caras à sociedade, por consequência. Por isso, a necessidade, amigos, de tornarmos o teatro uma arte viva. E inseri-lo também como arena para as ponderações urgentes e pulsantes da contemporaneidade.

Ser vivo. Ser útil. Isso sim, é ser vanguarda, e não fechar-se em si mesmo, protagonizando coisas ininteligíveis.Bem aventurado seja o teatro de debate de idéias. Porque dele despertará a grande reação contra as tiranetes de plantão, que se escondem sob pele de cordeiro, vermelha. Gostaria muito que pudessem haver, neste momento, montagens de “Cartas de amor para Stalin’, na Venezuela, no Equador, na Argentina; mas, tenho minhas graves dúvidas se seria plenamente possível tal. Estes países passam por um delicado momento, onde, novamente, os respectivos Estados foram apossados por caudilhos líderes de tendência ditatorial, que já não disfarçam suas investidas para limitar as liberdades de criação e expressão.

Artistas, jornalistas, intelectuais, os cidadãos sul-americanos, em geral, vêem doutra vez a eminência da sombra da mordaça do leviantã, em sua versão castellana. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores costura o instante mais apropriado, para no médio prazo, deflagrar o sonhado Plano de Regulamentação da mídia. – O diabo que os carregue!

FELIZ NATAL

Acho que me empolguei, ou não foi? Terei agora que resumir todo o restante, pois meu vôo está quase saindo, é natal! O que posso dizer? Faltou ‘alma russa’. E faltou porque, neste sentido, o diretor não conseguiu ir além da tibieza originária do texto. E, registre-se: R. Bittencourt é um belo canastrão! Jamais conseguirá interpretar o espírito de um autor russo. Não tem profundidade humana para tanto. Já a Bete Coelho, aos olhos do público complacente mostra-se versátil; entretanto, ela na verdade está perdida, através de uma condução confusa.

A dinâmica da mistura - do entendimento que tiveram do texto Ricardo e Bete - lança aquilo que exige ser um drama, nas águas de um valdeville tosco, que muito desmerece a feliz intenção da BR116 de encenar um espetáculo que se propunha a uma conversa inteligente com a sociedade.


Hedre Lavnzk Couto

quarta-feira, dezembro 21

Crítica do espetáculo ‘O Terceiro Sinal’

A Companhia BR 116 desembarcou em Salvador, na semana passada, trazendo à mala os três espetáculos do seu incipiente catálogo: ‘O Homem da Tarja Preta’ = espetáculo cuja crítica já foi publicada neste espaço -, ‘O Terceiro Sinal’, e ‘Cartas de Amor para Stálin’.

Idealizada e tocada pela conhecida atriz Bete Coelho e pelo entusiasmado ator Ricardo Bittencourt, a BR 116 nasceu embalada por ambiciosos planos de tornar-se uma constante fábrica de teatro. Em época de arte dramática tão atrofiada, devemos todos desejar-lhes muito boa sorte, ou melhor, ‘merde!’.

‘O Terceiro Sinal' trata-se de um espetáculo regular. O que já evidencia um avanço, diante do desastre que foi ‘O Homem da Tarja Preta’. E, frise-se, esse “regular” deve-se mais ao bom arranjo da forma do que a concepção conteudística.

O texto da peça é adaptado de escritos do ator-jornalista Otávio Frias. Sendo que desta vez Bittencourt chamou para si a direção, ficando Coelho com a missão de desempenhar o que eles nomearam de monólogo. Monólogo, todavia, com certeza, não é. Basta pontuar que, durante todos os sessenta minutos, a personagem de Bete contracena com contra-regras-personagens, além do que, a figura do próprio diretor, na maioria do tempo, aparece em meio à cena.

É, em verdade, uma confissão em primeira pessoa. Daí a ‘esperteza’ da direção que, almejando ter menos trabalho e reduzindo as possibilidades de incorrer em diversos erros, criou uma narrativa em contínua contracena, mantendo ainda assim, a reivindicação de monólogo. Se não honesto, senão ousado.

LABIRINTOS

Em cena, Bete Coelho representa um ator que tece aos espectadores depoimento dos processos de atuação porque passou ao longo de sua carreira artística. Com tons de ironia, humor e, até patologia, mas, nunca alcançando a profundidade, o personagem vai-nos revelando as vicissitudes do cotidiano do fazer teatral; detalhes das relações ator-arte; ator-criação do personagem; ator-colega de cena; ator-diretor; ator-público; enfim, ator e as vaidades e as inseguranças que integram o dia-dia dos camarins, das coxias e tablados, desde *Téspis. Sendo que há uma tentativa de constituir como pano de fundo, da narrativa, parte da história do próprio moderno teatro brasileiro.

ENCENAÇÃO

Do ponto de vista da composição plástica e dinâmica do espetáculo, a direção fez um trabalho equilibrado. Pontos positivos tais como a opção por um palco ‘nú’, a bem elaborada movimentação da personagem, a concepção de ‘monólogo-contracenado’, o uso de projeções de imagens bem selecionadas, aliados a uma precisa interação com as competentes iluminação e trilha sonora, conferiram consistência ao arranjo cênico final.

O OTÁVIO FRIAS DA BETE

Na saída do teatro, meu ouvido roubou, de passagem, parte de conversa de dois diretores teatrais que reprovavam o fato de ter-se usado na peça o pretexto da ‘biografia teatral’ do Otávio Frias, ao invés da história da própria carreira da B. Coelho. Bom, esse comentário não merece meu comentário. Contudo, a mesma dupla de diretores ressaltava também, só que dessa vez com mais indignação, que a Bete Coelho não conseguira recriar a figura masculina do Otávio Frias, propriamente dita. Vejam, preocupações como estas vindas de diretores de teatro, explicam bem o atual estado de pouca inteligência do atual teatro baiano.

Ora, pelo menos ao que tudo indicou, jamais foi a intenção do espetáculo obedecer às implacáveis leis da mimese – e, se o fosse, a própria atriz teria dado lugar a um ator para conceber o tal do personagem masculino. De minha parte, confesso que não identifiquei que a Coelho tivesse pretendido executar algum tratado cênico dos ensinamentos dos **Meininger, de ***Antoine ou mesmo de ****Stanislavski. Verdade seja dita, longe de estar brilhante, neste trabalho ela fez com competência aquilo que se prontificou a realizar.

O PECADO MORA NO UMBIGO

E se no terceiro parágrafo eu sentencio que o espetáculo consegue ser no máximo ‘regular’, agora explico: a peça perde-se, caindo quase na inutilidade, por ser demasiadamente umbilical. Seu discurso, seu conteúdo é morto para o grande público. E nunca é demais dizer, artistas: “o que interessa é sempre o grande público!”, e não uma platéia de cinqüenta pessoas, formada por atores, diretores e simpatizantes, excitadíssimos por identificação dando urras e possessos vivas de apoio ao teatro.

Em outras palavras, Bittencourt e Coelho conceberam um espetáculo hermético. Isso porque o universo, a rotina, os códigos e os signos que são exaustivamente tratados no transcorrer da narrativa, são largamente familiares para o “mitiê” teatral; mas já para o espectador tradicional a peça apresenta-se, inegavelmente, de difícil decodificação.

E aí, incorre-se naquele maroto equívoco de se fazer teatro para os amigos, ou para a “classe”. O que serve somente para apequenar ainda mais essa raquítica arte que ainda quer-se (sonha-se) democrática e expansiva. A pergunta que fica é: como um espetáculo como esse pretende viajar os 4 cantos do Brasil? Este tipo de arte - narcísica – é verdadeiramente útil para quem? E, ora, é por essas e outras que se demora tanto para realizar a conquista de um espectador assíduo e, de outro lado, perde-se centenas numa única apresentação.

NOTA DE FALECIMENTO


O teatro há muito está na UTI. E existem prognósticos veementes que atestam morte cerebral. Respira tão somente por meio de aparelhos financiados por migalhas de dinheiro público, ao passo que muitos, os mais pragmáticos, já cogitam a hipótese inadiável de eutanásia. O doente terminal está esquálido, tuberculoso, leproso, perdeu já tato, visão, paladar e audição, encontra-se abandonado a própria sorte de ser praticado por uma grande maioria de artistas desorientados e inábeis.

Quero aqui registrar que estou com Abujamra, pelo menos naquilo que ele alerta quando diz que a única maneira de o teatro sobreviver, ao menos sob a acepção digna de verdadeira arte, será converter-se num espaço para o debate de idéias. Mas não as umbilicais. E sim, a infindável quantidade de questões de urgência urgentíssima que nos bate à porta a todo instante.

“DUVIDA DE QUE O SOL GIRA”

Mas não temos mais dramaturgos. Onde estão os bons dramaturgos contemporâneos? Quando penso na boa dramaturgia me vêm à cabeça ‘Ricardo III’, de W. Shakespeare; ‘O Inimigo do Povo’, de Ibsen; ‘A morte de um Caixeiro viajante’, de Miller; ‘O Pagador de Promessas’, de Gomes; ‘Boca de Ouro’, N. Rodrigues; ‘Um homem é um homem’, de Brecht; ‘Quem tem medo de Virginia Woof’, de Albee; ‘Esperando Godot’, de Beckett; ‘Um Bonde chamado Desejo’, de Tennessee entre tanto outras obras que sacodem até hoje qualquer sociedade.

Deveríamos todos devorar ferozmente os clássicos. Imitá-los, parafraseá-los, e quem sabe assim, aprenderíamos, com humildade, a amenizar esta, que nestes dias miseráveis, se traduz em difícil tarefa: ir ao teatro. Até quando isso será pior do que estar num circo ou num music hall de insuportável mal gosto... no circo!, no music hall!, no circo!, no music hall!, no circo!, no...

ps: “Nem tudo o que é medrosamente copiado da natureza é fiel à natureza”. – Adolph Von Menzel

*figura que aparece na história do teatro como o primeiro ator de todos os tempos.
**,***, **** escolas de encenadores realistas

p/ M. J., com devota saudade.

Hedre Lavnzk Couto

segunda-feira, dezembro 19

Varinha curta para cutucar a feiura da fera...

Sob contexto político e institucional turbulento, certo desconhecido deputado federal ('baixo clero') é eleito presidente da Câmara. E num golpe do acaso, acaba assumindo a presidência da República, diante de uma tragédia aerea, que vitima ao mesmo tempo presidente e vice...


Ao tomar posse e verificar a real magnitude da corrupção que assola a máquina do governo, promove a demissão de vários ministros de Estado, fato que termina por desembocar uma sequência de denúncias contra o próprio novo presidente, que, por fim,vê-se ameaçãdo por um processo de impeachment.


Dizem que esse é o embrião da trama de 'Brado Retumbante', Série da Globo, com estréia prevista para 17 de janeiro. Serão oito capítulos, através dos quais os brasileiros verão a política como tema de teledramaturgia.


O autor é Euclides Machado; o diretor Ricardo Waddington. Ambos, no entanto, fazem questão de ressaltar que a Série não visa fazer referências à atual política brasileira. Será?


Hedre Lavnzk Couto.

Nas palavras de Malu Fontes...

"(...) No chão da arte, o restinho de sagrado que resta é o talento de poucos, coisa que importa cada vez a menos gente (...)"

sábado, dezembro 17

Nas palavras de Antonio Risério... "A Primavera Baiana"

"(...)A cara de Salvador não pode ser a da "grand vendeuse", a da balconista-mor Ivete Sangalo, em pose autoritária, dizendo a frase imbecil: "Quem tem força, tem preço".

Nas palavras de Ruy Espinheira Filho...

"(...)Aliás, está de volta a moda de se politizar tudo. Antes eram os comunistas, socialistas, democratas que combatiam a ditadura; hoje, malta hipócrita que, aproveitando-se de certas reivindicações sociais, e de olho em diversas benesses, rouba, mais uma vez, espaço e voz daqueles que não se deixam cooptar, preferindo manter sua liberdade de criação. Ou seja, não vendem sua arte, o que significa que se tornam cada mais marginalizados, enquanto a mediocridade venal explode em glória nos palcos da vida (...)"

E, perde-se um dos Bons...

O bom teatro perde um dos seus maiores homens: morreu Sérgio Britto.

quinta-feira, dezembro 15

De volta à investigação da traição feminina: Uma peça animalesca, feita de carne e hormônios a flor da pele...

A 'Falecida' é uma tragédia carioca onde destaca-se a predominância absoluta dos instintos sobre a racionalidade humana. trata-se de uma visão animalesca e naturalista do ser humano, as personagens aparecem defecando no banheiro, espremendo cravos, fazendo sexo, traindo de modo impulsivo e selvagem.


Bôra com essa Zulmira, Duda!

Glorinha é o "maior pudor do Rio de Janeiro"

Zulmira (numa vidência) - Quando eu morrer, Glorinha há de estar, na janela, assistindo, de camarote, o meu enterro, gozando. Ela sabe que estamos na última lona e, portanto, que meu enterro deve ser de quinta classe. Olha! eu quero sair daqui! Nada de capelinha! Se Glorinha soubesse! Se pudesse imaginar que eu, na surdina, estou tomando minhas providências!"

(...) "A Falecida confessou a Pimentel que odiava o marido porque ele lavara as mãos durante toda a lua-de-mel, como se tivesse nojo dela, e porque a chamava de fria. [Na cama com Pimentel, ela gostava de berrar: "estou traindo meu marido!"]

'"O teatro... os intelectuais...

eles vão chegando a pouco e pouco. Vêm tarde, mas vêm. É preciso, no entanto, que venham logo. O teatro não pode esperar mais. Caso urgente, urgentíssimo. Se preciso, anunciemos no Jornal do Brasil: "O teatro nacional precisa dos intelectuais brasileiros. Há vagas para todos. (P.S.: É favor não se apresentar quem não estiver em condições".)

Pichemos as paredes: "Venham todos aqueles capazes de quebrar rotina. Chega de ramerrão. Algo para o espírito reclamamos. Precisamos de esforço novo".'

Esse desabafo foi veiculado em uma das edições do 'Diário de Notícias' do ano de 1946, pelo crítico de teatro Daniel Caetano. Ao que parece as coisas não mudaram muito, certo?

quarta-feira, dezembro 14

Sobre Fiódor Dostoiévski:

Surgiu bem a propósito o doce comentário de 'Anônimo'. Porque no momento estou muito imbuído da obra do autor russo. Trabalho há alguns meses na tradução da novela 'Записки из подполья'(Zapíski iz' pódpolia). Que tal fazer sua estréia com este Dostoiévski, anônimo? Já existe, por sinal, uma ótima tradução da editora 34. Boa leitura!

Vem coisa boa por aí...

Aqui no Rio já estão sendo preparados nove espetáculos de Nelson rodrigues para 2012, ano em que a 'flor de obsessão' completa 100 anos de nascimento. Serão duas montagens de 'A falecida', uma de 'vestido de noiva', uma de 'A serpente', duas de 'A Mulher Sem Pecado', duas de 'Boca de ouro' e uma de 'Perdoa-me por me traíres'. Com certeza, outras produções serão noticiadas até fevereiro...

segunda-feira, dezembro 12

Estou no RJ, já já estou de volta... Enquanto isso, relembremos o bom e velho Nelson Rodrigues...

... "O Crítico é o vira-latas do teatro". Dessa, a minha boa M. J. vai gostar.

sexta-feira, dezembro 9

Crítica do espetáculo 'O homem da Tarja Preta'

Amigos, essa peça voltará a Salvador, no próximo fim de semana (16,17,18/12). Abaixo, reproduzo as impressões que anotei sobre o mesma quando da sua última aparição por SSA.

'O homem da tarja Pálida'...


Que Deus me ajude. (paro. vou à janela. respiro. tomo café. continuo.) Meus poucos amigos sabem que se escrevo sobre uma peça de teatro na mesma noite em que a vi, das duas uma: Ou gostei muito ou...
Quando alguém que não é escritor de teatro (dramaturgo) se mete a fazer o que não sabe, parindo uma bula de um Frankenstein, quando uma atriz atrapalhada e desatenta se mete a dirigir teatro e ajuda vaidosamente a materializar o monstro, quando um sujeito que tomou inadequadamente para si o título de ator se atreve a interpretar aquilo que seria um monólogo (talvez o formato cênico, depois da ópera, mais difícil de ser realizado), quando toda uma equipe de gente se junta com muita ilusão, pouca técnica e nenhuma inspiração, temos o “espetáculo” de teatro O Homem da Tarja Preta. Este é, sem dúvida alguma, o pior espetáculo que já vi. E olha que já vi muito teatro. E muita coisa ruim. Mas o que vi na noite desta sexta-feira 29, no teatro da Casa do Comércio, em Salvador, foi uma catástrofe! Que Deus nos abençoe!
O Homem da Tarja Preta é escrito pelo psicanalista Contardo Galligaris; a direção é da atriz Bete Coelho; O ator solando é Ricardo Bittencourt. Reza a lenda que Contardo e Bittencourt tiveram a idéia do espetáculo numa noitada e, em seguida a Coelho embarcou no projeto. O que se sabe mesmo, de certo, é que Contardo, um profissional com mais de trinta anos de experiência em psicanálise clinica, perdeu uma ótima chance de ter escrito um texto ao mínimo regular. Perdeu uma boa oportunidade de transformar em arte dramatúrgica os relatos dos inumeráveis pacientes que teve ao longo do tempo. Se o autor tinha por objetivo discutir as peculiaridades do universo masculino (ele mesmo diz que pretende dividir com a platéia as indagações metafísicas a respeito de “o que é um homem?” e “como é ser homem?”), e se, além disso, ele também almejava se lançar na já, tão batita, abordagem sobre as revoluções provocadas pela Internet nos diversos tipos de relações humanas, ele o fez de maneira atabalhoada e sem o menor indício de veia artística e comunicativa. Contardo produz um objeto textual opaco. No que diz respeito ao conteúdo, ele deu provas de que não possui habilidade para dar tratamento ao texto, não sabe selecionar o que precisa ser eximiamente selecionado. Deveria ter-lhe ocorrido que não se pode contar algo ao público através do mesmo método que os seus pacientes vomitam suas histórias no consultório. Um grande dramaturgo talvez lhe esclarecesse que, tal qual fazem os ruminantes diante da comida, um escritor de teatro deve encarar seu material como um suculento bolo gástrico, fermentá-lo, digeri-lo, esculpi-lo e depois lapidá-lo. Ao escritor cabe selecionar o que, quando, e como cada frase de seu texto atingirá o íntimo do espectador. E aqui já diz respeito também as questões formais. O texto de Contardo é deformado.
E não me venham com essa de que eu sou exigente demais, ou como dizem alguns, que eu não gosto de nada. Sem essa, cara pálida. Se alguém tem a cara de pau de botar um espetáculo em cartaz assinando o texto, ele que pesquise, que experimente, que encontre um jeito de fazer algo com algum valor devidamente artístico. A arte não é para todos. Vamos parar com esse papo politicamente correto de que todos são potencialmente artistas, não somos não! A prova está aí, fui ao teatro para ver um belo espetáculo, que tratasse de maneira original, séria ou divertida as famigeradas vidas virtuais nossas de cada dia, esperava mais ainda ver os nossos diversos dilemas do mundo masculino ser virtuosamente dissecados, ironizados, ampliados, desmascarados, cumpliciados, apiedados, compartilhados, humilhados. Mas nada! O que presenciei foi apenas um fedorento arroto pornofônico. O que de fato ouvi foi a palavra “PAU” ser gritada umas oitenta vezes, o delicado verbo TREPAR ser conjugado umas cento e vinte. Sofri, dormi, e superei mais de uma hora de muita babaquice.
Em teatro costuma-se dizer que um diretor ruim pode colocar um ótimo texto a perder. Fato indiscutível. Mas também se diz que um diretor preparado e empenhado pode amenizar as deficiências e inconsistências da peça escrita. A diretora (atriz!) Bete Coelho não consegue, pois, curar o texto de Contardo. Sua encenação é desastrosa. Não é fácil dirigir um monólogo – mas como dizem os baianos da gema, “se não agüenta, pra que veio?”. Trabalhar um monólogo é brigar o tempo todo contra a ameaça constante de provocar monotonia no público. Antes de tudo o diretor tem de se mostrar um bom diretor de ator, o que Bete demonstrou que não é. Bittencourt relata que eles fizeram ‘minuciosos, obsessivos e apaixonados ensaios’, perderam tempo então, porque não se nota esse processo no resultado final. Mas ainda sobre a corrida contra o fantasma da monotonia, em monólogos a direção tem de explorar bem a movimentação, ou a disposição do ator e do cenário (se este existir) sobre o palco. Isso a diretora não faz. É preciso ainda criar uma perfeita sintonia de tempo, rítmo, compasso entre as ações do ator com o trabalho de todos os elementos do espetáculo. Isso também a diretora não consegue fazer. Espetáculo de texto ruim, com direção frouxa. Valha-me, Deus!
A luz de Wagner freire é muito descarada. A sonoplastia, que poderia ter ajudado... Alguém lembra? O figurino de Rodrigo Fraga vai ganhar o Shell do descabimento, que licença poética hiperbólica é essa de colocar alguém que trabalha, de madrugada, na própria casa, usando terno, e fúnebre?! Rodrigo como sempre, é inteligente demais para meu pequeno cérebro. Agora a cenografia, ai, ai... A Flávia Pedras Soares, ex mulher de Jô Soares, quis criar um home-office de apartamento de classe média, mas o que ela fez, mesmo, foi a reconstrução daquilo que imagino se aproximar muito de um lúgubre compartimento da biblioteca de Alexandria, aquela que pegou fogo, lembra? Pois bem, não satisfeita com esse desastre visual e semântico, esta senhora ainda me inventou ter realizado a direção de arte deste monólogo. Gente... Direção de arte é uma função oriunda do cinema, presume-se qualidade, riqueza artística, precisão. Até agora eu estou procurando esta direção de arte de Flávia Soares. Oh Jô, me ajuda aí, Jô! Pedras, Pedras...
Eis que não se pode deixar de comentar o desempenho da interpretação de Ricardo Bittencourt, ator vindo de escolas e de diretores viscerais como o baiano Paulo Dourado e o paulistano Zé Celso Martinez. Ricardo que me perdoe, mas neste trabalho ele está dando um vexame de ferir de morte qualquer amante do bom teatro. Zé Celso é um gênio, mas o ator que trabalha muito com ele corre o risco de perder o norte das coisas, anoto. No palco, o personagem de Ricardo é um *bufão indigesto. E não me venham os senhores sabichões de Plantão dizer que esta foi a intenção, porque está indigesto demais para conseguir ganhar a atenção de qualquer público que tenha estômago. E igualmente não me venham falar que a tal da intenção foi incomodar e chocar mesmo a platéia, porque essa é a única função que sobrou ao teatro dito pós-moderno, do qual o Zé Celso (professor do Ricardo) é mestre e doutor em fazer e defender e arrotar. Do trabalho de Bittencourt neste monólogo, nada se salva.
E se eles dizem que ‘O Homem da Tarja Preta’ é um espetáculo sobre uma das maiores questões do mundo moderno – “Não é fácil ser homem!” – eu já digo que o fracasso e a falta de qualidade do trabalho deles, me fez refletir ainda mais sobre aquela que é, sim, uma das maiores questões do Teatro Moderno: diante de tanta coisa mal feita, sem inspiração e sem sentido artístico e intelectual, e ainda sofrendo a concorrência titânica dos meios de comunicação de massa, até quando o teatro existirá?

*Bufão: diz respeito a um tipo do mundo dos palhaços. Tem por características ser extremamente desagradável, violento e extravagante. Podendo arrotar, bufar, escarrar, urinar, cagar, se masturbar, copular, agredir os seus contracenas e mesmo, a depender do caráter da apresentação, o próprio público. (nota de Hedre)

Hedre Lavnzk Couto

Espetáculo visto em 29/01/10 em Salvador.

p/ Carol, com saudades.

de Fredie Didier

"É preciso que o rigor não seja interpretado como tirania, o refinamento como boçalidade, e a inteligência, como insulto".

Boa reflexão, não?!

terça-feira, dezembro 6

Muita Gentileza...

Queridas Duda Sobral (Niterói) e Svetlana Petrovna (Moscow), muito obrigado.

Hedre Lavnzk Couto.

sábado, dezembro 3

Crítica do espetáculo ‘Árvores Abatidas ou Para Luis Melo’

‘Árvores Abatidas ou Para Luis Melo’, peça paranaense, é o melhor espetáculo que vi em Salvador, neste ano de 2011. Surpreendente e consistente. Teatro, no sentido pleno da arte.

Trata-se de um monólogo, inspirado em obra do romancista e dramaturgo Thomas Bernhard, com texto e direção de Marcos Damaceno, desempenhado pela completa atriz Rosana Stavis.

O OUTRO, COMO ESPELHO

Convidada para um jantar da classe artística, ela (também uma artista), encontra-se sentada na “megera” anti-sala-de-estar da casa dos Auesberg, aguardando pela chegada do homenageado da noite, o famoso ator brasileiro, “que faz até telenovelas”, Luis Melo... À medida que o tempo passa e prolonga-se a espera, a personagem vai escancarando ao público ‘a dor e a delícia’ de seu convívio social com as idiossincrasias do meio artístico.

Com temperamento impudico e lúdico, a sarcástica observadora destila o seu veneno ácido, um metralhadora potente, cuja munição é crítica sagaz e muitíssima bem humorada, que atinge a todos em cheio: escritores, músicos, atores, diretores, críticos, e até espectadores. Porém, texto e direção são de tal ordem sensíveis, que aquilo que se vê em cena está longe de ser um discurso deslocado ou mesquinho, ao contrário: mesmo sendo um alfinetada contundente aos egos exacerbados, a personagem não esconde possuir os mesmíssimos ‘defeitos’ dos pares, e o resultado não deixa de ser um abraço honesto a “essa gente com a qual eu decidi conviver”.

COMPETÊNCIA

Por outro lado, a despeito do assunto ou temática, a meu ver, o que mais qualifica a peça é justamente a plenitude verificada na sua execução: verdadeira aula de como lidar habilidosa e equilibradamente com os elementos do espetáculo, construindo um objeto artístico onde as partes, afinadas, se alinham formando um todo cativante.

SE MONÓLOGO, LOGO DIFÍCIL

O monólogo pode, longe de dúvida, ser dito ao lado da ópera como os dois formatos cênicos mais complexos. Por isso, ao cabo de 80 minutos, aplaudi com entusiasmo este ‘Árvores Abatidas...’ Marcos Damaceno orquestrou de maneira inteligente todos os artistas que trabalharam na composição da peça. E o resultado disso? Bom teatro. E no bom teatro o público raramente nota a presença do diretor. Porque lá tudo parece simples, parece obedecer as inexoráveis leis da natureza.

O monólogo de Damaceno não cai em monotonia em hora alguma. E como ele conseguiu? Ora, ele é um artista talentoso e [EFICAZ!]. Escreveu um ótimo texto. Escolheu uma ótima atriz e a dirigiu minuciosa e brilhantemente. Entendeu que para um monólogo não desabar em vários poços de desinteresse, faz-se preciso eleger, cirurgicamente, os tipos, os momentos, as intensidades das transições – tanto as relacionadas com a composição ‘psico-física’ da personagem bem como as outras resultantes da interação daquela com o espaço e o público. Simples, acertar assim? Não. É difícil mesmo. E poucos diretores conseguem.

TEATRO DE CÂMARA?

Assim a escolha da direção por uma cenografia altamente funcional (uma poltrona móvel sobre um esplendoroso tapete persa) perfeitamente entrosada com uma iluminação eficiente (que, na minha opinião, mereceria, por vezes, ser mais recortada) e mais a providencial presença de um violinista, à esquerda baixa do palco, que, construindo ao vivo a trilha sonora, acaba por estabelecer com a personagem a dinâmica de um verdadeiro diálogo musical; aliado a escolha de um figurino ‘simplificado’, tudo isso, todas essas decisões acertadas e discretas, conferem ao espetáculo um sensação de estarmos recebendo aquela curiosa figura daquela mulher em nossa própria sala-de-estar. Uma agradável e divertida visita, proporcionada por um belo exemplar de teatro câmara.

ROSANA STAVIS

É uma felicidade estarmos na presença de uma grande atriz. Com este trabalho Rosana Stavis comemora duas décadas de carreira. Só posso dizer que é um aniversário em grande estilo. Brinda-nos ela com uma versatilidade impressionante. Trabalho corporal apuradíssimo. Além de manifestar admirável domínio vocal: basta dizer que chega a presentear a platéia com instantes de canto lírico.

END

A iluminação e a cenografia são de Waldo León. E composição musical, de Gilson Fukushima. E o figurino, de Maureen Miranda. Eu recomendo este espetáculo que estará em cartaz, em salvador, na Caixa Cultural até domingo próximo, sempre às 20 horas. É mesmo uma pena que quem faz teatro não assisti teatro – por na maioria das vezes está, também, no teatro, trabalhando. Mas, como temos pouquíssimos espetáculos ora em cena, sugiro, principalmente a atores e diretores que o vejam.

Ps: Carolina vai ficar “P.”, mas, esta crítica irei dedicar a Maria João, minha leitora mais que assídua, que acabou de inaugurar a promissora profissão de crítica de crítico de teatro.

P/ M. J., com meloso afeto.

Hedre Lavnzk Couto.

sexta-feira, dezembro 2

O teatro do Diretor...

“É tarefa do diretor encontrar o ponto de vista a partir do qual poderá descobrir as raízes da criação dramática. (mas,) Este ponto de vista não pode ser escolhido arbitrariamente”.

Piscator.

quinta-feira, dezembro 1

Dawson Ilha 10

Está em cartaz, a mais mova película do diretor chileno Miguel Littin.

Embora a narrativa seja inconsistente e o elenco no geral desempenhe um trabalho irregular, sem dúvida, vale o bilhete.

Inspirado no livro 'Isla 10', de Sérgio Bittar, o filme aborda parte de um delicado momento vivido pela nação chilena, com o advento da ditadura do general Pinochet. O interessante é que a direção não se rende a eterna tentação da arte maniqueísta - aquela incorruptível, para alguns cineastas, guerra entre mocinhos e vilões. Ao contrário, longe de ser piegas, o novo Littin é inteligentemente reflexivo.

Além disso, é uma boa oportunidade para admirar a excelente performance do ator baiano Bertrand Duarte - uma construção de personagem bastante pormenorizada, cativante e minimalista, no melhor estilo "menos é mais".

Melhor papel já defendido por Bertrand, 'sin embargo'.


Hedre Lavnzk Couto

"Senhor, dê-nos liberdade de pensamento". Schiller.