sábado, dezembro 3

Crítica do espetáculo ‘Árvores Abatidas ou Para Luis Melo’

‘Árvores Abatidas ou Para Luis Melo’, peça paranaense, é o melhor espetáculo que vi em Salvador, neste ano de 2011. Surpreendente e consistente. Teatro, no sentido pleno da arte.

Trata-se de um monólogo, inspirado em obra do romancista e dramaturgo Thomas Bernhard, com texto e direção de Marcos Damaceno, desempenhado pela completa atriz Rosana Stavis.

O OUTRO, COMO ESPELHO

Convidada para um jantar da classe artística, ela (também uma artista), encontra-se sentada na “megera” anti-sala-de-estar da casa dos Auesberg, aguardando pela chegada do homenageado da noite, o famoso ator brasileiro, “que faz até telenovelas”, Luis Melo... À medida que o tempo passa e prolonga-se a espera, a personagem vai escancarando ao público ‘a dor e a delícia’ de seu convívio social com as idiossincrasias do meio artístico.

Com temperamento impudico e lúdico, a sarcástica observadora destila o seu veneno ácido, um metralhadora potente, cuja munição é crítica sagaz e muitíssima bem humorada, que atinge a todos em cheio: escritores, músicos, atores, diretores, críticos, e até espectadores. Porém, texto e direção são de tal ordem sensíveis, que aquilo que se vê em cena está longe de ser um discurso deslocado ou mesquinho, ao contrário: mesmo sendo um alfinetada contundente aos egos exacerbados, a personagem não esconde possuir os mesmíssimos ‘defeitos’ dos pares, e o resultado não deixa de ser um abraço honesto a “essa gente com a qual eu decidi conviver”.

COMPETÊNCIA

Por outro lado, a despeito do assunto ou temática, a meu ver, o que mais qualifica a peça é justamente a plenitude verificada na sua execução: verdadeira aula de como lidar habilidosa e equilibradamente com os elementos do espetáculo, construindo um objeto artístico onde as partes, afinadas, se alinham formando um todo cativante.

SE MONÓLOGO, LOGO DIFÍCIL

O monólogo pode, longe de dúvida, ser dito ao lado da ópera como os dois formatos cênicos mais complexos. Por isso, ao cabo de 80 minutos, aplaudi com entusiasmo este ‘Árvores Abatidas...’ Marcos Damaceno orquestrou de maneira inteligente todos os artistas que trabalharam na composição da peça. E o resultado disso? Bom teatro. E no bom teatro o público raramente nota a presença do diretor. Porque lá tudo parece simples, parece obedecer as inexoráveis leis da natureza.

O monólogo de Damaceno não cai em monotonia em hora alguma. E como ele conseguiu? Ora, ele é um artista talentoso e [EFICAZ!]. Escreveu um ótimo texto. Escolheu uma ótima atriz e a dirigiu minuciosa e brilhantemente. Entendeu que para um monólogo não desabar em vários poços de desinteresse, faz-se preciso eleger, cirurgicamente, os tipos, os momentos, as intensidades das transições – tanto as relacionadas com a composição ‘psico-física’ da personagem bem como as outras resultantes da interação daquela com o espaço e o público. Simples, acertar assim? Não. É difícil mesmo. E poucos diretores conseguem.

TEATRO DE CÂMARA?

Assim a escolha da direção por uma cenografia altamente funcional (uma poltrona móvel sobre um esplendoroso tapete persa) perfeitamente entrosada com uma iluminação eficiente (que, na minha opinião, mereceria, por vezes, ser mais recortada) e mais a providencial presença de um violinista, à esquerda baixa do palco, que, construindo ao vivo a trilha sonora, acaba por estabelecer com a personagem a dinâmica de um verdadeiro diálogo musical; aliado a escolha de um figurino ‘simplificado’, tudo isso, todas essas decisões acertadas e discretas, conferem ao espetáculo um sensação de estarmos recebendo aquela curiosa figura daquela mulher em nossa própria sala-de-estar. Uma agradável e divertida visita, proporcionada por um belo exemplar de teatro câmara.

ROSANA STAVIS

É uma felicidade estarmos na presença de uma grande atriz. Com este trabalho Rosana Stavis comemora duas décadas de carreira. Só posso dizer que é um aniversário em grande estilo. Brinda-nos ela com uma versatilidade impressionante. Trabalho corporal apuradíssimo. Além de manifestar admirável domínio vocal: basta dizer que chega a presentear a platéia com instantes de canto lírico.

END

A iluminação e a cenografia são de Waldo León. E composição musical, de Gilson Fukushima. E o figurino, de Maureen Miranda. Eu recomendo este espetáculo que estará em cartaz, em salvador, na Caixa Cultural até domingo próximo, sempre às 20 horas. É mesmo uma pena que quem faz teatro não assisti teatro – por na maioria das vezes está, também, no teatro, trabalhando. Mas, como temos pouquíssimos espetáculos ora em cena, sugiro, principalmente a atores e diretores que o vejam.

Ps: Carolina vai ficar “P.”, mas, esta crítica irei dedicar a Maria João, minha leitora mais que assídua, que acabou de inaugurar a promissora profissão de crítica de crítico de teatro.

P/ M. J., com meloso afeto.

Hedre Lavnzk Couto.

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