quarta-feira, agosto 18

'Vincere'(?)

Quando uma mulher ama um homem, olha-o com olhos esbugalhados. Porque deseja engoli-lo, guardá-lo e devorá-lo dentro de seu ventre. Na cama, enrosca-se no sujeito, e, invariavelmente, tem orgasmos múltiplos. Mas não pára por aí, quando admira um homem, os sonhos e aspirações dele transmutam-se em seu próprio projeto de vida. Escuta-o, deveras entusiasmada, falar de seus ideais, de suas frustrações e de seus, sempre ridículos, desejos de dominar o mundo. Pior. Esta mulher, amando, é capaz de vender tudo que possui para financiar àquele as utopias mais irresponsáveis. Já quando preterida por outra, e renegada por ele, anula-se, enlouquece e morre.
Milão, Itália. 1914. Ida Dalser é uma bela modelo. Numa tarde, da calçada, avista no meio da multidão, em passeata, um homem que lhe desperta um sentimento arrebatador. Apaixona-se naquele instante pelo jovem e espalhafatoso Benito Mussolini. Líder do Sindicalismo, membro radical do Partido dos Trabalhadores, Benito é nesta altura um mero diretor de um ‘impresso político’. A velha Itália anda agitada, nunca fora uma Nação propriamente. Ainda carrega o fardo caótico de, historicamente, seu desenho territorial-político jamais ter configurado uma Unidade. A idéia de ‘Itália’ é novidade, neste momento o sentimento de ‘Povo Italiano’ é algo perigosamente inicial, os velhos Ducados, Pricipados, Papados e Reinos se encontram há pouco tempo sob a batuta de uma Monarquia centralizadora, e da Igreja ainda bastante influente. Experimenta-se uma incisiva Campanha Nacionalista. Quer-se transformar um mosaico cultural e lingüístico em um Povo, que ver-se forçado a abadondar seus milenares dialetos para falar o Italiano. Em paralelo, ora inventa-se parte da história, ora costura-se parte dela, exaltando-se e exumando-se os feitos dos Grandes Pais da Itália, primeiros a pensar a Unificação.
Contudo, as insatisfações e conflitos internos são em número muito superior aos bons resultados, de faixada, ostentados pela Monarquia. A máquina administrativa é falha, os impostos são exorbitantes, não se consegue produzir, há desemprego e fome. O Movimento do Proletariado cresce em força em toda a Europa. Em uma palavra, a Itália é uma bomba-relógio. E eis que explode no dia 28 de junho, com um tiro que vem de Sarajevo, que lá mata o arquiduque Francisco Ferdinando da Austria, fato estopim da Primeira Grande Guerra Mundial.
Benito Mussolini nesta data já tinha fundado seu próprio jornal, financiado pela venda dos bens da apaixonada Ida Dalser. Através das páginas de ‘Il Popolo d’Itália’ tornou-se forte o bastante para passar por cima da ala moderada do Partido Socialista, que vetava a entrada da Itália na Guerra, por considerar que a guerra jamais beneficia o trabalhador. Mussolini, todavia, já tinha força e queria o embate, organizou os Grupos de Ação Revolucionária, e em 1915 os Italianos partiram para o front. Em 1917, Mussolini retornou ferido e glorificado. Continuou editando seu Jornal e atacando de maneira cada vez mais violenta os Socialistas. Em 1919, fundou os chamados ‘Grupos de Combate’, movimento de ideologia socialista-nacionalista que pregava a abolição do Senado, a instalação de uma nova Constituinte e o controle das fábricas por operários técnicos. Em 1921, Mussolini foi eleito para o Parlamento, estava criado o Partido Nacional Fascista. Daí então a ascensão total do Duce ao poder ocorreu de maneira avassaladora. Em 1922 ele organizou uma marcha contra Roma, chantageou o Rei Vitor Emanuel, e recebeu desse, carta branca para formar um novo governo. O Parlamento, cooptado pela força do futuro ditador, conferiu-lhe plenos poderes. Em 1925, instaurou-se a Ditadura Fascista, que só chegaria ao término em 1945, com a morte de Mussolini por Fuzilamento.
Fascismo! Figuras como Benito Mussolini surgem em momentos de grandes depressões sociais e, camuflados em peles de salvadores da Pátria, de Méssias, de grandes homens que sacrificam suas vidas e suas individualidades em prol dos semelhantes e do Bem Comum, alcançam o poder e o resultado é catastrófico para seus concidadãos. Tal qual muitos outros líderes, tragamos à baila alguns populistas atuais sul-americanos - Mussolini ao revés do que muitos se deixam enganar, era antes de qualquer outra coisa um maníaco egocêntrico, movido por um projeto pessoal de poder, conta-se que ele dizia que almejava ser maior que Napoleão. A personalidade pérfida do Ditador fica evidente nos pilares e pressupostos guiadores de sua doutrina Fascista: o Regime Fascista era totalitário; ditador; o Nacionalismo preconizado, tal qual o da Alemanha, era agressivo, impulsionado pelo fetiche do militarismo, do imperialismo, pelo culto do chefe, pelo anticomunismo e pelo corporativismo. Na perseguição de sua megalomania, Mussolini instalou na Itália um regime de Partido Único, Direitos individuais dos Cidadãos passaram a ser ignorados, o Parlamento foi transformado num simples órgão consultivo, criou-se a polícia política e a oposição sofreu repressão violenta.
A histórica é cíclica, repete-se, inclusive em continentes diferentes. Muito se fala em Neo-Fascismo. Ou em análises mais corriqueiras emprega-se o termo Fascista de maneira a cunhar determinadas posturas de alguns governos ou Estados, ainda hoje deslocados da urgência da realidade democrática Global. Mas se de uma parte é evidente que o Fascismo, exatamente como ocorreu na Itália, não mais existiu, de outro tanto, podemos facilmente comprovar que em alguns Estados ou governos ainda podemos apontar muitas das práticas levadas a cabo pela doutrina de Mussolini.
Acompanhem-me a um breve passeio pelos oito anos de governo federal do PT. Antes nunca é demais lembrar, traçar paralelos históricos, no mínimo curiosos: Mussolini era líder sindical. Lula também o foi. Lula é o ícone do Partido dos Trabalhadores. Mussolini, idem. Passemos adiante: o Fascismo, desde os tempos de Mussolini tem a mania de pregar que inventou tudo; tem a mania de negar o passado explícito; para o Fascismo a história passa a existir com sua ascensão ao poder. Qualquer semelhança com a pública e notória frase do presidente do Brasil “nunca antes na história ‘destepaiz’...” é mera coincidência. O Fascismo de Mussoline fazia culto ao chefe; hoje no Brasil Lula é tão cultuado que conseguirá eleger sua substituta (uma desconhecida) no primeiro turno das Eleições. Se na máquina pública de Mussolini preponderava a corporativismo, o governo Lula foi aquele que mais aparelhou e loteou a máquina pública brasileira. À maneira do Fascismo, o PT se tornou na prática um Partido único no Brasil. Também como na Itália daqueles anos tristes, o Parlamento Brasileiro transformou-se num órgão consultivo (vide Mensalão). Da mesma forma como o fizeram os Fascistas, no Regime Petismo o Direito dos Cidadaos não são respeitados (vide quebras de singilos bancários e dados sigilosos, desde o caso do caseiro Francenildo, por ordem do ministro da Fazenda). Se os fascistas italianos perseguiam a Igreja, os petistas querem tirar os crucifixos das repartições, que lá estão pousados em harmonia nacional há séculos. Se Mussolini tinha sua polícia política, O Petismo tem a Polícia Federal e suas operações midiáticas ‘caça-pijamas’. Por tudo dito e comparado, é facilmente assimilado e comprovado, que hoje no Brasil vivemos sob um Regime de herdeiros diretos de Mussolini.

Analisando o filme ‘Vincere’...
... No geral assiste-se a um filme e verifica-se que a fotografia é extraordinária; ou quem sabe a direção de arte primorosa; o roteiro instigante; ou os diálogos vivos; os figurinos minuciosos e inventivos; a trilha sonora inspiradora; a interpretação inesquecível, a direção cuidadosa; enfim, constatar e elogiar a plenitude da concepção e execução de um ou mais elementos que constitui o objeto artístico ‘filme’ é habitual, mas o inusitado, o mais prazeroso e surpreendente é quando nos deparamos diante da grande tela com o Melhor Cinema. E melhor cinema, leitores, é ‘Vincere’! Absolutamente! É um filme digno de entusiasmo. Todos os aspectos do filme estão maravilhosamente adequados e emocionantes.
O roteiro de Daniela Ceselli e Marco Bellocchio é merecedor de a platéia levantar-se para aplaudir. O próprio Marco Bellocchio realizou a direção e isso foi importante, porque só um diretor roteirista e um roteirista diretor poderiam ter ousado tanto. Coragem é a palavra para brindar o talento e o momento impar da inspiração dessa direção. Bellocchio não tem medo de experimentar no filme. O diretor parte de um roteiro baseado em fatos históricos, mantém força dramática e o tom documental necessário, no entanto, ele nos presenteia com uma aula prazerosa de narrativa. Bellucchio, como que inspirado pelas mais ousadas e espojadas técnicas de narrativa do teatro épico, torna lírico, um filme que poderia ter-se tornado chato sob uma coordenação desatenta.
Em Vincere é cinema dentro do cinema. É metacinema. Com filmes do cinema mudo e cine-documentos oficiais daquela época, nos mostrando Mussolini em imagens, creio algumas inéditas fora da Itália. De logo, o filme nos causa impacto quanto a fotografia, no geral pouca luminosidade, uma atmosfera sombria na maioria dos 130 minutos de duração, como que a metaforizar o período de sombras vivido pelos italianos naqueles dias; quando a luz aparece, é artificial e irônica. Outro ponto fortíssimo é a música do filme. Pulsante, como a sentir os sangue circulando pelas veias da Ida Dalsor. Inteligentemente, uma das únicas cenas onde não há música, pelo menos não convencional, é a cena de sexo, em tempo real, entre Mussolini e Ida. Em tal cena, a única musica é produzida pelos corpos, pela respiração de Ida, que se intensifica a medida que vem o gozo, e de sua voz repetindo uma certa frase bastante usual. Bela cena.
A Ida Dalser interpretada pela Giovanna Mezzogiorno é uma úlcera. Ela é tão boa que sentimos a dor, o espírito desnorteado dela, ressaltado por aqueles dois olhos grandes de atriz de cinema mudo. Decisão importante, anote-se, foi a opção de não usar atores para interpretar o Mussolini na fase madura, usando tão somente as imagens verdadeiras do próprio Duce real.
O desfecho da Segunda Guerra salvou a Itália de Mussolini e de seus Camisas Negras. O que nos salvará do Lula e de seus Camisas Vermelhas?

Texto dedicado aos bons professores de História.

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