terça-feira, agosto 10

'Uma Noite em 67'

Renato Terra e Ricardo Calil fizeram um documentário modesto. Verdadeiramente muito aquém da riqueza do material de que dispunham: o Brasil do final dos anos sessenta, com todos os seus conturbados ingredientes culturais e políticos. Contentaram-se em apresentar ao público os bastidores do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record.
Para tanto, usaram a técnica de intercalar cenas originais dos bastidores e das apresentações dos cantores no palco com entrevistas atuais daqueles artistas, hoje 44 anos mais experientes. Esse subterfúgio, apesar de previsível, ainda consegue criar um interessante contraste estético entre as cenas em ‘preto e branco’, originais do passado, e as coloridas, atualíssimas. Um outro ponto de apoio do filme é a generosidade dos entrevistados, que, com muito humor e franqueza, nos conta não menos que ‘reliquiosas’ minúcias de seus estados d’alma naquele período. Chega a ser prazeroso ver Chico, Caetano, Edu, Roberto, e Gil, confessando detalhes de suas vidas e de suas opções naquele início de carreira. Foi gratificante. Meus desconhecidos companheiros da platéia e eu soltamos muitas gargalhadas. Mas por outro lado, também rolei algumas lágrimas escondidas, talvez motivadas pela nostalgia sugerida pela ausência de cores das cenas originais.
Eu sou um apaixonado por história, aliás, eu gosto de tanta coisa; mas o que interessa é que boa parte da história do homem, notadamente a partir do final do século 19, está conservada e nos é apresentada através do ‘filme’ preto e branco, seja por via da fotografia ‘estática’ ou em movimento. E não nego que me causa um imenso prazer ver cenas de velhos documentários em preto e branco ou mesmo passar horas envolvido por cenas de filmes antigos, ainda não banhados pela policromia. Gosto de preto e branco. O Vagabundo Carlitos, colorido, que lástima!
Os anos sessenta, peculiarmente seus derradeiros anos, foram cenário de agitações e transformações em diversos setores das sociedades do Ocidente. Este nosso recorte da civilização sofria uma revisão de seus valores, em conseqüência ainda das muitas seqüelas deixadas pela recente Segunda Grande Guerra, e agora pela Guerra Fria, e pelos muitos conflitos bélicos levados em muitos cantos do globo, os ocidentais pareciam assim buscar uma resposta para o significado ou o sentido de viver, daí a eclosão do Movimento Hippie, do Movimento Feminista, do fortalecimento, para muitos, ameaçador, do Comunismo, de todos os movimentos que berravam por liberdade, igualdade e paz, e aí surgia a sintomática rebeldia, estampada e ostentada através das artes, sobretudo através da música, bem como das drogas, da liberalização sexual, no privilégio do ‘hoje’ em detrimento da perda de tempo em se pensar no ‘amanhã’. O mundo parecia esquizofrênico. Talvez, estivesse neurastênico. EUA e URSS disputavam seguidores e apontavam suicidamente seus mísseis escatológicos um para o outro. O fim parecia certo. Em tempos assim, o melhor para muitos era cantar, viver um eterno ‘hair’, muito melhor do que ‘sentar-se no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte a chegar’. Mas, e o Brasil? Como estávamos nós naqueles idos?...
Em 67 o Brasil já tinha Brasília, além das dívidas deixadas por JK; por outra, já se fabricavam aqui alguns dois fuscas, o pau d’gua do Jânio já havia caído fora, tínhamos escapado por pouco da imprevisível escalada da dupla caudilha Jango e Brizola, aquela que pretendia ser em solo tupiniquin a versão da dupla Fidel e Raul, transformando o Brasil num “Cubão” – essa expressão não é minha. Enfim, tínhamos há pouco mais de 3 anos caído nas garras dos militares, não menos inconseqüentes. - embora persistam dúvidas de quem teria sido pior para o País, uma ditadura Janguista administrada pelos camaradas, ou os indisciplinados anos de Médici.
Em 67, a coisa por aqui começava a endurecer, e, loguinho loguinho, em 68, surgiria o AI-5, ferramenta implacável do Regime de exceção, que mostrava que entrava e não queria sair de cena tão cedo. Neste período a ditadura ainda se fazia tímida, acreditava-se que seriam marcadas eleições democráticas e que o poder seria devolvido a um Presidente civil, isso não aconteceu. Mas a pergunta que não quer calar-se: Desde a renúncia de Jânio Quadros, no início da década, onde estavam e a que se dedicavam os jovens brasileiros? Quais eram suas posições e conceitos políticos? Talvez uma parcela dos jovens, impulsionados certamente pela histórica pilantropia da prática política partidária de nosso país e, profundamente fadigados com o descaramento dos políticos no trato com a coisa pública, caíram na armadilha da ilusão das promessas do não menos inconseqüente e perverso Comunismo. Já uma outra soma considerável desses jovens era apolítica, ou por acomodação, ou por falta de acesso a informação ou formação.
Fato é que havia uma ameaça no ar, vários são os historiadores e analistas que catalogam evidências de que João Gular (Jango), uma vez não deposto, teria firme aptidão e objetivo de perpetuar-se no poder, transformando-se num inabalável ditador populista, chefe de um Regime Totalitário Comunista, e Deus sabe o que seríamos hoje enquanto Nação. Mas nunca é demais fazer um exercício de futurismo retroativo – parece contra-senso – mas é possível: o que se tornou a Rússia Socialista? Basta saber que nos anos do maníaco Stálin qualquer camarada seu, ao passar pelas ruas e avistar qualquer bela mulher que lhe despertasse desejo, podia jogá-la dentro do carro e estuprá-la; ao final, com sorte ela podia voltar para sua família com vida, mas já sem dignidade, a maioria matava-se. Vejamos outros exemplos, o caso notório da parte do território Alemão que ficou décadas sob tutela dos socialistas, aquela que viria a ser a Alemanha Oriental, com a queda do muro de Berlim pode-se verificar o quão arrasado se encontrava a parcela Oriental do povo Alemão. E o que dizer das falácias da Coréia do norte? De um Regime guiado por um maníaco que mata seu povo de fome? Ou dos presos políticos cubanos mortos aos montes, enquanto Fidel tornou-se bilionário com a venda de açúcar e tabaco? A China? Caso muito complexo. No início dos anos 60 estávamos fadados a cair numa ditadura. A dúvida residia apenas em saber se seríamos flagelados pelos Camaradas vermelhos ou pelos Milicos revanchistas, que queriam ferrar os “Casacas” (civis) desde a guerra do Paraguai.
Hoje em 2010, temos um Presidente populista. Temos um Partido Único que parece que irá se perpetuar por décadas no poder. Não Temos mais Oposição. Os conservadores de fato se esconderam. Os jovens, onde estão? No Primeiro debate entre os presidenciáveis desta campanha, perguntei a 50 estudantes de direito de uma faculdade se eles o tinham acompanhado, pasmem, nenhum dos estudantes tinha se dado ao trabalho. É Provável que Dilma se eleja. É provável que Lula volte em 2014. É provável que os EUA invadam o Irã. É sabido que um Povo paga por precisar de heróis ou Grandes Pais. Eu conversava com um amigo, hoje pela manha, que talvez a nossa geração – atuais 18 a 30 anos – seja a geração mais perdida de todos os tempos. E por quê? Porque tivemos tudo nas mãos, e sequer somos capazes de pensar e ler. Somos piores do que a ‘Geração Coca-Cola’, somos a ‘Geração Dilma Rousseff’.

Hedre Lavznk Couto

Texto dedicado a João Ubaldo Ribeiro, porque eu tento, mas não consigo brincar de anacolutos.

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