domingo, maio 23

O épico do sapo que na preguiça de ser príncipe, transformou-se em presidente

Lula – o filho do Brasil. Vi esse filme de Fábio Barreto, adaptado de livro homônimo, o qual não li. Entrei em crise. Depressão, talvez. Tristeza profunda, certamente. Queria antes ser uma imensa avestruz, encontrar rapidamente um buraco no chão e fugir dessa tarefa. Mas vou “teimar”! Peço a Deus uma migalha de eufemismo e seguirei em frente. ‘Nunca antes na história desse país’ um filme foi realizado com um propósito tão ultrajante.
Vi estarrecido. E, diante do que vi na tela, duvidei de minha própria sanidade mental. E quando isso acontece a um Ser humano, o dano que lhe causaram é grave. Brasil! Brasil! ‘Que país é este?’ Que asilo de loucos é este que estão te tornando? Viva a liberdade de expressão e comunicação! Viva a liberdade de os cineastas produzirem os filmes sobre os mais controvertidos temas que lhes aparecerem à cabeça! Viva a liberdade que protege a possibilidade de os mais diversos políticos terem suas trajetórias e vidas narradas nas mais variadas telas! Mas mil ‘vivas’ também para aquelas pessoas que, mesmo diante da apatia geral, ainda conseguem esboçar indignação, diante das falcatruas mais nefastamente ornamentadas de singeleza.
Não me oponho que Lula ou qualquer outro político seja homenageado através de suas vidas relidas no cinema ou na televisão, muito menos à possibilidade de Fábio Barreto ou qualquer outro diretor explorar a recriação de tais personagens nos meios de comunicação de massa. Agora, me respondam só uma coisa: esse épico sobre Lula, um presidente da República que possui 83 pontos positivos nas pesquisas de popularidade, tinha que estrear exatamente num ano de eleição presidencial, onde este mesmo presidente tenta transferir toda essa popularidade a uma candidata a presidência inteiramente desconhecida? Tal filme não poderia ter estreado dois anos antes? Ou porque não esperar o término do segundo mandato do presidente para homenageá-lo? Com certeza os produtores de Fábio Barreto me diriam que não é bem assim, que em cinema tudo é programado com anos de antecedência, que tudo depende da captação; dos interesses dos patrocinadores; da disponibilidade dos atores e demais profissionais; dos acertos agendados com os exibidores; que a concorrência com os filmes estrangeiros é dura. Palavras, palavras, palavras... Todas a serviço da imoralidade! Qual seria mesmo os interesses desse número record de grandes empresas patrocinando esse filme? Um doce regalo ao bom presidente? O próprio Lula tinha obrigação moral de ter pedido a Fábio Barreto que este filme não tivesse estréia em 2010. E isso não seria censura. Seria bom senso. Mas com certeza, também da existência desse filme o presidente não sabia. É ‘legal’ a estréia desse filme neste ano de 2010, mas é imoral! O nosso já ferido Direito Eleitoral mais uma vez “comeu mosca”.
Lula – o filho do Brasil, não “é a saga de uma família Silva igual à odisséia de tantas outras famílias Silva deste Brasil”, trata-se antes, da mais desavergonhada Propaganda Partidária Política Eleitoral da qual os eleitores deste país já foram vítimas. O Brasil de hoje vem acumulando semelhanças preocupantes com os países que experimentaram os regimes ditatoriais Fascistas. Veja o caso, por exemplo, do que aconteceu na ex URSS, onde os também, Grandes Pais, respectivamente, Lenine e Stálin submeteram ou tentaram submeter, todas as artes e artistas russos aos comandos propagandísticos do PARTIDÃO. Literatura, música, artes plásticas, arquitetura, teatro, cinema todas essas artes e seus autores foram coagidos a existirem somente enquanto meios de manipulação das massas. Lá, literatos cineastas e homens de teatro, mesmo os não simpatizantes, foram obrigados a se engajarem nas diretrizes do Partido, sob risco de pena capital. Mas felizmente, lá na Rússia, haviam artistas que não se vendiam, e nem se intimidaram com aqueles duros tempos: Vsevolod Meyerhold, grande homem de teatro, recusou-se a fazer de suas peças instrumentos de propaganda política do Estado e foi assassinado. Sergei Eisenstein, maior cineasta russo, solicitado a se tornar o realizador oficial dos épicos propagandísticos do Partido, recusou a tarefa e teve sua carreira destruída, sendo execrado.
Tudo começa assim. Uma tempestade para que aconteça, antes necessita de calmaria para que se formem as grandes e negras nuvens. O populismo é uma praga que volta a pairar lentamente suas sombras tentaculares sobre a América do Sul. O populismo, manto protetor das mais vis ditaduras, se alimenta da simplicidade, da crendice e da falta de senso crítico do povo, que ora não tem tempo para pensar sobre o verdadeiro sentido de um filme que vê nos cinemas, porque se encontra mais preocupado em correr, porque deve trabalhar, mecanicamente, porque deve consumir e consumir irracionalmente aqueles produtos que alimentam os lucros astronômicos daquelas mesmas empresas que patrocinaram (desinteressadamente?) o filme do Lula.
Já no primeiro final de semana em cartaz nos cinemas do Brasil, o filme do presidente já levou às salas mais de 220 mil espectadores. É a curiosidade do povo, já picado pelo ferrão do populismo implacável, para ver o filme não do filho, mas do Pai do Brasil. Nos tempos onde o Brasil flertava abertamente com o Fascismo, em dia de aniversário de Getúlio Vargas era feriado Nacional. Em cada canto onde lhe interessava, Getúlio nomeava seus interventores. Seu poder popular era de tal espécie que ele era capaz de pegar pela mão um desconhecido e fazê-lo um fenômeno das urnas. Isso não nos lembra algo? Só que o fim de Vargas foi trágico. Os anos que se seguiram para o país até década de oitenta em função dos resquícios de sua ditadura, também. Estou preocupado. Mas os homens de Bem desse país não podem esconder suas cabeças dentro de buracos, feito avestruzes. É preciso combater o perigo de cabeça erguida e serena. Eu daqui faço minha parte. Saí do cinema com duas certezas: a primeira é a de que este filme influenciará decisivamente na quantidade de eleitores que, fieis ao herói Lula, não hesitarão em transferir sua confiança a candidata escolhida pelo grande Pai – que sabe o que é o melhor para a Pátria. A outra certeza, é a de que se Dilma for eleita presidente deste país, o fascismo pousará aqui a galopes largos.
Quanto a apreciação técnica do filme, me recuso a fazê-la com esmero. Na verdade é impossível para mim fazê-la. Pois não considero esse filme um objeto de arte. Mas finalizo dizendo que, para nossa sorte, nem mesmo um épico de massas o Fábio Barreto soube fazer com perspicácia. Seu filme não consegue sair do tom de novela das oito. Parece uma daquelas cansativas obras de Glória Perez. É inteiramente insosso e sem a mínima emoção até a parte onde o personagem Lula assume a presidência do sindicato. Daí então tenta algo, mas já é tarde, sobem os créditos finais acompanhados de várias fotografias. Seus enquadramentos são péssimos. Seus atores estão apáticos. O protagonista que faz o Lula na Fase adulta escorrega mais no personagem do que quiabo na panela. Glória Pires faz o filme desabar toda vez que abre a boca. Alias por que Glórias Pires neste filme se a própria ‘estrela’ do Lula já assegura milhões de espectadores? A intérprete de Dona Marisa é a única atriz que se salva. ‘Mas nunca antes na história desse país’ Cléo Pires esteve tão linda.


Hedre Lavnzk Couto

Filme visto em 04 de janeiro de 2010.

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