segunda-feira, julho 11

'Joana D'Arc' empalidece o TCA

Havia um bom pretexto (a saga de Joana D’Arc); havia a promessa da presença de uma personagem feminina forte, marcante, versátil e bem delineada psicologicamente. Havia a experiente assinatura dramatúrgica da professora Cleise Mendes; havia a encenação de Elisa Mendes, de quem anos atrás eu vi um ótimo Lampião e Maria Bonita; havia uma produção de Vírginia Da Rin; e haveria de ter, um brinde, às consistentes construções de personagens, alcançadas pelos seis bons atores que integram o elenco.
Não obstante as indagações de muitos sobre o porquê de se escrever, montar ou mesmo ver espetáculos que abordem acontecimentos e ícones históricos, o óbvio ululante, sem dúvida, é que a História nos ensina. Seja em sua totalidade, seja em seus fatos e acontecimentos determinantes. Os gregos já sabiam disso e há mais de 20 séculos já faziam uso didático da história, através da obra dos grandes tragediógrafos, promovendo diversas reflexões em seu meio social. Negar a importância instrumental da história na arte, portanto, é duvidar da capacidade de compreensão do homem. Por isso congratulo a iniciativa da dramaturga em trazer a peito a arriscada tarefa de parir uma Joana D’Arc, sobretudo com aspirações contemporâneas.
Por outro lado esse texto de Cleise Mendes surpreende pela fraqueza e insuficiência. Não consegue, nem timidamente, dar conta de comunicar e acender aquelas questões ‘atuais’ que a dramaturga relata (no folder) estar tratando em sua peça. Não consegue, pois, transformar Joana D’arc (século XV) em uma história do século XXI, para pessoas do século XXI.
Tarefa também espinhosa e não raro cheia de armadilhas é a arte da direção. Elisa Mendes perdeu a mão no espetáculo. A despeito da falta de profundidade do texto, a diretora tratou de impossibilitar à peça qualquer alternativa de mínimo sucesso. O que se viu como resultado de sua direção de atores foi uma coletânea de descuidos, equívocos e falhas, desembocando num penoso desperdício de talentos.
Vejamos o caso de Joana D’Arc. Esta personagem ora defendida por Jussilene Santana para que alcançasse suficiência teria de ter tantos ingredientes e minudências quantos necessários fossem, para despertar no público as paulatinas facetas e estádios da campesina-menina-guerreira-livre-mulher-iluminada-sedutora-aprisionada-confusa-santa! Não é uma personagem fácil. Levada como foi, a catástrofe é inevitável! E o que se verifica é uma mistura insuportável de pieguice com um waldeville mal executado. E aí, este espetáculo que mais do que qualquer outro necessita de uma protagonista, torna-se mutilado.
B. Brecht dizia que ‘infeliz do povo que necessita de heróis’. Discordo dele! Hoje, como nunca antes, precisamos de heróis, de bons exemplos de coragem e caráter. E eu, o espectador - o único motivo do teatro - precisava escutar o conclamar tocante da donzela francesa, e após a peça, mesmo que se passassem anos, relatar aos meus filhos e netos sobre a personalidade peculiar de uma grande mártir chamada Joana D’Arc. Como espectador receptivo precisava que diante de mim, uma heroína bem entendida e bem concebida, me incitasse à coragem para ajudar a amenizar os meus problemas e os problemas do mundo! Não ouvi, não vi, nem senti. Aquela que eu vi não era Joana D’Arc. Lembrava mais uma personagem do seriado global Malhação... uma menina desinteressante, banal, chorona e estridente. Foi o que Vi. Os únicos dois momentos em que acredito na heroína, foram, ironicamente, aqueles onde a direção fez a opção pela quebra, pelo distanciamento, onde a atriz-personagem faz depoimentos ao público. Aqui está o reforço de minha convicção de que a Jussilene Santana é plenamente apta a interpretar Joana D’ Arc brilhantemente, apenas necessita ser melhor conduzida.
No tocante a construção dos outros personagens destaca-se o Promotor, interpretado por Carlos Betão, que, talentoso e competente como sempre, cria um personagem muito interessante, mas que é prejudicado seriamente pelas opções de movimentação cênica adotadas pela direção. Caio Rodrigo, na pele do Duque D’Alençon, tem interpretação sem relevo, parou na forma. Os Soldados de Jefferson Oliveira apresentam graves distúrbios de dicção, sem dúvidas decorrentes de uma desatenção vocal por parte do ator. O Conselheiro do Rei defendido por Hamilton Lima é ótimo, com destaque para a cena em que simula uma conversa com o Rei ausente (?). Já o mesmo Hamilton deixa a desejar no papel do Bispo, que aparece vacilante e débil, quando, penso, deveria ser astuto e menos doce. Com La Hire, Antonio Fábio mostra mais uma vez que tem uma notável presença de palco, uma luz peculiar, mas tem seu personagem comprometido, ao passo que a diretora não tratou de tirar-lhe certos vícios corporais e vocais. Por último, o Warwick de Widoto Áquila tem bons momentos, mas traz uma fala ‘arranhada’ e, por vezes, um certo histerismo que faz fronteira perigosa com a canastrice. No geral as relações dos personagens entre si, e entre os personagens com o público, bem como as situações dramáticas foram definitivamente prejudicadas pelas movimentações cênicas estabelecidas pela direção. E os atores poderiam ter ido muito mais além, uma vez que tivesse ocorrido uma preocupação maior com a direção de ator.
Além de ter optado por uma inábil movimentação dos atores sobre o palco, Elisa Mendes também explora de maneira pouco hábil a geografia espacial do palco no que respeita a definição dos ambientes, e o ‘desenho de cena’. Às vezes sentimos que determinado ambiente teria sua dramaticidade melhor explorada se estivesse localizado não na direita baixa, mas sim na esquerda alta e assim por diante, por exemplo. Ou então aparecem resoluções de transição de cenas escandalosamente forçadas, como, por exemplo, num momento onde o ator que faz o Promotor vê-se numa transição espacial mal formulada, forçado a improvisar e, ainda sentado em uma cadeira, arrastar-se atabalhoadamente do centro do palco à esquerda média. Para esse tipo de arranjo, não há discurso de teatro anti-realista ou moderno que o salve.
Chegando agora numa apreciação geral da relação da direção com os elementos do espetáculo, a cenografia de Zuarte não ajuda, talvez até piore o espetáculo. Não sou um daqueles que entendem que o artista tem que inventar a roda a cada novo trabalho, mas a visão espacial, plástica e semântica de Zuarte para este espetáculo é no mínimo pouco ousada, além do que, mesmo embora tendo visto vários trabalhos notáveis deste cenógrafo, começo a desconfiar que neste espetáculo ele confunde acomodação com estilo.
A iluminação de Elisa não é satisfatória. Compromete muito o espetáculo. Não ajuda na delimitação e definição dos ambientes físicos e psicológicos. As velas utilizadas como iluminação auxiliar e móvel foram uma boa opção. Mas a luz perdeu, juntamente com a cenografia, de fazer um bom trabalho. Tiveram timidez em criar, ou mesmo sugerir uma imagem inesquecível da fogueira.
A sonoplastia também com assinatura de Luciano Bahia é talvez uma das melhores coisas do espetáculo. A composição da trilha é impecável, neste item tanto Elisa quanto Luciano foram muito hábeis. Por outro lado penso que efeitos sonoros poderiam ter auxiliado no tom adequado das cenas do julgamento.
Já nos figurinos foi feita uma opção de desenho e palheta tradicionais. Pouco ousado que, se no geral das vestimentas masculinos não agridem, essa falta de ousadia no figurino da heroína ajuda a apequenar ainda mais a já inexistente presença da personagem.
Em linhas gerais o que se ver neste espetáculo Joana D’Arc é um desencontro. Um texto que já nasceu frágil e que fez rima de debilidade com uma encenação tímida, lançando a bela Jussilene Santana e CIA em ‘horas mortas’. Fui ver um espetáculo e acabei vendo um ensaio aberto.


Hedre Lavnzk Couto

Esptáculo visto em Sábado, 12 de dezembro de 2009. 20 horas. Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Praça do Campo Grande. Salvador - Bahia.

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