segunda-feira, julho 11

Besteirol 1

besteirol

O rótulo Besteirol foi publicado pela primeira vez há 27 anos, na revista semanal Isto é, quando o crítico de teatro Macksen Luiz, escreveu suas impressões sobre o espetáculo As 1001 encarnações de Pompeu Loredo. O besteirol é um fenômeno teatral que explodiu no Rio de janeiro nos anos 1980, e, posteriormente, estendeu-se com sucesso arrebatador à toda cena do teatro brasileiro. Fato curioso é que, mesmo sua aparição sendo admitida na cena teatral carioca desde o inicio dos anos 1970; o primeiro grande sucesso do teatro besteirol surgiu na capital paulista, com “Quem tem medo de Itália Fausta”, 1979.
Contudo, para melhor compreender as ferramentas artísticas e a “despretensão” desse movimento teatral, faz-se necessário aludir ao contexto sócio-político das décadas de sessenta e setenta. Em tal período o Brasil vivia sob o peso da ditadura militar, que tinha tido início em 1964. Durante longos anos a maioria dos artistas tiveram de vincular sua produção à temática da liberdade social e do engajamento político de esquerda, tudo isso sob vigilante esquema de censura. Porém, já no início da década de oitenta, com o progressivo desgaste do regime militar e a “redemocratização” em curso, os artistas (em nosso caso artistas de teatro), já percebiam uma mudança no contexto social do país e, portanto, o discurso artístico já não poderia ser o mesmo, e as ferramentas a serem utilizadas na comunicação desse novo discurso precisavam ser reinventadas.
A definição mais apropriada do Teatro Besteirol é a de um espetáculo de esquetes que costuma ser defendido por uma dupla de atores (atrizes) que vive muito de citações de filmes, peças, programas de tv, e da observação do comportamento urbano cotidiano. Seu humor é inteligente, exige da platéia uma certa dose de informação para ser melhor usufruído, vivendo assim muito da paródia. E sempre e sempre caindo do salto não se levando a sério. (Marinho, Flávio. Besteirol, pág 12,13).
Até alcançar as atuais características de forma e conteúdo, o Besteirol sofreu diversas influências nacionais e estrangeiras. No plano internacional o movimento bebeu sobretudo nas fontes de Karl Valentin, do café-thèâtre francês e da commedia dell’arte. Dos nacionais não se pode negar as estreitas relações com os ‘almanhaques’ do Barão de Itararé, com o incrível espírito de paródia das chanchadas, com os esquetes do teatro de revista, com a insanidade hilária do programa de rádio PRK-30 (1944-1964) e com o escracho presente nos shows do compositor e cantor Eduardo Dusek (meados de 1980, RJ).
O besteirol é essencialmente um tipo de teatro que depende do brilho individual do ator. O conteúdo, o texto, a piada para funcionar, para encaixar necessita, sobretudo, do talento do ator, que se apresenta como peça fundamental do acontecimento besteirol. Talvez seja exatamente por isso que habitualmente os próprios atores (mais comumente dupla de atores) escrevem e concebem seus espetáculos. Assim aconteceu com aquelas duplas besteirol que mais sucesso obtiveram junto ao público do Rio de Janeiro e do Brasil ao longo da década de oitenta, como Miguel Magno e Ricardo Almeida; Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro; Miguel Falabella e Guilherme Karam e tantas outras duplas que levaram multidões aos teatros numa época onde isso já não parecia mais possível de acontecer. Em tempos de entre-safra cultural espetáculos como Quem tem medo de Itália Fausta (Miguel Magno e Ricardo Almeida); As 1001 encarnações de Pompeu Loredo (Mauro Rasi e Vicente Pereira); Doce Deleite (Mauro Rasi e Vicente Pereira); Batalha de arroz num ringue para dois (Mauro Rasi); Pedra, A Tragédia (Mauro Rasi); Miguel Falabella e Guilherme Karam finalmente juntos e finalmente ao vivo; As sereias da Zona Sul (Guilherme Karam e Miguel Falabella); Bar, doce bar (Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro); Aporta (Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro) reaproximaram habilidosos e “despretensiosamente” o teatro da população, ressuscitando uma arte que vinha há muito sofrendo de solidão.
Assim, mesmo execrado por muitos e enfrentando raivosos preconceitos, e não sendo reconhecido – e deveria! - como importante movimento estético na trajetória do teatro nacional, o teatro besteirol ultrapassou as fronteiras do Estado do Rio de Janeiro e dezenas de espetáculos cariocas fizeram muitas temporadas nas principais cidades do País. Em pouco tempo já não era mais um fenômeno regional, e se firmava como uma preferência nacional. Embora a produção continuasse exclusivamente carioca.
Mas em 1988, na Bahia, em Salvador, a “Compania Bahiana de Patifaria” estreava um besteirol com tempero de baianidade, que viria a ser um marco, um divisor de águas para o teatro local: A Bofetada. Um ano antes, a Compania já tinha estreado o espetáculo de esquetes Abafa a banca. Mas foi somente com A Bofetada que o besteirol baiano estreou estridente para o País. A receita do espetáculo consistia e consiste numa louca junção de esquetes dos espetáculos Quem Tem medo de Itália Fausta e Pedra, A Tragédia, realçados com muita pimenta nordestina, uma leva de bufonaria e escracho a gosto. Criou-se um besteirol baiano, com um “sotaque próprio”.
A bofetada foi e ainda tem sido, de fato, um sucesso de público que chegou a exuberante marca, para o que usualmente ocorria na cidade do Salvador, de 18 anos em cartaz. Um número absolutamente inédito para um teatro acostumado a curtas temporadas e a um público reduzido. Portanto mesmo não sendo a única responsável, a Compania Bahiana de Patifaria tem papel imprescindível na profissionalização do teatro baiano. Primeiro por promover através de espetáculos inovadores e populares o interesse do público soteropolitano pelas produções de artistas locais, uma mudança radical, já que, por muito tempo, os espectadores mantinham preferência por espetáculos visitantes com elencos globais. Depois, por introduzir uma forma inovadora de encarar o produto resultante da criação artística e a sua relação com o público e com os investidores. A novidade é a de que a manutenção do espetáculo ou mesmo a sua montagem, não precisa estar apoiada prioritariamente a recursos estatais, nem nas formas associativas do teatro universitário, mas através de um esforço que procura apoiar-se na iniciativa privada.

Hedre Lavnzk Couto

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