'O Assalto ao Banco Central' é uma justaposição de erros, euforicamente aplaudida, por um público muito pouco exigente.
H. L. Couto.
sexta-feira, julho 29
sábado, julho 23
As palavras do mestre...
'Tenho lido com bastante interesse o seu blog e desejo cumprimentá-lo pela profundidade como comenta os filmes. Na verdade, "Amor Sem Escala" é uma bela película, sem dúvida, a melhor do ano findo. Se houvesse um critério artístico ganharia tranquilamente o "Oscar" do melhor filme.
Por muitos anos escrevi uma coluna diária na imprensa, primeiro nos Diários Associados (Diário de Notícias e Estado da Bahia) e depois no Jornal da Bahia. Tive que interromper minhas atividades na imprensa na década de 70 quando o DERBA (onde trabalhava) foi transferido para o Centro Administrativo. Ultimamente, dedico-me a colecionar cartazes de cinema (possuo mais de cinco mil posters de todas as procedências). Se houver interesse de sua parte de conhecer as minhas coleções de cartazes ficaria muito satisfeito.
Um abraço, Hamilton Correia.'
Por muitos anos escrevi uma coluna diária na imprensa, primeiro nos Diários Associados (Diário de Notícias e Estado da Bahia) e depois no Jornal da Bahia. Tive que interromper minhas atividades na imprensa na década de 70 quando o DERBA (onde trabalhava) foi transferido para o Centro Administrativo. Ultimamente, dedico-me a colecionar cartazes de cinema (possuo mais de cinco mil posters de todas as procedências). Se houver interesse de sua parte de conhecer as minhas coleções de cartazes ficaria muito satisfeito.
Um abraço, Hamilton Correia.'
quinta-feira, julho 21
Christiane Jatahy
'A falta que nos move' é uma tentativa apagada de Esperar por Godot.
De outro lado, ver os cinco bons atores embriagados de improviso chega a ser bom para os sentidos...
Destaque mesmo merece o rosto inusitado da Daniela Fortes. Já a coragem criativa da diretora Jatahy é digna de muita atenção.
Ps:Quando vejo coisas ousadas vindas de artistas de fora, me pergunto: onde está a criatividade do teatro baiano? Estará no novo Espetáculo de Fernando Guerreiro? Vejamos, pois, nos póximos capítulos...
Hedre Lavnzk Couto
De outro lado, ver os cinco bons atores embriagados de improviso chega a ser bom para os sentidos...
Destaque mesmo merece o rosto inusitado da Daniela Fortes. Já a coragem criativa da diretora Jatahy é digna de muita atenção.
Ps:Quando vejo coisas ousadas vindas de artistas de fora, me pergunto: onde está a criatividade do teatro baiano? Estará no novo Espetáculo de Fernando Guerreiro? Vejamos, pois, nos póximos capítulos...
Hedre Lavnzk Couto
segunda-feira, julho 11
Comédia em Pé
Nesta primeira semana de fevereiro pretendo ver o Espetáculo ‘O Indignado’, em cartaz em Salvador, sob direção do famigerado Fernando Guerreiro. Como ouvindo à boca pequena que o diretor classificou-o de Stand-up comedy, irei até o Teatro Jorge Amado para dá uma espiadela e dividir o resultado com vocês, mas antes, um pouco de teoria...
Como expressão verbal é herança da Língua Inglesa: To stand up. Que literalmente traduzido vem a significar ‘Permanecer em Pé’, que tem sua variação imperativa em Stand up, ou seja, ‘Permaneça em Pé’. Assim, pois, Stand -up Comedy significaria, numa tradução literal, comédia em pé. Ou humor de pé.
Já como expressão artística, o Stand-up Comedy significa um estilo de humor, um formato de número humorístico que possui larga e vitoriosa história nos Estados Unidos e, que, desde o início dessa primeira década dos anos 2000 vem conquistando significativo espaço entre os humoristas do Brasil, se transformando de lá pra cá num fenômeno de público e ajudando muita gente por aí a pagar o aluguel.
O segredo desse sucesso aparentemente é simples: Sem usar cenários, adereços, efeitos de iluminação, trilha sonora, figurinos ou maquiagens engraçadas, um humorista sozinho, munido de microfone sobe ao palco e lá apresenta textos de sua autoria. Esses textos ou material devem ser trabalhados de maneira improvisada e sempre inspirados em situações e experiências de seu próprio dia-a-dia. De ‘cara limpa’, ou com muita ‘cara de pau’, o humorista não se esconde atrás de personagem nenhum, não transforma a si mesmo em personagem e tem como missão ser ele próprio o tempo todo. Assim assume o seu temperamento bem como o(s) seu(s) estado(s) diante da platéia, se é mal humorado, também o é no palco; se é nerd ele fala de nerds; se é judeu ele fala de judeus; se é gay ele fala de gays; se é gordo ele fala de gordos; se está de saco cheio ou eufórico não tenta esconder de ninguém e usa isso de acordo com a recepção da platéia, de acordo com o seu material e as próprias circunstâncias da noite.
Mas as facilidades para se realizar o estilo de humor Stand up comedy são meramente aparentes. Os humoristas que se lançam na prática deste sofisticado formato de humor têm de possuir e desenvolver uma série de habilidades indispensáveis para não desistirem da carreira já na primeira noite. Não basta, portanto, ser apenas histriônico. Para começo de conversa o sujeito tem de ser um baita observador de si mesmo, depois é preciso está o tempo inteiro antenado com o que ocorre em casa, no condomínio, no trabalho, na cidade e no mundo e ainda ter sensibilidade suficiente para selecionar o que de tudo isso toca em comum com a vida das outras pessoas, para em seguida por a prova suas habilidades de escritor articulando de maneira técnica o seu material, tornando-o algo artístico e muito, muito engraçado. Depois de preparado essa primeira versão de seu texto – primeira porque o contato com público e os acontecimentos do cotidiano irão, sem dúvida, transformá-lo pouco a pouco – o humorista vê-se diante de uma missão que poucos atores se arriscam: encarar uma platéia, sozinho e despido de qualquer ajuda que não seja sua própria capacidade individual. Para ser um bom humorista stand up faz-se necessário ser engraçado, rápido, observador e, sobretudo, crítico. Para fazer um número com brilho e vigor e dominar a atenção e empatia da platéia, o stand up está constantemente renovando e testando seu texto, ele não cede a comodidades e jamais faz uso de piadas que já caíram em uso popular, ou que foram difundidas pela internet, e também nunca conta aquelas velhas anedotas da loira, do papagaio e do português. O verdadeiro stand up comedy não é exagerado nem grotesco, não é daqueles que fazem caretas e bufam e fazem vozes estridentes, ele tem estilo refinado, de humor sutil, é adepto de gestos e expressões corporais comedidos, pode arrancar gargalhadas de milhares de pessoas apenas dominando habilidosamente a respiração entre uma e outra observação sagaz; pode despertar euforia na platéia (encaixando uma irônica piada política ou sentimental) apenas com a forma de enfatizar de maneira original uma sílaba de uma palavra; pode conquistar fãs ao passo que conta as mazelas de si mesmo entrecortadas por um preciso movimento de olhar.
Hoje no Brasil temos um milhão de sujeitos que se dizem ‘stand up comedy’, porém 99% deles seriam mais honestos se procurassem outros rótulos para poder vender o peixe, porque o que se vê por ai é um emaranhado de caretas, de grosseria visual, de falta de talento textual e artístico e, sobretudo, oh meu Deus, que gentinha sem graça! É inacreditável que toupeiras amorfas como 'Rafinha' Bastos consigam se auto-intitular stand up e ainda subir num palco. E ainda ser tido (queria conhecer pessoalmente o cretino que andou escrevendo isso) como uma das feras do gênero, no País. As pessoas andam mesmo comendo cada uma coisa por aí...
Hedre Lavnzk Couto
Texto escrito em 01/02/10
Salvador.
Como expressão verbal é herança da Língua Inglesa: To stand up. Que literalmente traduzido vem a significar ‘Permanecer em Pé’, que tem sua variação imperativa em Stand up, ou seja, ‘Permaneça em Pé’. Assim, pois, Stand -up Comedy significaria, numa tradução literal, comédia em pé. Ou humor de pé.
Já como expressão artística, o Stand-up Comedy significa um estilo de humor, um formato de número humorístico que possui larga e vitoriosa história nos Estados Unidos e, que, desde o início dessa primeira década dos anos 2000 vem conquistando significativo espaço entre os humoristas do Brasil, se transformando de lá pra cá num fenômeno de público e ajudando muita gente por aí a pagar o aluguel.
O segredo desse sucesso aparentemente é simples: Sem usar cenários, adereços, efeitos de iluminação, trilha sonora, figurinos ou maquiagens engraçadas, um humorista sozinho, munido de microfone sobe ao palco e lá apresenta textos de sua autoria. Esses textos ou material devem ser trabalhados de maneira improvisada e sempre inspirados em situações e experiências de seu próprio dia-a-dia. De ‘cara limpa’, ou com muita ‘cara de pau’, o humorista não se esconde atrás de personagem nenhum, não transforma a si mesmo em personagem e tem como missão ser ele próprio o tempo todo. Assim assume o seu temperamento bem como o(s) seu(s) estado(s) diante da platéia, se é mal humorado, também o é no palco; se é nerd ele fala de nerds; se é judeu ele fala de judeus; se é gay ele fala de gays; se é gordo ele fala de gordos; se está de saco cheio ou eufórico não tenta esconder de ninguém e usa isso de acordo com a recepção da platéia, de acordo com o seu material e as próprias circunstâncias da noite.
Mas as facilidades para se realizar o estilo de humor Stand up comedy são meramente aparentes. Os humoristas que se lançam na prática deste sofisticado formato de humor têm de possuir e desenvolver uma série de habilidades indispensáveis para não desistirem da carreira já na primeira noite. Não basta, portanto, ser apenas histriônico. Para começo de conversa o sujeito tem de ser um baita observador de si mesmo, depois é preciso está o tempo inteiro antenado com o que ocorre em casa, no condomínio, no trabalho, na cidade e no mundo e ainda ter sensibilidade suficiente para selecionar o que de tudo isso toca em comum com a vida das outras pessoas, para em seguida por a prova suas habilidades de escritor articulando de maneira técnica o seu material, tornando-o algo artístico e muito, muito engraçado. Depois de preparado essa primeira versão de seu texto – primeira porque o contato com público e os acontecimentos do cotidiano irão, sem dúvida, transformá-lo pouco a pouco – o humorista vê-se diante de uma missão que poucos atores se arriscam: encarar uma platéia, sozinho e despido de qualquer ajuda que não seja sua própria capacidade individual. Para ser um bom humorista stand up faz-se necessário ser engraçado, rápido, observador e, sobretudo, crítico. Para fazer um número com brilho e vigor e dominar a atenção e empatia da platéia, o stand up está constantemente renovando e testando seu texto, ele não cede a comodidades e jamais faz uso de piadas que já caíram em uso popular, ou que foram difundidas pela internet, e também nunca conta aquelas velhas anedotas da loira, do papagaio e do português. O verdadeiro stand up comedy não é exagerado nem grotesco, não é daqueles que fazem caretas e bufam e fazem vozes estridentes, ele tem estilo refinado, de humor sutil, é adepto de gestos e expressões corporais comedidos, pode arrancar gargalhadas de milhares de pessoas apenas dominando habilidosamente a respiração entre uma e outra observação sagaz; pode despertar euforia na platéia (encaixando uma irônica piada política ou sentimental) apenas com a forma de enfatizar de maneira original uma sílaba de uma palavra; pode conquistar fãs ao passo que conta as mazelas de si mesmo entrecortadas por um preciso movimento de olhar.
Hoje no Brasil temos um milhão de sujeitos que se dizem ‘stand up comedy’, porém 99% deles seriam mais honestos se procurassem outros rótulos para poder vender o peixe, porque o que se vê por ai é um emaranhado de caretas, de grosseria visual, de falta de talento textual e artístico e, sobretudo, oh meu Deus, que gentinha sem graça! É inacreditável que toupeiras amorfas como 'Rafinha' Bastos consigam se auto-intitular stand up e ainda subir num palco. E ainda ser tido (queria conhecer pessoalmente o cretino que andou escrevendo isso) como uma das feras do gênero, no País. As pessoas andam mesmo comendo cada uma coisa por aí...
Hedre Lavnzk Couto
Texto escrito em 01/02/10
Salvador.
Besteirol 1
besteirol
O rótulo Besteirol foi publicado pela primeira vez há 27 anos, na revista semanal Isto é, quando o crítico de teatro Macksen Luiz, escreveu suas impressões sobre o espetáculo As 1001 encarnações de Pompeu Loredo. O besteirol é um fenômeno teatral que explodiu no Rio de janeiro nos anos 1980, e, posteriormente, estendeu-se com sucesso arrebatador à toda cena do teatro brasileiro. Fato curioso é que, mesmo sua aparição sendo admitida na cena teatral carioca desde o inicio dos anos 1970; o primeiro grande sucesso do teatro besteirol surgiu na capital paulista, com “Quem tem medo de Itália Fausta”, 1979.
Contudo, para melhor compreender as ferramentas artísticas e a “despretensão” desse movimento teatral, faz-se necessário aludir ao contexto sócio-político das décadas de sessenta e setenta. Em tal período o Brasil vivia sob o peso da ditadura militar, que tinha tido início em 1964. Durante longos anos a maioria dos artistas tiveram de vincular sua produção à temática da liberdade social e do engajamento político de esquerda, tudo isso sob vigilante esquema de censura. Porém, já no início da década de oitenta, com o progressivo desgaste do regime militar e a “redemocratização” em curso, os artistas (em nosso caso artistas de teatro), já percebiam uma mudança no contexto social do país e, portanto, o discurso artístico já não poderia ser o mesmo, e as ferramentas a serem utilizadas na comunicação desse novo discurso precisavam ser reinventadas.
A definição mais apropriada do Teatro Besteirol é a de um espetáculo de esquetes que costuma ser defendido por uma dupla de atores (atrizes) que vive muito de citações de filmes, peças, programas de tv, e da observação do comportamento urbano cotidiano. Seu humor é inteligente, exige da platéia uma certa dose de informação para ser melhor usufruído, vivendo assim muito da paródia. E sempre e sempre caindo do salto não se levando a sério. (Marinho, Flávio. Besteirol, pág 12,13).
Até alcançar as atuais características de forma e conteúdo, o Besteirol sofreu diversas influências nacionais e estrangeiras. No plano internacional o movimento bebeu sobretudo nas fontes de Karl Valentin, do café-thèâtre francês e da commedia dell’arte. Dos nacionais não se pode negar as estreitas relações com os ‘almanhaques’ do Barão de Itararé, com o incrível espírito de paródia das chanchadas, com os esquetes do teatro de revista, com a insanidade hilária do programa de rádio PRK-30 (1944-1964) e com o escracho presente nos shows do compositor e cantor Eduardo Dusek (meados de 1980, RJ).
O besteirol é essencialmente um tipo de teatro que depende do brilho individual do ator. O conteúdo, o texto, a piada para funcionar, para encaixar necessita, sobretudo, do talento do ator, que se apresenta como peça fundamental do acontecimento besteirol. Talvez seja exatamente por isso que habitualmente os próprios atores (mais comumente dupla de atores) escrevem e concebem seus espetáculos. Assim aconteceu com aquelas duplas besteirol que mais sucesso obtiveram junto ao público do Rio de Janeiro e do Brasil ao longo da década de oitenta, como Miguel Magno e Ricardo Almeida; Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro; Miguel Falabella e Guilherme Karam e tantas outras duplas que levaram multidões aos teatros numa época onde isso já não parecia mais possível de acontecer. Em tempos de entre-safra cultural espetáculos como Quem tem medo de Itália Fausta (Miguel Magno e Ricardo Almeida); As 1001 encarnações de Pompeu Loredo (Mauro Rasi e Vicente Pereira); Doce Deleite (Mauro Rasi e Vicente Pereira); Batalha de arroz num ringue para dois (Mauro Rasi); Pedra, A Tragédia (Mauro Rasi); Miguel Falabella e Guilherme Karam finalmente juntos e finalmente ao vivo; As sereias da Zona Sul (Guilherme Karam e Miguel Falabella); Bar, doce bar (Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro); Aporta (Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro) reaproximaram habilidosos e “despretensiosamente” o teatro da população, ressuscitando uma arte que vinha há muito sofrendo de solidão.
Assim, mesmo execrado por muitos e enfrentando raivosos preconceitos, e não sendo reconhecido – e deveria! - como importante movimento estético na trajetória do teatro nacional, o teatro besteirol ultrapassou as fronteiras do Estado do Rio de Janeiro e dezenas de espetáculos cariocas fizeram muitas temporadas nas principais cidades do País. Em pouco tempo já não era mais um fenômeno regional, e se firmava como uma preferência nacional. Embora a produção continuasse exclusivamente carioca.
Mas em 1988, na Bahia, em Salvador, a “Compania Bahiana de Patifaria” estreava um besteirol com tempero de baianidade, que viria a ser um marco, um divisor de águas para o teatro local: A Bofetada. Um ano antes, a Compania já tinha estreado o espetáculo de esquetes Abafa a banca. Mas foi somente com A Bofetada que o besteirol baiano estreou estridente para o País. A receita do espetáculo consistia e consiste numa louca junção de esquetes dos espetáculos Quem Tem medo de Itália Fausta e Pedra, A Tragédia, realçados com muita pimenta nordestina, uma leva de bufonaria e escracho a gosto. Criou-se um besteirol baiano, com um “sotaque próprio”.
A bofetada foi e ainda tem sido, de fato, um sucesso de público que chegou a exuberante marca, para o que usualmente ocorria na cidade do Salvador, de 18 anos em cartaz. Um número absolutamente inédito para um teatro acostumado a curtas temporadas e a um público reduzido. Portanto mesmo não sendo a única responsável, a Compania Bahiana de Patifaria tem papel imprescindível na profissionalização do teatro baiano. Primeiro por promover através de espetáculos inovadores e populares o interesse do público soteropolitano pelas produções de artistas locais, uma mudança radical, já que, por muito tempo, os espectadores mantinham preferência por espetáculos visitantes com elencos globais. Depois, por introduzir uma forma inovadora de encarar o produto resultante da criação artística e a sua relação com o público e com os investidores. A novidade é a de que a manutenção do espetáculo ou mesmo a sua montagem, não precisa estar apoiada prioritariamente a recursos estatais, nem nas formas associativas do teatro universitário, mas através de um esforço que procura apoiar-se na iniciativa privada.
Hedre Lavnzk Couto
O rótulo Besteirol foi publicado pela primeira vez há 27 anos, na revista semanal Isto é, quando o crítico de teatro Macksen Luiz, escreveu suas impressões sobre o espetáculo As 1001 encarnações de Pompeu Loredo. O besteirol é um fenômeno teatral que explodiu no Rio de janeiro nos anos 1980, e, posteriormente, estendeu-se com sucesso arrebatador à toda cena do teatro brasileiro. Fato curioso é que, mesmo sua aparição sendo admitida na cena teatral carioca desde o inicio dos anos 1970; o primeiro grande sucesso do teatro besteirol surgiu na capital paulista, com “Quem tem medo de Itália Fausta”, 1979.
Contudo, para melhor compreender as ferramentas artísticas e a “despretensão” desse movimento teatral, faz-se necessário aludir ao contexto sócio-político das décadas de sessenta e setenta. Em tal período o Brasil vivia sob o peso da ditadura militar, que tinha tido início em 1964. Durante longos anos a maioria dos artistas tiveram de vincular sua produção à temática da liberdade social e do engajamento político de esquerda, tudo isso sob vigilante esquema de censura. Porém, já no início da década de oitenta, com o progressivo desgaste do regime militar e a “redemocratização” em curso, os artistas (em nosso caso artistas de teatro), já percebiam uma mudança no contexto social do país e, portanto, o discurso artístico já não poderia ser o mesmo, e as ferramentas a serem utilizadas na comunicação desse novo discurso precisavam ser reinventadas.
A definição mais apropriada do Teatro Besteirol é a de um espetáculo de esquetes que costuma ser defendido por uma dupla de atores (atrizes) que vive muito de citações de filmes, peças, programas de tv, e da observação do comportamento urbano cotidiano. Seu humor é inteligente, exige da platéia uma certa dose de informação para ser melhor usufruído, vivendo assim muito da paródia. E sempre e sempre caindo do salto não se levando a sério. (Marinho, Flávio. Besteirol, pág 12,13).
Até alcançar as atuais características de forma e conteúdo, o Besteirol sofreu diversas influências nacionais e estrangeiras. No plano internacional o movimento bebeu sobretudo nas fontes de Karl Valentin, do café-thèâtre francês e da commedia dell’arte. Dos nacionais não se pode negar as estreitas relações com os ‘almanhaques’ do Barão de Itararé, com o incrível espírito de paródia das chanchadas, com os esquetes do teatro de revista, com a insanidade hilária do programa de rádio PRK-30 (1944-1964) e com o escracho presente nos shows do compositor e cantor Eduardo Dusek (meados de 1980, RJ).
O besteirol é essencialmente um tipo de teatro que depende do brilho individual do ator. O conteúdo, o texto, a piada para funcionar, para encaixar necessita, sobretudo, do talento do ator, que se apresenta como peça fundamental do acontecimento besteirol. Talvez seja exatamente por isso que habitualmente os próprios atores (mais comumente dupla de atores) escrevem e concebem seus espetáculos. Assim aconteceu com aquelas duplas besteirol que mais sucesso obtiveram junto ao público do Rio de Janeiro e do Brasil ao longo da década de oitenta, como Miguel Magno e Ricardo Almeida; Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro; Miguel Falabella e Guilherme Karam e tantas outras duplas que levaram multidões aos teatros numa época onde isso já não parecia mais possível de acontecer. Em tempos de entre-safra cultural espetáculos como Quem tem medo de Itália Fausta (Miguel Magno e Ricardo Almeida); As 1001 encarnações de Pompeu Loredo (Mauro Rasi e Vicente Pereira); Doce Deleite (Mauro Rasi e Vicente Pereira); Batalha de arroz num ringue para dois (Mauro Rasi); Pedra, A Tragédia (Mauro Rasi); Miguel Falabella e Guilherme Karam finalmente juntos e finalmente ao vivo; As sereias da Zona Sul (Guilherme Karam e Miguel Falabella); Bar, doce bar (Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro); Aporta (Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro) reaproximaram habilidosos e “despretensiosamente” o teatro da população, ressuscitando uma arte que vinha há muito sofrendo de solidão.
Assim, mesmo execrado por muitos e enfrentando raivosos preconceitos, e não sendo reconhecido – e deveria! - como importante movimento estético na trajetória do teatro nacional, o teatro besteirol ultrapassou as fronteiras do Estado do Rio de Janeiro e dezenas de espetáculos cariocas fizeram muitas temporadas nas principais cidades do País. Em pouco tempo já não era mais um fenômeno regional, e se firmava como uma preferência nacional. Embora a produção continuasse exclusivamente carioca.
Mas em 1988, na Bahia, em Salvador, a “Compania Bahiana de Patifaria” estreava um besteirol com tempero de baianidade, que viria a ser um marco, um divisor de águas para o teatro local: A Bofetada. Um ano antes, a Compania já tinha estreado o espetáculo de esquetes Abafa a banca. Mas foi somente com A Bofetada que o besteirol baiano estreou estridente para o País. A receita do espetáculo consistia e consiste numa louca junção de esquetes dos espetáculos Quem Tem medo de Itália Fausta e Pedra, A Tragédia, realçados com muita pimenta nordestina, uma leva de bufonaria e escracho a gosto. Criou-se um besteirol baiano, com um “sotaque próprio”.
A bofetada foi e ainda tem sido, de fato, um sucesso de público que chegou a exuberante marca, para o que usualmente ocorria na cidade do Salvador, de 18 anos em cartaz. Um número absolutamente inédito para um teatro acostumado a curtas temporadas e a um público reduzido. Portanto mesmo não sendo a única responsável, a Compania Bahiana de Patifaria tem papel imprescindível na profissionalização do teatro baiano. Primeiro por promover através de espetáculos inovadores e populares o interesse do público soteropolitano pelas produções de artistas locais, uma mudança radical, já que, por muito tempo, os espectadores mantinham preferência por espetáculos visitantes com elencos globais. Depois, por introduzir uma forma inovadora de encarar o produto resultante da criação artística e a sua relação com o público e com os investidores. A novidade é a de que a manutenção do espetáculo ou mesmo a sua montagem, não precisa estar apoiada prioritariamente a recursos estatais, nem nas formas associativas do teatro universitário, mas através de um esforço que procura apoiar-se na iniciativa privada.
Hedre Lavnzk Couto
Besteirol com Pimenta
Estou curioso em ver Siricutico, uma Comédia do Balacobaco.
Esse é o mais novo espetáculo da Cia. Baiana de Patifaria, em cartaz no teatro do ISBA. Não sei se o espetáculo me agradará. Mas, por outro lado, tenho grande admiração por esse grupo de teatro. A história de criatividade e sucesso da Cia. Baiana de Patifaria tem início em 1987 quando da montagem do espetáculo Abafa-Banca. Já no ano seguinte eles levaram à cena A Bofetada, espetáculos ambos com direção de Fernando Guerreiro. Na seqüência, com direção de Wolf Maya, adaptação e tradução de Fernando Marinho, eles montaram o grande sucesso de Dan Goggin, Noviças Rebeldes.
Admiro duplamente os feitos da Cia. Baiana de Patifaria. Primeiro, porque eles conceberam uma cara nova, baiana, picante, colorida à chamada estética teatral Besteirol. O Besteirol que assim foi rotulado pela primeira vez em 1980, pelo crítico Macksen Luiz, tem sua origem na cidade de São Paulo, em 1979, quando dois atores-autores, Miguel Magno e Ricardo de Almeida, estrearam o espetáculo Quem tem medo de Itália Fausta?. Já no início dos anos 1980 essa estética começa ganhar considerável número de adeptos e espectadores na cidade do Rio de Janeiro e não demora a se tornar febre lucrativa na cena carioca.
Mas até 1988 só se conhecia, de fato, apenas um jeito de se fazer Besteirol, o chamado temperamento carioca. E eis que surge a contento a Cia. Baiana de Patifaria, que tem a brilhante idéia de fazer um espetáculo que seria uma feliz junção adaptada de parte de dois dos maiores clássicos do Besteirol: unia-se os brilhantes esquetes de Quem tem medo de Itália Fausta (Magno e Almeida) com outros inesquecíveis esquetes de Pedra, a Tragédia, (Mauro Rasi). Mas não bastou para a Patifaria apenas a idéia oportuna de trabalhar com bons esquetes, os baianos acabaram dando um tratamento muito específico àquele material dramaturgo paulista: fizeram, nas palavras do crítico Flávio Marinho - a Carnavalização do Besteirol. Diferentemente das outras versões nacionais, o Besteirol da Patifaria critica com mais virulência os fatos e comportamentos humanos; traz um tom propositadamente mais debochado, mais ‘sujo’. Eles fazem assim, na maioria dos seus espetáculos, a carnavalização do carnavalesco. Ou seja, cutucam através do grotesco.
Todavia preciso dizer que minha inclinada simpatia pela Cia. Baiana de Patifaria existe, sobretudo, pela capacidade de empreendedorismo que eles manifestam desde o início de sua história. A Patifaria é hoje, e há muito tempo, um dos poucos grupos teatrais da Bahia que mantêm uma filosofia e uma prática do empreendedorismo comercial teatral. São empresários do teatro. Não vivem esperando as esmolas dos editais estatais. Eles vão a luta, conseguem seus parceiros, fazem inteligentes jogadas de mercado, vivem basicamente de sua generosa e abençoada bilheteria. Empreendedorismo é o que a Patifaria tem! Empreendedorismo é o que falta a maioria dos outros teatrantes da Bahia, que preferem se resignar ao papel de parasitas crônicos das divinas tetas do Estado. Meu avô Chico já dizia, ‘quem trabalha, Deus ajuda!’ Fica aqui a minha homenagem.
Pena é que hoje Besteirol, pela banalização do termo, virou sinônimo de tudo quanto é espetáculo ruim que se faz por aí. Assim como o bom teatro ‘num sei das quantas’ é bom de se ver e ouvir, o bom Besteirol é bom quando é bom, e pronto. Às vezes, espetáculos pretendidos intelectualmente refinados e sofisticados semanticamente, acabam se saindo verdadeiras ‘bestagens’, vide alusão às duas últimas montagens teatrais do núcleo de teatro do TCA , a saber Policarpo Quaresma (direção de Luiz Marfuz), e Jeremias, o Profeta da Chuva (Adelice Souza). Me deixe, viu! Eu gosto de Besteirol!
*Pretendo em breve postar aqui um texto mais completo e aprofundado sobre essa estética muito desconhecida e muito assistida, e odiada pelos radicais e/ou pseudos gênios.
Hedre Lavnzk Couto
Esse é o mais novo espetáculo da Cia. Baiana de Patifaria, em cartaz no teatro do ISBA. Não sei se o espetáculo me agradará. Mas, por outro lado, tenho grande admiração por esse grupo de teatro. A história de criatividade e sucesso da Cia. Baiana de Patifaria tem início em 1987 quando da montagem do espetáculo Abafa-Banca. Já no ano seguinte eles levaram à cena A Bofetada, espetáculos ambos com direção de Fernando Guerreiro. Na seqüência, com direção de Wolf Maya, adaptação e tradução de Fernando Marinho, eles montaram o grande sucesso de Dan Goggin, Noviças Rebeldes.
Admiro duplamente os feitos da Cia. Baiana de Patifaria. Primeiro, porque eles conceberam uma cara nova, baiana, picante, colorida à chamada estética teatral Besteirol. O Besteirol que assim foi rotulado pela primeira vez em 1980, pelo crítico Macksen Luiz, tem sua origem na cidade de São Paulo, em 1979, quando dois atores-autores, Miguel Magno e Ricardo de Almeida, estrearam o espetáculo Quem tem medo de Itália Fausta?. Já no início dos anos 1980 essa estética começa ganhar considerável número de adeptos e espectadores na cidade do Rio de Janeiro e não demora a se tornar febre lucrativa na cena carioca.
Mas até 1988 só se conhecia, de fato, apenas um jeito de se fazer Besteirol, o chamado temperamento carioca. E eis que surge a contento a Cia. Baiana de Patifaria, que tem a brilhante idéia de fazer um espetáculo que seria uma feliz junção adaptada de parte de dois dos maiores clássicos do Besteirol: unia-se os brilhantes esquetes de Quem tem medo de Itália Fausta (Magno e Almeida) com outros inesquecíveis esquetes de Pedra, a Tragédia, (Mauro Rasi). Mas não bastou para a Patifaria apenas a idéia oportuna de trabalhar com bons esquetes, os baianos acabaram dando um tratamento muito específico àquele material dramaturgo paulista: fizeram, nas palavras do crítico Flávio Marinho - a Carnavalização do Besteirol. Diferentemente das outras versões nacionais, o Besteirol da Patifaria critica com mais virulência os fatos e comportamentos humanos; traz um tom propositadamente mais debochado, mais ‘sujo’. Eles fazem assim, na maioria dos seus espetáculos, a carnavalização do carnavalesco. Ou seja, cutucam através do grotesco.
Todavia preciso dizer que minha inclinada simpatia pela Cia. Baiana de Patifaria existe, sobretudo, pela capacidade de empreendedorismo que eles manifestam desde o início de sua história. A Patifaria é hoje, e há muito tempo, um dos poucos grupos teatrais da Bahia que mantêm uma filosofia e uma prática do empreendedorismo comercial teatral. São empresários do teatro. Não vivem esperando as esmolas dos editais estatais. Eles vão a luta, conseguem seus parceiros, fazem inteligentes jogadas de mercado, vivem basicamente de sua generosa e abençoada bilheteria. Empreendedorismo é o que a Patifaria tem! Empreendedorismo é o que falta a maioria dos outros teatrantes da Bahia, que preferem se resignar ao papel de parasitas crônicos das divinas tetas do Estado. Meu avô Chico já dizia, ‘quem trabalha, Deus ajuda!’ Fica aqui a minha homenagem.
Pena é que hoje Besteirol, pela banalização do termo, virou sinônimo de tudo quanto é espetáculo ruim que se faz por aí. Assim como o bom teatro ‘num sei das quantas’ é bom de se ver e ouvir, o bom Besteirol é bom quando é bom, e pronto. Às vezes, espetáculos pretendidos intelectualmente refinados e sofisticados semanticamente, acabam se saindo verdadeiras ‘bestagens’, vide alusão às duas últimas montagens teatrais do núcleo de teatro do TCA , a saber Policarpo Quaresma (direção de Luiz Marfuz), e Jeremias, o Profeta da Chuva (Adelice Souza). Me deixe, viu! Eu gosto de Besteirol!
*Pretendo em breve postar aqui um texto mais completo e aprofundado sobre essa estética muito desconhecida e muito assistida, e odiada pelos radicais e/ou pseudos gênios.
Hedre Lavnzk Couto
'O Sapato do meu Tio', ou Uma fábula sobre a transitoriedade da vida
“Um espetáculo que fala sobre as pedras que ficam no sapato, incomodando: a fome, a luta pela sobrevivência, a convivência, o domínio da técnica, a recepção do público, a vontade de se superar e superar o outro”, uma metáfora sobre os altos e baixos da vida artística. Essas são algumas das abordagens da peça o 'Sapato do Meu Tio'.
Boa peça teatral. Teatro verdadeiro e não Jabaculê. Há muito que nosso palco baiano não contava com um trabalho tão original e de poesia tão profunda como esse Sapato do Meu Tio. Todo o espetáculo é um penetrante poema-sem-palavras. Uma carroça, um palhaço e seu sobrinho-ajudante, querendo também ser palhaço, diante da vasta estrada da vida! Uma receita simples, de enredo cativante, regada a muito jogo. Jogo! Como pede o bom teatro. A direção é de João Lima; o roteiro - concebido através de improvisações ao longo do processo de criação - é de autoria dos próprios atores Alexandre Luis Casali (o sobrinho) e Lúcio Tranchesi (o Tio).
Em tempo de vacas magérrimas, como esse atravessado pelo teatro, diante da esmagadora concorrência ditada pelos meios massificadores de entretenimento, montagens teatrais como esta, de Teatro Essencial, são dignas de entusiasmado reconhecimento. Atores e direção, salvo raras exceções, usam unicamente técnica, talento e criatividade para envolver a platéia. O palco do Teatro XVIII foi outra feliz escolha. E, sobre ele basta a propícia sonoplastia de Jarbas Bittencourt, além de uma espécie de carroça, dois bancos, algumas bananas e outros poucos objetos para estabelecer a empatia com público. Empatia que poderia ser plena se não fossem algumas outras opções não tanto acertadas: o pano azul escolhido pelo cenógrafo Agamenon de Abreu para realçar o fundo e as laterais do palco, destoa muito da proposta cromática da boa iluminação de Fábio Espírito Santo, que bem poderia ter sugerido ao colega cenógrafo um pano de cor quente. Ainda em relação ao espaço, dada as limitações físicas e técnicas do teatro, as ações deveriam ocorrer somente no palco. Nos momentos onde o personagem-palhaço-sobrinho invade a platéia e se oculta em um local estranho simulando uma ida a outro lugar qualquer, temos uma sensação de resolução-forçada pela direção. Da mesma maneira, a coxia tem sérios problemas, pois, não funciona quando o personagem-palhaço-tio precisa ocultar-se.
Outra escolha inadequada foi usar o projetor de áudio-e-vídeo dentro de uma peça cujo verdadeiro brilho se encontra na pura teatralidade. Qual a função desse projetor? Concretamente ele apenas causou mais uma sensação de forçação de barra. E feriu o lirismo da peça. Parece que alguns diretores baianos estabeleceram indiscriminadamente o estatuto do “estranhamento gratuito”. Num espetáculo como esse não cabe intervenções de exagero barroco; sua essência é a ilusão, qualquer tentativa de “estranhamento” quebra o brilho da ação clownesca.
No que diz respeito á interpretação, ambos os atores desempenham seus papeis com segurança e entrega. Além da memorável sensibilidade em preencher poeticamente ações aparentemente banais – como na cena em que trocam tapas singelos, simbolizando a amizade recíproca - demonstram excelente preparo físico e habilidades diversas, que vão desde o perfeito domínio no uso das pernas-de-pau a execução de encantadores números de equilibrismo. No entanto, essa agradável mistura lúdico-poética, que chega a lembrar a arte do teatro de rua, sempre pode exigir um pouco mais de quem se predispõe a experimentá-la. Desse modo, faltou um pouco de malícia na interação dos palhaços. Mereciam algo mais de reflexo e irresponsabilidade em sua construção. Uma pitadinha mais de refinamento, leveza nos gestos, para equilibrar o tempo-rítmo e cativar a platéia. Lúcio Tranchesi percebe essa necessidade e esboça um complemento, mas quando o faz, por vezes falta habilidade e cai no exagero.
Contudo, a interpretação é o ponto forte do espetáculo. Quem comete o maior pecado é a direção; quando não percebe que o espetáculo deveria comportar no máximo a primeira hora do roteiro. Exatamente a primeira hora do roteiro é o que deve durar a peça, quando alcança uma hora e quarenta minutos. O espetáculo tem estrutura cíclica, trata da transitoriedade da vida: deveria ter acabado quando o aprendiz ganha o nariz e o sapato do mestre-palhaço. Em uma hora já disse tudo que tinha a dizer. Prolongar isso é apelar desnecessariamente à redundância e cansar um público habituado com escraxadas comédias de texto, colocando em risco um trabalho consistente e gratificante de se vê.
Espetáculo visto numa quinta-feira de 2007. Teatro XVIII, Pelourinho.
Hedre Lavnzk Couto
Boa peça teatral. Teatro verdadeiro e não Jabaculê. Há muito que nosso palco baiano não contava com um trabalho tão original e de poesia tão profunda como esse Sapato do Meu Tio. Todo o espetáculo é um penetrante poema-sem-palavras. Uma carroça, um palhaço e seu sobrinho-ajudante, querendo também ser palhaço, diante da vasta estrada da vida! Uma receita simples, de enredo cativante, regada a muito jogo. Jogo! Como pede o bom teatro. A direção é de João Lima; o roteiro - concebido através de improvisações ao longo do processo de criação - é de autoria dos próprios atores Alexandre Luis Casali (o sobrinho) e Lúcio Tranchesi (o Tio).
Em tempo de vacas magérrimas, como esse atravessado pelo teatro, diante da esmagadora concorrência ditada pelos meios massificadores de entretenimento, montagens teatrais como esta, de Teatro Essencial, são dignas de entusiasmado reconhecimento. Atores e direção, salvo raras exceções, usam unicamente técnica, talento e criatividade para envolver a platéia. O palco do Teatro XVIII foi outra feliz escolha. E, sobre ele basta a propícia sonoplastia de Jarbas Bittencourt, além de uma espécie de carroça, dois bancos, algumas bananas e outros poucos objetos para estabelecer a empatia com público. Empatia que poderia ser plena se não fossem algumas outras opções não tanto acertadas: o pano azul escolhido pelo cenógrafo Agamenon de Abreu para realçar o fundo e as laterais do palco, destoa muito da proposta cromática da boa iluminação de Fábio Espírito Santo, que bem poderia ter sugerido ao colega cenógrafo um pano de cor quente. Ainda em relação ao espaço, dada as limitações físicas e técnicas do teatro, as ações deveriam ocorrer somente no palco. Nos momentos onde o personagem-palhaço-sobrinho invade a platéia e se oculta em um local estranho simulando uma ida a outro lugar qualquer, temos uma sensação de resolução-forçada pela direção. Da mesma maneira, a coxia tem sérios problemas, pois, não funciona quando o personagem-palhaço-tio precisa ocultar-se.
Outra escolha inadequada foi usar o projetor de áudio-e-vídeo dentro de uma peça cujo verdadeiro brilho se encontra na pura teatralidade. Qual a função desse projetor? Concretamente ele apenas causou mais uma sensação de forçação de barra. E feriu o lirismo da peça. Parece que alguns diretores baianos estabeleceram indiscriminadamente o estatuto do “estranhamento gratuito”. Num espetáculo como esse não cabe intervenções de exagero barroco; sua essência é a ilusão, qualquer tentativa de “estranhamento” quebra o brilho da ação clownesca.
No que diz respeito á interpretação, ambos os atores desempenham seus papeis com segurança e entrega. Além da memorável sensibilidade em preencher poeticamente ações aparentemente banais – como na cena em que trocam tapas singelos, simbolizando a amizade recíproca - demonstram excelente preparo físico e habilidades diversas, que vão desde o perfeito domínio no uso das pernas-de-pau a execução de encantadores números de equilibrismo. No entanto, essa agradável mistura lúdico-poética, que chega a lembrar a arte do teatro de rua, sempre pode exigir um pouco mais de quem se predispõe a experimentá-la. Desse modo, faltou um pouco de malícia na interação dos palhaços. Mereciam algo mais de reflexo e irresponsabilidade em sua construção. Uma pitadinha mais de refinamento, leveza nos gestos, para equilibrar o tempo-rítmo e cativar a platéia. Lúcio Tranchesi percebe essa necessidade e esboça um complemento, mas quando o faz, por vezes falta habilidade e cai no exagero.
Contudo, a interpretação é o ponto forte do espetáculo. Quem comete o maior pecado é a direção; quando não percebe que o espetáculo deveria comportar no máximo a primeira hora do roteiro. Exatamente a primeira hora do roteiro é o que deve durar a peça, quando alcança uma hora e quarenta minutos. O espetáculo tem estrutura cíclica, trata da transitoriedade da vida: deveria ter acabado quando o aprendiz ganha o nariz e o sapato do mestre-palhaço. Em uma hora já disse tudo que tinha a dizer. Prolongar isso é apelar desnecessariamente à redundância e cansar um público habituado com escraxadas comédias de texto, colocando em risco um trabalho consistente e gratificante de se vê.
Espetáculo visto numa quinta-feira de 2007. Teatro XVIII, Pelourinho.
Hedre Lavnzk Couto
Caso Chato...
Pacientes de um consultório de psicanálise, Rodrigo e Cecília dividem o ambiente da recepção semanalmente. Desse hábito necessário, surge uma amizade duradoura, onde eles compartilham as graças, desgraças e transformações de suas vidas. Tal é a fábula do espetáculo CASO SÉRIO, com texto de Cláudio Simões e Margareth Boury; com direção de Cláudio Simões e Celso Jr.; apresentando no elenco o próprio Celso Jr. e Andréa Elia.
Vi no Sesi Rio Vermelho, um teatro desconfortabilíssimo, cujas cadeiras flagelantes maltrataram minhas costas em uma hora e meia de peça.
Papo de Terapia e muito ‘almanaque de cultura’ é a receita usada pelo autor, diretores e atores, numa tentativa de provocar no público enxurradas de riso e umas pitadas de dramaticidade politicamente correta. E já que “a franqueza nem sempre traz coisas desagradáveis”, o espetáculo Caso Sério cansa. Não chega a ser nem ruim nem bom. Mas cansa.
O texto de Claudio Simões não é dos piores. Conta com pérolas de sensibilidade, alguns ótimos momentos de diálogos e outros toques de um dramaturgo interessante. Porém a situação dramatúrgica proposta por ele, apesar de ser simples do ponto de vista estrutural, já nasce eivada de muitos riscos quando de sua transposição para o palco. Sem dúvida alongar por noventa minutos uma trama que se dá entre um sofá e um bebedouro de água, contando somente com dois personagens que, salvas algumas variações, conversam sobre o mesmo assunto todo o tempo, é confiar demais no trabalho da encenação, na interpretação dos atores e na complacência do público.
A encenação, por sua vez, não conseguiu sanar as deficiências do texto nem acrescentar-lhe nada de interessante ou original. As opções de narrativa feitas pelos diretores abusaram da repetição, caíram em monotonia e, após os primeiros trinta minutos, foram provocando aquele já conhecido cansaço e desinteresse no público. A cenografia, além do básico, possuía ao fundo um móvel estranho e grandemente desproporcional, uma espécie de grande prateleira com alguns objetos, que, na maioria do tempo oculta, por uma cortina meio opaca, tinha por vezes algum de seus compartimentos iluminado por um refletor frontal que lhe revelava algum elemento. Mas confesso que sai do teatro sem entender qual a verdadeira função cênica ou semântica do móvel, ou se de fato ele era parte dessa peça ou quem sabe componente de cenário de outro espetáculo. Portanto neste ponto decisivo, a cenografia de Rogério Mercês é muito confusa. O desenho de luz de Eduardo Tudella é básico. A luz que incide nos personagens, na boca de cena, no momento de seus apartes, é muito problemática. Difícil fazer luz no teatro Sesi. Quanto aos figurinos, os primeiros da personagem Cecília são verdadeiramente horríveis, se este foi o objetivo, acertaram! Já as vestimentas do Personagem Roudrigo, que, segundo ele próprio, são como se fossem de adolescentes, combinam-lhe bem. Mas desconfio que façam parte do guarda-roupa pessoal do próprio ator Celso Jr. Fato curioso, porque seria um notável resgate, por parte de nosso teatro baiano, de um estilo de composição visual e psicológica fundamentada pelo grupo Living Theatre. Da maquiagem não há nada de relevante a ser tocado. A sonoplastia segue na já aludida linha de ‘almanaque de cultura’.
Chegando na interpretação. Alguns teóricos que falam sobre o trabalho do ator afirmam que no ocidente existem pelo menos três tipos fundamentais de interpretação. A saber, a interpretação onde o ator constrói o personagem e se identifica psicologicamente por inteiro ao encarnar o mesmo; um outro tipo seria aquela onde diferentemente o ator distancia-se do personagem, a moda do teatro épico, procurando propositalmente o ‘estranhamento’; e por último seria o estilo onde o ator, conscientemente, diante de qualquer papel, situação ou dramaturgia passa a vida inteira interpretando a si mesmo. São estilos, o freguês escolhe o sal a gosto. Parece que Celso Jr. vem escolhendo, pelo menos nas peças em que eu estive na platéia, interpretar orgulhosamente a si mesmo. É um bom ator, em cena sabe perfeitamente o que deve ser feito, é ótimo nos tempos, no domínio do olhar, mas mantém o vício de não transformar os seus personagens em ninguém além dele mesmo. Com Rodrigo, mais uma vez Celso funciona, mas não convence. E olha que ele nem faz telenovela. Andréa Elia, de início, parece estar com muita pressa de resolver cada unidade da peça, acelera muito em suas falas, e assim nessa altura compromete a matéria prima desse espetáculo que é o diálogo. Não está perigosamente mau, mas parece estar presa, limitada por algo, como se não soubesse andar com os pés de Cecília, sentar como Cecília, respirar como Cecília. Não se nota na interpretação de Adréa Elia aqueles gestos pequenos, sutis e involuntários que caracterizam a riqueza de um corpo humano. A impressão dada é que ela não pensou a personagem. É preciso lembrar que o personagem é humano. O teatro do Sesi possui péssima acústica, por vezes, é muito difícil escutar a ambos os atores.
‘Caso Sério’ não é emocionante. Não é engraçado. O texto como está e como foi encenado, não fala de amizade, nem de amor. É antes um emaranhado de conversações e depoimentos, sobre vidas de gente tão desocupada e tão sem profundidade, que chegam a lembrar aqueles tediosos e tristes burgueses da Belle Époque. E se dizem “que a solidão tem remédio”, o teatro, sem dúvida, quando bom, pode ser o próprio remédio para centenas de pessoas numa noite de sábado. Eu estive no teatro Sesi e me senti solitário.
Espetáculo visto no dia 09 de janeiro.
Hedre Lavnzk Couto
Vi no Sesi Rio Vermelho, um teatro desconfortabilíssimo, cujas cadeiras flagelantes maltrataram minhas costas em uma hora e meia de peça.
Papo de Terapia e muito ‘almanaque de cultura’ é a receita usada pelo autor, diretores e atores, numa tentativa de provocar no público enxurradas de riso e umas pitadas de dramaticidade politicamente correta. E já que “a franqueza nem sempre traz coisas desagradáveis”, o espetáculo Caso Sério cansa. Não chega a ser nem ruim nem bom. Mas cansa.
O texto de Claudio Simões não é dos piores. Conta com pérolas de sensibilidade, alguns ótimos momentos de diálogos e outros toques de um dramaturgo interessante. Porém a situação dramatúrgica proposta por ele, apesar de ser simples do ponto de vista estrutural, já nasce eivada de muitos riscos quando de sua transposição para o palco. Sem dúvida alongar por noventa minutos uma trama que se dá entre um sofá e um bebedouro de água, contando somente com dois personagens que, salvas algumas variações, conversam sobre o mesmo assunto todo o tempo, é confiar demais no trabalho da encenação, na interpretação dos atores e na complacência do público.
A encenação, por sua vez, não conseguiu sanar as deficiências do texto nem acrescentar-lhe nada de interessante ou original. As opções de narrativa feitas pelos diretores abusaram da repetição, caíram em monotonia e, após os primeiros trinta minutos, foram provocando aquele já conhecido cansaço e desinteresse no público. A cenografia, além do básico, possuía ao fundo um móvel estranho e grandemente desproporcional, uma espécie de grande prateleira com alguns objetos, que, na maioria do tempo oculta, por uma cortina meio opaca, tinha por vezes algum de seus compartimentos iluminado por um refletor frontal que lhe revelava algum elemento. Mas confesso que sai do teatro sem entender qual a verdadeira função cênica ou semântica do móvel, ou se de fato ele era parte dessa peça ou quem sabe componente de cenário de outro espetáculo. Portanto neste ponto decisivo, a cenografia de Rogério Mercês é muito confusa. O desenho de luz de Eduardo Tudella é básico. A luz que incide nos personagens, na boca de cena, no momento de seus apartes, é muito problemática. Difícil fazer luz no teatro Sesi. Quanto aos figurinos, os primeiros da personagem Cecília são verdadeiramente horríveis, se este foi o objetivo, acertaram! Já as vestimentas do Personagem Roudrigo, que, segundo ele próprio, são como se fossem de adolescentes, combinam-lhe bem. Mas desconfio que façam parte do guarda-roupa pessoal do próprio ator Celso Jr. Fato curioso, porque seria um notável resgate, por parte de nosso teatro baiano, de um estilo de composição visual e psicológica fundamentada pelo grupo Living Theatre. Da maquiagem não há nada de relevante a ser tocado. A sonoplastia segue na já aludida linha de ‘almanaque de cultura’.
Chegando na interpretação. Alguns teóricos que falam sobre o trabalho do ator afirmam que no ocidente existem pelo menos três tipos fundamentais de interpretação. A saber, a interpretação onde o ator constrói o personagem e se identifica psicologicamente por inteiro ao encarnar o mesmo; um outro tipo seria aquela onde diferentemente o ator distancia-se do personagem, a moda do teatro épico, procurando propositalmente o ‘estranhamento’; e por último seria o estilo onde o ator, conscientemente, diante de qualquer papel, situação ou dramaturgia passa a vida inteira interpretando a si mesmo. São estilos, o freguês escolhe o sal a gosto. Parece que Celso Jr. vem escolhendo, pelo menos nas peças em que eu estive na platéia, interpretar orgulhosamente a si mesmo. É um bom ator, em cena sabe perfeitamente o que deve ser feito, é ótimo nos tempos, no domínio do olhar, mas mantém o vício de não transformar os seus personagens em ninguém além dele mesmo. Com Rodrigo, mais uma vez Celso funciona, mas não convence. E olha que ele nem faz telenovela. Andréa Elia, de início, parece estar com muita pressa de resolver cada unidade da peça, acelera muito em suas falas, e assim nessa altura compromete a matéria prima desse espetáculo que é o diálogo. Não está perigosamente mau, mas parece estar presa, limitada por algo, como se não soubesse andar com os pés de Cecília, sentar como Cecília, respirar como Cecília. Não se nota na interpretação de Adréa Elia aqueles gestos pequenos, sutis e involuntários que caracterizam a riqueza de um corpo humano. A impressão dada é que ela não pensou a personagem. É preciso lembrar que o personagem é humano. O teatro do Sesi possui péssima acústica, por vezes, é muito difícil escutar a ambos os atores.
‘Caso Sério’ não é emocionante. Não é engraçado. O texto como está e como foi encenado, não fala de amizade, nem de amor. É antes um emaranhado de conversações e depoimentos, sobre vidas de gente tão desocupada e tão sem profundidade, que chegam a lembrar aqueles tediosos e tristes burgueses da Belle Époque. E se dizem “que a solidão tem remédio”, o teatro, sem dúvida, quando bom, pode ser o próprio remédio para centenas de pessoas numa noite de sábado. Eu estive no teatro Sesi e me senti solitário.
Espetáculo visto no dia 09 de janeiro.
Hedre Lavnzk Couto
'Joana D'Arc' empalidece o TCA
Havia um bom pretexto (a saga de Joana D’Arc); havia a promessa da presença de uma personagem feminina forte, marcante, versátil e bem delineada psicologicamente. Havia a experiente assinatura dramatúrgica da professora Cleise Mendes; havia a encenação de Elisa Mendes, de quem anos atrás eu vi um ótimo Lampião e Maria Bonita; havia uma produção de Vírginia Da Rin; e haveria de ter, um brinde, às consistentes construções de personagens, alcançadas pelos seis bons atores que integram o elenco.
Não obstante as indagações de muitos sobre o porquê de se escrever, montar ou mesmo ver espetáculos que abordem acontecimentos e ícones históricos, o óbvio ululante, sem dúvida, é que a História nos ensina. Seja em sua totalidade, seja em seus fatos e acontecimentos determinantes. Os gregos já sabiam disso e há mais de 20 séculos já faziam uso didático da história, através da obra dos grandes tragediógrafos, promovendo diversas reflexões em seu meio social. Negar a importância instrumental da história na arte, portanto, é duvidar da capacidade de compreensão do homem. Por isso congratulo a iniciativa da dramaturga em trazer a peito a arriscada tarefa de parir uma Joana D’Arc, sobretudo com aspirações contemporâneas.
Por outro lado esse texto de Cleise Mendes surpreende pela fraqueza e insuficiência. Não consegue, nem timidamente, dar conta de comunicar e acender aquelas questões ‘atuais’ que a dramaturga relata (no folder) estar tratando em sua peça. Não consegue, pois, transformar Joana D’arc (século XV) em uma história do século XXI, para pessoas do século XXI.
Tarefa também espinhosa e não raro cheia de armadilhas é a arte da direção. Elisa Mendes perdeu a mão no espetáculo. A despeito da falta de profundidade do texto, a diretora tratou de impossibilitar à peça qualquer alternativa de mínimo sucesso. O que se viu como resultado de sua direção de atores foi uma coletânea de descuidos, equívocos e falhas, desembocando num penoso desperdício de talentos.
Vejamos o caso de Joana D’Arc. Esta personagem ora defendida por Jussilene Santana para que alcançasse suficiência teria de ter tantos ingredientes e minudências quantos necessários fossem, para despertar no público as paulatinas facetas e estádios da campesina-menina-guerreira-livre-mulher-iluminada-sedutora-aprisionada-confusa-santa! Não é uma personagem fácil. Levada como foi, a catástrofe é inevitável! E o que se verifica é uma mistura insuportável de pieguice com um waldeville mal executado. E aí, este espetáculo que mais do que qualquer outro necessita de uma protagonista, torna-se mutilado.
B. Brecht dizia que ‘infeliz do povo que necessita de heróis’. Discordo dele! Hoje, como nunca antes, precisamos de heróis, de bons exemplos de coragem e caráter. E eu, o espectador - o único motivo do teatro - precisava escutar o conclamar tocante da donzela francesa, e após a peça, mesmo que se passassem anos, relatar aos meus filhos e netos sobre a personalidade peculiar de uma grande mártir chamada Joana D’Arc. Como espectador receptivo precisava que diante de mim, uma heroína bem entendida e bem concebida, me incitasse à coragem para ajudar a amenizar os meus problemas e os problemas do mundo! Não ouvi, não vi, nem senti. Aquela que eu vi não era Joana D’Arc. Lembrava mais uma personagem do seriado global Malhação... uma menina desinteressante, banal, chorona e estridente. Foi o que Vi. Os únicos dois momentos em que acredito na heroína, foram, ironicamente, aqueles onde a direção fez a opção pela quebra, pelo distanciamento, onde a atriz-personagem faz depoimentos ao público. Aqui está o reforço de minha convicção de que a Jussilene Santana é plenamente apta a interpretar Joana D’ Arc brilhantemente, apenas necessita ser melhor conduzida.
No tocante a construção dos outros personagens destaca-se o Promotor, interpretado por Carlos Betão, que, talentoso e competente como sempre, cria um personagem muito interessante, mas que é prejudicado seriamente pelas opções de movimentação cênica adotadas pela direção. Caio Rodrigo, na pele do Duque D’Alençon, tem interpretação sem relevo, parou na forma. Os Soldados de Jefferson Oliveira apresentam graves distúrbios de dicção, sem dúvidas decorrentes de uma desatenção vocal por parte do ator. O Conselheiro do Rei defendido por Hamilton Lima é ótimo, com destaque para a cena em que simula uma conversa com o Rei ausente (?). Já o mesmo Hamilton deixa a desejar no papel do Bispo, que aparece vacilante e débil, quando, penso, deveria ser astuto e menos doce. Com La Hire, Antonio Fábio mostra mais uma vez que tem uma notável presença de palco, uma luz peculiar, mas tem seu personagem comprometido, ao passo que a diretora não tratou de tirar-lhe certos vícios corporais e vocais. Por último, o Warwick de Widoto Áquila tem bons momentos, mas traz uma fala ‘arranhada’ e, por vezes, um certo histerismo que faz fronteira perigosa com a canastrice. No geral as relações dos personagens entre si, e entre os personagens com o público, bem como as situações dramáticas foram definitivamente prejudicadas pelas movimentações cênicas estabelecidas pela direção. E os atores poderiam ter ido muito mais além, uma vez que tivesse ocorrido uma preocupação maior com a direção de ator.
Além de ter optado por uma inábil movimentação dos atores sobre o palco, Elisa Mendes também explora de maneira pouco hábil a geografia espacial do palco no que respeita a definição dos ambientes, e o ‘desenho de cena’. Às vezes sentimos que determinado ambiente teria sua dramaticidade melhor explorada se estivesse localizado não na direita baixa, mas sim na esquerda alta e assim por diante, por exemplo. Ou então aparecem resoluções de transição de cenas escandalosamente forçadas, como, por exemplo, num momento onde o ator que faz o Promotor vê-se numa transição espacial mal formulada, forçado a improvisar e, ainda sentado em uma cadeira, arrastar-se atabalhoadamente do centro do palco à esquerda média. Para esse tipo de arranjo, não há discurso de teatro anti-realista ou moderno que o salve.
Chegando agora numa apreciação geral da relação da direção com os elementos do espetáculo, a cenografia de Zuarte não ajuda, talvez até piore o espetáculo. Não sou um daqueles que entendem que o artista tem que inventar a roda a cada novo trabalho, mas a visão espacial, plástica e semântica de Zuarte para este espetáculo é no mínimo pouco ousada, além do que, mesmo embora tendo visto vários trabalhos notáveis deste cenógrafo, começo a desconfiar que neste espetáculo ele confunde acomodação com estilo.
A iluminação de Elisa não é satisfatória. Compromete muito o espetáculo. Não ajuda na delimitação e definição dos ambientes físicos e psicológicos. As velas utilizadas como iluminação auxiliar e móvel foram uma boa opção. Mas a luz perdeu, juntamente com a cenografia, de fazer um bom trabalho. Tiveram timidez em criar, ou mesmo sugerir uma imagem inesquecível da fogueira.
A sonoplastia também com assinatura de Luciano Bahia é talvez uma das melhores coisas do espetáculo. A composição da trilha é impecável, neste item tanto Elisa quanto Luciano foram muito hábeis. Por outro lado penso que efeitos sonoros poderiam ter auxiliado no tom adequado das cenas do julgamento.
Já nos figurinos foi feita uma opção de desenho e palheta tradicionais. Pouco ousado que, se no geral das vestimentas masculinos não agridem, essa falta de ousadia no figurino da heroína ajuda a apequenar ainda mais a já inexistente presença da personagem.
Em linhas gerais o que se ver neste espetáculo Joana D’Arc é um desencontro. Um texto que já nasceu frágil e que fez rima de debilidade com uma encenação tímida, lançando a bela Jussilene Santana e CIA em ‘horas mortas’. Fui ver um espetáculo e acabei vendo um ensaio aberto.
Hedre Lavnzk Couto
Esptáculo visto em Sábado, 12 de dezembro de 2009. 20 horas. Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Praça do Campo Grande. Salvador - Bahia.
Não obstante as indagações de muitos sobre o porquê de se escrever, montar ou mesmo ver espetáculos que abordem acontecimentos e ícones históricos, o óbvio ululante, sem dúvida, é que a História nos ensina. Seja em sua totalidade, seja em seus fatos e acontecimentos determinantes. Os gregos já sabiam disso e há mais de 20 séculos já faziam uso didático da história, através da obra dos grandes tragediógrafos, promovendo diversas reflexões em seu meio social. Negar a importância instrumental da história na arte, portanto, é duvidar da capacidade de compreensão do homem. Por isso congratulo a iniciativa da dramaturga em trazer a peito a arriscada tarefa de parir uma Joana D’Arc, sobretudo com aspirações contemporâneas.
Por outro lado esse texto de Cleise Mendes surpreende pela fraqueza e insuficiência. Não consegue, nem timidamente, dar conta de comunicar e acender aquelas questões ‘atuais’ que a dramaturga relata (no folder) estar tratando em sua peça. Não consegue, pois, transformar Joana D’arc (século XV) em uma história do século XXI, para pessoas do século XXI.
Tarefa também espinhosa e não raro cheia de armadilhas é a arte da direção. Elisa Mendes perdeu a mão no espetáculo. A despeito da falta de profundidade do texto, a diretora tratou de impossibilitar à peça qualquer alternativa de mínimo sucesso. O que se viu como resultado de sua direção de atores foi uma coletânea de descuidos, equívocos e falhas, desembocando num penoso desperdício de talentos.
Vejamos o caso de Joana D’Arc. Esta personagem ora defendida por Jussilene Santana para que alcançasse suficiência teria de ter tantos ingredientes e minudências quantos necessários fossem, para despertar no público as paulatinas facetas e estádios da campesina-menina-guerreira-livre-mulher-iluminada-sedutora-aprisionada-confusa-santa! Não é uma personagem fácil. Levada como foi, a catástrofe é inevitável! E o que se verifica é uma mistura insuportável de pieguice com um waldeville mal executado. E aí, este espetáculo que mais do que qualquer outro necessita de uma protagonista, torna-se mutilado.
B. Brecht dizia que ‘infeliz do povo que necessita de heróis’. Discordo dele! Hoje, como nunca antes, precisamos de heróis, de bons exemplos de coragem e caráter. E eu, o espectador - o único motivo do teatro - precisava escutar o conclamar tocante da donzela francesa, e após a peça, mesmo que se passassem anos, relatar aos meus filhos e netos sobre a personalidade peculiar de uma grande mártir chamada Joana D’Arc. Como espectador receptivo precisava que diante de mim, uma heroína bem entendida e bem concebida, me incitasse à coragem para ajudar a amenizar os meus problemas e os problemas do mundo! Não ouvi, não vi, nem senti. Aquela que eu vi não era Joana D’Arc. Lembrava mais uma personagem do seriado global Malhação... uma menina desinteressante, banal, chorona e estridente. Foi o que Vi. Os únicos dois momentos em que acredito na heroína, foram, ironicamente, aqueles onde a direção fez a opção pela quebra, pelo distanciamento, onde a atriz-personagem faz depoimentos ao público. Aqui está o reforço de minha convicção de que a Jussilene Santana é plenamente apta a interpretar Joana D’ Arc brilhantemente, apenas necessita ser melhor conduzida.
No tocante a construção dos outros personagens destaca-se o Promotor, interpretado por Carlos Betão, que, talentoso e competente como sempre, cria um personagem muito interessante, mas que é prejudicado seriamente pelas opções de movimentação cênica adotadas pela direção. Caio Rodrigo, na pele do Duque D’Alençon, tem interpretação sem relevo, parou na forma. Os Soldados de Jefferson Oliveira apresentam graves distúrbios de dicção, sem dúvidas decorrentes de uma desatenção vocal por parte do ator. O Conselheiro do Rei defendido por Hamilton Lima é ótimo, com destaque para a cena em que simula uma conversa com o Rei ausente (?). Já o mesmo Hamilton deixa a desejar no papel do Bispo, que aparece vacilante e débil, quando, penso, deveria ser astuto e menos doce. Com La Hire, Antonio Fábio mostra mais uma vez que tem uma notável presença de palco, uma luz peculiar, mas tem seu personagem comprometido, ao passo que a diretora não tratou de tirar-lhe certos vícios corporais e vocais. Por último, o Warwick de Widoto Áquila tem bons momentos, mas traz uma fala ‘arranhada’ e, por vezes, um certo histerismo que faz fronteira perigosa com a canastrice. No geral as relações dos personagens entre si, e entre os personagens com o público, bem como as situações dramáticas foram definitivamente prejudicadas pelas movimentações cênicas estabelecidas pela direção. E os atores poderiam ter ido muito mais além, uma vez que tivesse ocorrido uma preocupação maior com a direção de ator.
Além de ter optado por uma inábil movimentação dos atores sobre o palco, Elisa Mendes também explora de maneira pouco hábil a geografia espacial do palco no que respeita a definição dos ambientes, e o ‘desenho de cena’. Às vezes sentimos que determinado ambiente teria sua dramaticidade melhor explorada se estivesse localizado não na direita baixa, mas sim na esquerda alta e assim por diante, por exemplo. Ou então aparecem resoluções de transição de cenas escandalosamente forçadas, como, por exemplo, num momento onde o ator que faz o Promotor vê-se numa transição espacial mal formulada, forçado a improvisar e, ainda sentado em uma cadeira, arrastar-se atabalhoadamente do centro do palco à esquerda média. Para esse tipo de arranjo, não há discurso de teatro anti-realista ou moderno que o salve.
Chegando agora numa apreciação geral da relação da direção com os elementos do espetáculo, a cenografia de Zuarte não ajuda, talvez até piore o espetáculo. Não sou um daqueles que entendem que o artista tem que inventar a roda a cada novo trabalho, mas a visão espacial, plástica e semântica de Zuarte para este espetáculo é no mínimo pouco ousada, além do que, mesmo embora tendo visto vários trabalhos notáveis deste cenógrafo, começo a desconfiar que neste espetáculo ele confunde acomodação com estilo.
A iluminação de Elisa não é satisfatória. Compromete muito o espetáculo. Não ajuda na delimitação e definição dos ambientes físicos e psicológicos. As velas utilizadas como iluminação auxiliar e móvel foram uma boa opção. Mas a luz perdeu, juntamente com a cenografia, de fazer um bom trabalho. Tiveram timidez em criar, ou mesmo sugerir uma imagem inesquecível da fogueira.
A sonoplastia também com assinatura de Luciano Bahia é talvez uma das melhores coisas do espetáculo. A composição da trilha é impecável, neste item tanto Elisa quanto Luciano foram muito hábeis. Por outro lado penso que efeitos sonoros poderiam ter auxiliado no tom adequado das cenas do julgamento.
Já nos figurinos foi feita uma opção de desenho e palheta tradicionais. Pouco ousado que, se no geral das vestimentas masculinos não agridem, essa falta de ousadia no figurino da heroína ajuda a apequenar ainda mais a já inexistente presença da personagem.
Em linhas gerais o que se ver neste espetáculo Joana D’Arc é um desencontro. Um texto que já nasceu frágil e que fez rima de debilidade com uma encenação tímida, lançando a bela Jussilene Santana e CIA em ‘horas mortas’. Fui ver um espetáculo e acabei vendo um ensaio aberto.
Hedre Lavnzk Couto
Esptáculo visto em Sábado, 12 de dezembro de 2009. 20 horas. Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Praça do Campo Grande. Salvador - Bahia.
O Homem da Tarja Pálida
Que Deus me ajude. (paro. vou à janela. respiro. tomo café. continuo.) Meus poucos amigos sabem que se escrevo sobre uma peça de teatro na mesma noite em que a vi, das duas uma: Ou gostei muito ou...
Quando alguém que não é escritor de teatro (dramaturgo) se mete a fazer o que não sabe, parindo uma bula de um Frankenstein, quando uma atriz atrapalhada e desatenta se mete a dirigir teatro e ajuda vaidosamente a materializar o monstro, quando um sujeito que tomou inadequadamente para si o título de ator se atreve a interpretar aquilo que seria um monólogo (talvez o formato cênico, depois da ópera, mais difícil de ser realizado), quando toda uma equipe de gente se junta com muita ilusão, pouca técnica e nenhuma inspiração, temos o “espetáculo” de teatro O Homem da Tarja Preta. Este é, sem dúvida alguma, o pior espetáculo que já vi. E olha que já vi muito teatro. E muita coisa ruim. Mas o que vi na noite desta sexta-feira 29, no teatro da Casa do Comércio, em Salvador, foi uma catástrofe! Que Deus nos abençoe!
O Homem da Tarja Preta é escrito pelo psicanalista Contardo Galligaris; a direção é da atriz Bete Coelho; O ator solando é Ricardo Bittencourt. Reza a lenda que Contardo e Bittencourt tiveram a idéia do espetáculo numa noitada e, em seguida a Coelho embarcou no projeto. O que se sabe mesmo, de certo, é que Contardo, um profissional com mais de trinta anos de experiência em psicanálise clinica, perdeu uma ótima chance de ter escrito um texto ao mínimo regular. Perdeu uma boa oportunidade de transformar em arte dramatúrgica os relatos dos inumeráveis pacientes que teve ao longo do tempo. Se o autor tinha por objetivo discutir as peculiaridades do universo masculino (ele mesmo diz que pretende dividir com a platéia as indagações metafísicas a respeito de “o que é um homem?” e “como é ser homem?”), e se, além disso, ele também almejava se lançar na já, tão batita, abordagem sobre as revoluções provocadas pela Internet nos diversos tipos de relações humanas, ele o fez de maneira atabalhoada e sem o menor indício de veia artística e comunicativa. Contardo produz um objeto textual opaco. No que diz respeito ao conteúdo, ele deu provas de que não possui habilidade para dar tratamento ao texto, não sabe selecionar o que precisa ser eximiamente selecionado. Deveria ter-lhe ocorrido que não se pode contar algo ao público através do mesmo método que os seus pacientes vomitam suas histórias no consultório. Um grande dramaturgo talvez lhe esclarecesse que, tal qual fazem os ruminantes diante da comida, um escritor de teatro deve encarar seu material como um suculento bolo gástrico, fermentá-lo, digeri-lo, esculpi-lo e depois lapidá-lo. Ao escritor cabe selecionar o que, quando, e como cada frase de seu texto atingirá o íntimo do espectador. E aqui já diz respeito também as questões formais. O texto de Contardo é deformado.
E não me venham com essa de que eu sou exigente demais, ou como dizem alguns, que eu não gosto de nada. Sem essa, cara pálida. Se alguém tem a cara de pau de botar um espetáculo em cartaz assinando o texto, ele que pesquise, que experimente, que encontre um jeito de fazer algo com algum valor devidamente artístico. A arte não é para todos. Vamos parar com esse papo politicamente correto de que todos são potencialmente artistas, não somos não! A prova está aí, fui ao teatro para ver um belo espetáculo, que tratasse de maneira original, séria ou divertida as famigeradas vidas virtuais nossas de cada dia, esperava mais ainda ver os nossos diversos dilemas do mundo masculino ser virtuosamente dissecados, ironizados, ampliados, desmascarados, cumpliciados, apiedados, compartilhados, humilhados. Mas nada! O que presenciei foi apenas um fedorento arroto pornofônico. O que de fato ouvi foi a palavra “PAU” ser gritada umas oitenta vezes, o delicado verbo TREPAR ser conjugado umas cento e vinte. Sofri, dormi, e superei mais de uma hora de muita babaquice.
Em teatro costuma-se dizer que um diretor ruim pode colocar um ótimo texto a perder. Fato indiscutível. Mas também se diz que um diretor preparado e empenhado pode amenizar as deficiências e inconsistências da peça escrita. A diretora (atriz!) Bete Coelho não consegue, pois, curar o texto de Contardo. Sua encenação é desastrosa. Não é fácil dirigir um monólogo – mas como dizem os baianos da gema, “se não agüenta, pra que veio?”. Trabalhar um monólogo é brigar o tempo todo contra a ameaça constante de provocar monotonia no público. Antes de tudo o diretor tem de se mostrar um bom diretor de ator, o que Bete demonstrou que não é. Bittencourt relata que eles fizeram ‘minuciosos, obsessivos e apaixonados ensaios’, perderam tempo então, porque não se nota esse processo no resultado final. Mas ainda sobre a corrida contra o fantasma da monotonia, em monólogos a direção tem de explorar bem a movimentação, ou a disposição do ator e do cenário (se este existir) sobre o palco. Isso a diretora não faz. É preciso ainda criar uma perfeita sintonia de tempo, rítmo, compasso entre as ações do ator com o trabalho de todos os elementos do espetáculo. Isso também a diretora não consegue fazer. Espetáculo de texto ruim, com direção frouxa. Valha-me, Deus!
A luz de Wagner freire é muito descarada. A sonoplastia, que poderia ter ajudado... Alguém lembra? O figurino de Rodrigo Fraga vai ganhar o Shell do descabimento, que licença poética hiperbólica é essa de colocar alguém que trabalha, de madrugada, na própria casa, usando terno, e fúnebre?! Rodrigo como sempre, é inteligente demais para meu pequeno cérebro. Agora a cenografia, ai, ai... A Flávia Pedras Soares, ex mulher de Jô Soares, quis criar um home-office de apartamento de classe média, mas o que ela fez, mesmo, foi a reconstrução daquilo que imagino se aproximar muito de um lúgubre compartimento da biblioteca de Alexandria, aquela que pegou fogo, lembra? Pois bem, não satisfeita com esse desastre visual e semântico, esta senhora ainda me inventou ter realizado a direção de arte deste monólogo. Gente... Direção de arte é uma função oriunda do cinema, presume-se qualidade, riqueza artística, precisão. Até agora eu estou procurando esta direção de arte de Flávia Soares. Oh Jô, me ajuda aí, Jô! Pedras, Pedras...
Eis que não se pode deixar de comentar o desempenho da interpretação de Ricardo Bittencourt, ator vindo de escolas e de diretores viscerais como o baiano Paulo Dourado e o paulistano Zé Celso Martinez. Ricardo que me perdoe, mas neste trabalho ele está dando um vexame de ferir de morte qualquer amante do bom teatro. Zé Celso é um gênio, mas o ator que trabalha muito com ele corre o risco de perder o norte das coisas, anoto. No palco, o personagem de Ricardo é um *bufão indigesto. E não me venham os senhores sabichões de Plantão dizer que esta foi a intenção, porque está indigesto demais para conseguir ganhar a atenção de qualquer público que tenha estômago. E igualmente não me venham falar que a tal da intenção foi incomodar e chocar mesmo a platéia, porque essa é a única função que sobrou ao teatro dito pós-moderno, do qual o Zé Celso (professor do Ricardo) é mestre e doutor em fazer e defender e arrotar. Do trabalho de Bittencourt neste monólogo, nada se salva.
E se eles dizem que ‘O Homem da Tarja Preta’ é um espetáculo sobre uma das maiores questões do mundo moderno – “Não é fácil ser homem!” – eu já digo que o fracasso e a falta de qualidade do trabalho deles, me fez refletir ainda mais sobre aquela que é, sim, uma das maiores questões do Teatro Moderno: diante de tanta coisa mal feita, sem inspiração e sem sentido artístico e intelectual, e ainda sofrendo a concorrência titânica dos meios de comunicação de massa, até quando o teatro existirá?
*Bufão: diz respeito a um tipo do mundo dos palhaços. Tem por características ser extremamente desagradável, violento e extravagante. Podendo arrotar, bufar, escarrar, urinar, cagar, se masturbar, copular, agredir os seus contracenas e mesmo, a depender do caráter da apresentação, o próprio público. (nota de Hedre)
Hedre Lavnzk Couto
Espetáculo visto em 29/01/10 em Salvador.
Quando alguém que não é escritor de teatro (dramaturgo) se mete a fazer o que não sabe, parindo uma bula de um Frankenstein, quando uma atriz atrapalhada e desatenta se mete a dirigir teatro e ajuda vaidosamente a materializar o monstro, quando um sujeito que tomou inadequadamente para si o título de ator se atreve a interpretar aquilo que seria um monólogo (talvez o formato cênico, depois da ópera, mais difícil de ser realizado), quando toda uma equipe de gente se junta com muita ilusão, pouca técnica e nenhuma inspiração, temos o “espetáculo” de teatro O Homem da Tarja Preta. Este é, sem dúvida alguma, o pior espetáculo que já vi. E olha que já vi muito teatro. E muita coisa ruim. Mas o que vi na noite desta sexta-feira 29, no teatro da Casa do Comércio, em Salvador, foi uma catástrofe! Que Deus nos abençoe!
O Homem da Tarja Preta é escrito pelo psicanalista Contardo Galligaris; a direção é da atriz Bete Coelho; O ator solando é Ricardo Bittencourt. Reza a lenda que Contardo e Bittencourt tiveram a idéia do espetáculo numa noitada e, em seguida a Coelho embarcou no projeto. O que se sabe mesmo, de certo, é que Contardo, um profissional com mais de trinta anos de experiência em psicanálise clinica, perdeu uma ótima chance de ter escrito um texto ao mínimo regular. Perdeu uma boa oportunidade de transformar em arte dramatúrgica os relatos dos inumeráveis pacientes que teve ao longo do tempo. Se o autor tinha por objetivo discutir as peculiaridades do universo masculino (ele mesmo diz que pretende dividir com a platéia as indagações metafísicas a respeito de “o que é um homem?” e “como é ser homem?”), e se, além disso, ele também almejava se lançar na já, tão batita, abordagem sobre as revoluções provocadas pela Internet nos diversos tipos de relações humanas, ele o fez de maneira atabalhoada e sem o menor indício de veia artística e comunicativa. Contardo produz um objeto textual opaco. No que diz respeito ao conteúdo, ele deu provas de que não possui habilidade para dar tratamento ao texto, não sabe selecionar o que precisa ser eximiamente selecionado. Deveria ter-lhe ocorrido que não se pode contar algo ao público através do mesmo método que os seus pacientes vomitam suas histórias no consultório. Um grande dramaturgo talvez lhe esclarecesse que, tal qual fazem os ruminantes diante da comida, um escritor de teatro deve encarar seu material como um suculento bolo gástrico, fermentá-lo, digeri-lo, esculpi-lo e depois lapidá-lo. Ao escritor cabe selecionar o que, quando, e como cada frase de seu texto atingirá o íntimo do espectador. E aqui já diz respeito também as questões formais. O texto de Contardo é deformado.
E não me venham com essa de que eu sou exigente demais, ou como dizem alguns, que eu não gosto de nada. Sem essa, cara pálida. Se alguém tem a cara de pau de botar um espetáculo em cartaz assinando o texto, ele que pesquise, que experimente, que encontre um jeito de fazer algo com algum valor devidamente artístico. A arte não é para todos. Vamos parar com esse papo politicamente correto de que todos são potencialmente artistas, não somos não! A prova está aí, fui ao teatro para ver um belo espetáculo, que tratasse de maneira original, séria ou divertida as famigeradas vidas virtuais nossas de cada dia, esperava mais ainda ver os nossos diversos dilemas do mundo masculino ser virtuosamente dissecados, ironizados, ampliados, desmascarados, cumpliciados, apiedados, compartilhados, humilhados. Mas nada! O que presenciei foi apenas um fedorento arroto pornofônico. O que de fato ouvi foi a palavra “PAU” ser gritada umas oitenta vezes, o delicado verbo TREPAR ser conjugado umas cento e vinte. Sofri, dormi, e superei mais de uma hora de muita babaquice.
Em teatro costuma-se dizer que um diretor ruim pode colocar um ótimo texto a perder. Fato indiscutível. Mas também se diz que um diretor preparado e empenhado pode amenizar as deficiências e inconsistências da peça escrita. A diretora (atriz!) Bete Coelho não consegue, pois, curar o texto de Contardo. Sua encenação é desastrosa. Não é fácil dirigir um monólogo – mas como dizem os baianos da gema, “se não agüenta, pra que veio?”. Trabalhar um monólogo é brigar o tempo todo contra a ameaça constante de provocar monotonia no público. Antes de tudo o diretor tem de se mostrar um bom diretor de ator, o que Bete demonstrou que não é. Bittencourt relata que eles fizeram ‘minuciosos, obsessivos e apaixonados ensaios’, perderam tempo então, porque não se nota esse processo no resultado final. Mas ainda sobre a corrida contra o fantasma da monotonia, em monólogos a direção tem de explorar bem a movimentação, ou a disposição do ator e do cenário (se este existir) sobre o palco. Isso a diretora não faz. É preciso ainda criar uma perfeita sintonia de tempo, rítmo, compasso entre as ações do ator com o trabalho de todos os elementos do espetáculo. Isso também a diretora não consegue fazer. Espetáculo de texto ruim, com direção frouxa. Valha-me, Deus!
A luz de Wagner freire é muito descarada. A sonoplastia, que poderia ter ajudado... Alguém lembra? O figurino de Rodrigo Fraga vai ganhar o Shell do descabimento, que licença poética hiperbólica é essa de colocar alguém que trabalha, de madrugada, na própria casa, usando terno, e fúnebre?! Rodrigo como sempre, é inteligente demais para meu pequeno cérebro. Agora a cenografia, ai, ai... A Flávia Pedras Soares, ex mulher de Jô Soares, quis criar um home-office de apartamento de classe média, mas o que ela fez, mesmo, foi a reconstrução daquilo que imagino se aproximar muito de um lúgubre compartimento da biblioteca de Alexandria, aquela que pegou fogo, lembra? Pois bem, não satisfeita com esse desastre visual e semântico, esta senhora ainda me inventou ter realizado a direção de arte deste monólogo. Gente... Direção de arte é uma função oriunda do cinema, presume-se qualidade, riqueza artística, precisão. Até agora eu estou procurando esta direção de arte de Flávia Soares. Oh Jô, me ajuda aí, Jô! Pedras, Pedras...
Eis que não se pode deixar de comentar o desempenho da interpretação de Ricardo Bittencourt, ator vindo de escolas e de diretores viscerais como o baiano Paulo Dourado e o paulistano Zé Celso Martinez. Ricardo que me perdoe, mas neste trabalho ele está dando um vexame de ferir de morte qualquer amante do bom teatro. Zé Celso é um gênio, mas o ator que trabalha muito com ele corre o risco de perder o norte das coisas, anoto. No palco, o personagem de Ricardo é um *bufão indigesto. E não me venham os senhores sabichões de Plantão dizer que esta foi a intenção, porque está indigesto demais para conseguir ganhar a atenção de qualquer público que tenha estômago. E igualmente não me venham falar que a tal da intenção foi incomodar e chocar mesmo a platéia, porque essa é a única função que sobrou ao teatro dito pós-moderno, do qual o Zé Celso (professor do Ricardo) é mestre e doutor em fazer e defender e arrotar. Do trabalho de Bittencourt neste monólogo, nada se salva.
E se eles dizem que ‘O Homem da Tarja Preta’ é um espetáculo sobre uma das maiores questões do mundo moderno – “Não é fácil ser homem!” – eu já digo que o fracasso e a falta de qualidade do trabalho deles, me fez refletir ainda mais sobre aquela que é, sim, uma das maiores questões do Teatro Moderno: diante de tanta coisa mal feita, sem inspiração e sem sentido artístico e intelectual, e ainda sofrendo a concorrência titânica dos meios de comunicação de massa, até quando o teatro existirá?
*Bufão: diz respeito a um tipo do mundo dos palhaços. Tem por características ser extremamente desagradável, violento e extravagante. Podendo arrotar, bufar, escarrar, urinar, cagar, se masturbar, copular, agredir os seus contracenas e mesmo, a depender do caráter da apresentação, o próprio público. (nota de Hedre)
Hedre Lavnzk Couto
Espetáculo visto em 29/01/10 em Salvador.
No Outro Lado do Mar
Ao término do espetáculo, já fora do Teatro Martim Gonçalves, um desses amigos insuportáveis perguntou-me: ‘Hedre, em que estética se enquadra essa montagem?’ E eu lhe respondi: ‘eu não sei, William. ’ Outro amigo, desses mais pacíficos, interrompeu-nos: ‘Que discussão mais besta, vocês não perceberam ainda que vivemos no teatro a época do [Misturalismo]?’ E eu, já distraído, e acendendo meu cigarro, concordei: ‘Pode ser, Yoshi!’ E ainda ali, permanecemos os três, por uns 10 minutos, elucubrando a respeito de Estética, Estilo, Método, Texto, Pureza, Sujeira, e, claro, principalmente sobre o tal do Misturalismo, descoberta nobélica do rápido amigo. Sem mais delongas...
O texto de ‘No Outro Lado do Mar’ é de autoria do angolano José Mena Abrantes. E confesso que sei pouco sobre ele e sua obra, embora já tenha lido uma outra peça sua chamada ‘Amesa’. Ao que parece, pelo pouco material que tive acesso (a peça que li e a peça que vi) o escritor tem predileção por escrever sobre o seu habitat, ou seja, sobre a sua terra angolana, sobre o Povo angolano, sua história, sua personalidade, suas vicissitudes e tragédias, seu inconsciente coletivo, o duro e belo vigor de uma identidade popular africana. Abrantes faz uma honesta tentativa de transformar os temas e personagens de seu país em sentimentos e arquétipos universais, mas, esbarra suas pretensões dramatúrgicas numa contundente falta de técnica. Temos a impressão nítida de que ele tem sensibilidade, boa capacidade de observação, de investigação e pesquisa, contudo, ainda não consegue selecionar com destreza, em meio a vasta gama de riqueza cultural humana que dispõe Angola, aquele material que de fato teria uma maior vocação dramatúrgica. Aliado a essa constatação, a deficiência técnica desse escritor fica mais visível na fragilidade formal de suas obras, para simplificar, é como se ele tivesse algo a dizer, mas, não sabe nem como dizer, nem como revelar. Por outra, falta-lhe habilidade de narrativa, falta-lhe como se diz, carpintaria dramatúrgica. Mas isso pode ser conseqüência do tempo, a prática e a dedicação e o hábito instrumentalizam os dramaturgos. Genialidade é inata, mas competência pode ser adquirida.
No Outro Lado do Mar é um texto ruim. É um vomitório agonizante. Tanto é que se vocês me indagarem a sinopse ou o argumento, me perguntarem qual é a história que a peça conta, não saberia responder. Alguns poderão me dizer, ‘mas essa é uma característica dos textos contemporâneos, que usam e abusam da fragmentariedade e entrelaçamento dos diálogos, que confundem tempo e espaço, que não tem compromisso com narrativa linear, que o expressionismo, o surrealismo, principalmente os cinematográficos, enterraram de vez as lições de “A Poética” de Aristóteles. Que Abrantes é um visionário e eu um conservador.’ Mas este não é o caso, o texto em si é fraco, justificadamente até, dada a atecnia dramatúrgica do autor. Em suma , o texto de No Outro Lado do Mar é uma almôndega confusa e mórbida, recheada de lamentos que não conseguem alcançar os nossos apressados ouvidos ocidentais.
E meus amigos, quando o texto é ruim, a direção tem de destruir o frágil primeiro autor e se transformar num novo e melhor autor: o nome disso é encenação. Este foi o ato humano que não existiu. A direção de No Outro Lado do Mar é da diretora Suelma Costa. Uma direção apagada, tímida e conivente com as fragilidades do dramaturgo. Ela devia ter assumido a responsabilidade, a coragem de estuprar o autor, mexer no conteúdo, na narrativa, na intensidade, na cor e na distribuição dos diálogos, na qualidade dos personagens, criar sua própria linguagem visual, enfim, se fazia necessária uma reescritura cênica, a diretora não a fez. Faltou-lhe personalidade e coragem para assumir uma postura de poeta criadora de metáforas, ela se contentou em ser uma mera repetidora do dramaturgo. E aqui posso eu aproveitar um pouco daquela discussão do ‘Misturalismo’. Acho que tem dois tipos disso: Primeiro o Misturalismo desempenhado por uma direção que conhece bem diferentes correntes e estilos teatrais, e a depender do objeto cênico que se está construindo, verificar se é bem vinda a mixagem de tendências, se for o caso realizando-a. Isso quando feito por quem conhece e sabe fazer, o resultado é satisfatório. Segundo, há o mituralismo de quem não sabe de onde vem o vento e nem pra onde ele vai, ou seja, aquela direção que mescla tudo, sem conhecer nada e, faz o já citado por mim, samba do maneca cego. Dito isto, quero ressaltar que a direção fez uma opção que me chamou a atenção especialmente: uma vez a peça levada no Teatro Martim Gonçalves, palco a italiana, cena frontal, a diretora preferiu, certamente numa tentativa de conferir ares de espetáculo de estética experimental, bem como deixar o público mais próximo à ação, estabelecer a platéia em cima do palco, no formato FERRADURA (algo parecido com uma semi-arena) circundando a zona cênica. Contudo a despeito dessa aproximação física, os atores-personagens agiam como se existisse uma espessa quarta parede, fulminando a intenção de proximidade (imagino eu não só física) com o público. A idéia teria sido pelo menos coerente, se a encenação tivesse abdicado da quarta parede. Bom, esse é um exemplo clássico do misturalismo, quando se mistura coisas sem prever ou perceber o prejuízo do ato impensado. A diretora trilhou o errôneo caminho do texto, e assim, no geral manteve-se bem apática quando a concepção e coordenação dos demais elementos constitutivos do espetáculo. O mais curioso é que Suelma Costa é aluna diretora formanda pela Escola de teatro da UFBA, e teve como orientador o eminente professor Dr. Gláucio Machado. Há algo de capenga no reino do Canela. E ainda acham ruim quando eu digo que a Escola de Teatro da UFBA acabou. Mas vamos em frente...
O cenário da própria Suelma Costa e da Ana Maia Soares, trata-se , pelo menos tive essa impressão, de uma superfície coberta de areia, uma praia ou algo do gênero. Tal cenário tornou-se praticamente supérfluo pela forma como é trabalhado pela luz, pela opção da platéia disposta em FERRADURA e pelas marcações e movimentações impressas pela direção. Devo dizer, que uma das coisas mais difíceis em teatro é encenar nestes formatos de arena, semi-arena, ferradura e Black bloxe. Por vezes é melhor fazer só o que se sabe, já me dizia um diretor alemão. A iluminação de Aldren Lincoln e Everton Machado, no todo aberta, é muito deficiente. Poderiam ter optando por uma luz expressionista, fechando mais, recortando o palco entre ambientes oníricos e outros crus, o resultado talvez tivesse sido melhor. O figurino da direção e do elenco, é insignificante. A trilha sonora é roliudiana.
No tocante à interpretação, sempre acho que os personagens que vejo no palco são em boa parte o reflexo da capacidade de dirigir ator, por parte dos diretores. Pode parecer uma frase de lugar comum, mas esse detalhe técnico faz toda a diferença. Ana Maria Soares, num ou noutro momento, conseguiu me causar interesse em cena. Possuindo uma dramaticidade latente, sentia que por vezes aflorava algo que vinha de suas entranhas, mas isso por poucos segundos, e logo aparecia o geral dessa sua atual performance, que é ainda muito aquém do que ela pode fazer. Eu confesso que quero trabalhar com Ana Maria um dia desses. Everton Machado não conseguiu me causar interesse em momento algum. Eu não sei qual o problema de Everton, se ele é sempre azaradamente mal dirigido ou se ele precisa estudar-praticar mais. Percebo que ele tem vontade, percebo que ele gosta do que faz, acho que melhorará muito no dia em que trabalhar com um bom diretor de ator. Eu sentirei muito prazer ainda em escrever bem sobre Everton, e não tenho dúvida que ele me dará essa oportunidade. Essa investigação vocal que Daiane Leal e Heloisa Jorge fizeram conferiu ao personagem do Machado uma voz (ou como diria a fonoaudióloga Ana Ribeiro em sua distinção voz para atores e falas para personagens) uma fala robotizada, insegura por mal trabalhada, de um volume oco e não humano certamente. A investigação corporal com Aldren Lincoln também não ajudou. Os atores conceberam partituras corporais muito retas e simplórias para seus personagens, fragilizando-os mais ainda.
No Outro Lado Mar é uma bela frase. E sinceramente acho que pode ser melhorado como espetáculo. O autor diz na peça que ‘a intimidade é a morte dos sentimentos’, não acredito nisso não. A intimidade é a melhor coisa que pode acontecer aos sentimentos. Aliás, os sentimentos só podem mesmo surgir com a intimidade. Por outro lado acredito que a vaidade e a incapacidade de ouvir nos torna pessoas bem menos interessantes.
Espetáculo de Formatura em direção teatral de Suelma Costa, orientado por Gláucio Machado
visto no teatro Martim Gonçalves, ETA-UFBA, canela
última sexta feira de fevereiro de 2010.
Hedre Lavnzk Couto
O texto de ‘No Outro Lado do Mar’ é de autoria do angolano José Mena Abrantes. E confesso que sei pouco sobre ele e sua obra, embora já tenha lido uma outra peça sua chamada ‘Amesa’. Ao que parece, pelo pouco material que tive acesso (a peça que li e a peça que vi) o escritor tem predileção por escrever sobre o seu habitat, ou seja, sobre a sua terra angolana, sobre o Povo angolano, sua história, sua personalidade, suas vicissitudes e tragédias, seu inconsciente coletivo, o duro e belo vigor de uma identidade popular africana. Abrantes faz uma honesta tentativa de transformar os temas e personagens de seu país em sentimentos e arquétipos universais, mas, esbarra suas pretensões dramatúrgicas numa contundente falta de técnica. Temos a impressão nítida de que ele tem sensibilidade, boa capacidade de observação, de investigação e pesquisa, contudo, ainda não consegue selecionar com destreza, em meio a vasta gama de riqueza cultural humana que dispõe Angola, aquele material que de fato teria uma maior vocação dramatúrgica. Aliado a essa constatação, a deficiência técnica desse escritor fica mais visível na fragilidade formal de suas obras, para simplificar, é como se ele tivesse algo a dizer, mas, não sabe nem como dizer, nem como revelar. Por outra, falta-lhe habilidade de narrativa, falta-lhe como se diz, carpintaria dramatúrgica. Mas isso pode ser conseqüência do tempo, a prática e a dedicação e o hábito instrumentalizam os dramaturgos. Genialidade é inata, mas competência pode ser adquirida.
No Outro Lado do Mar é um texto ruim. É um vomitório agonizante. Tanto é que se vocês me indagarem a sinopse ou o argumento, me perguntarem qual é a história que a peça conta, não saberia responder. Alguns poderão me dizer, ‘mas essa é uma característica dos textos contemporâneos, que usam e abusam da fragmentariedade e entrelaçamento dos diálogos, que confundem tempo e espaço, que não tem compromisso com narrativa linear, que o expressionismo, o surrealismo, principalmente os cinematográficos, enterraram de vez as lições de “A Poética” de Aristóteles. Que Abrantes é um visionário e eu um conservador.’ Mas este não é o caso, o texto em si é fraco, justificadamente até, dada a atecnia dramatúrgica do autor. Em suma , o texto de No Outro Lado do Mar é uma almôndega confusa e mórbida, recheada de lamentos que não conseguem alcançar os nossos apressados ouvidos ocidentais.
E meus amigos, quando o texto é ruim, a direção tem de destruir o frágil primeiro autor e se transformar num novo e melhor autor: o nome disso é encenação. Este foi o ato humano que não existiu. A direção de No Outro Lado do Mar é da diretora Suelma Costa. Uma direção apagada, tímida e conivente com as fragilidades do dramaturgo. Ela devia ter assumido a responsabilidade, a coragem de estuprar o autor, mexer no conteúdo, na narrativa, na intensidade, na cor e na distribuição dos diálogos, na qualidade dos personagens, criar sua própria linguagem visual, enfim, se fazia necessária uma reescritura cênica, a diretora não a fez. Faltou-lhe personalidade e coragem para assumir uma postura de poeta criadora de metáforas, ela se contentou em ser uma mera repetidora do dramaturgo. E aqui posso eu aproveitar um pouco daquela discussão do ‘Misturalismo’. Acho que tem dois tipos disso: Primeiro o Misturalismo desempenhado por uma direção que conhece bem diferentes correntes e estilos teatrais, e a depender do objeto cênico que se está construindo, verificar se é bem vinda a mixagem de tendências, se for o caso realizando-a. Isso quando feito por quem conhece e sabe fazer, o resultado é satisfatório. Segundo, há o mituralismo de quem não sabe de onde vem o vento e nem pra onde ele vai, ou seja, aquela direção que mescla tudo, sem conhecer nada e, faz o já citado por mim, samba do maneca cego. Dito isto, quero ressaltar que a direção fez uma opção que me chamou a atenção especialmente: uma vez a peça levada no Teatro Martim Gonçalves, palco a italiana, cena frontal, a diretora preferiu, certamente numa tentativa de conferir ares de espetáculo de estética experimental, bem como deixar o público mais próximo à ação, estabelecer a platéia em cima do palco, no formato FERRADURA (algo parecido com uma semi-arena) circundando a zona cênica. Contudo a despeito dessa aproximação física, os atores-personagens agiam como se existisse uma espessa quarta parede, fulminando a intenção de proximidade (imagino eu não só física) com o público. A idéia teria sido pelo menos coerente, se a encenação tivesse abdicado da quarta parede. Bom, esse é um exemplo clássico do misturalismo, quando se mistura coisas sem prever ou perceber o prejuízo do ato impensado. A diretora trilhou o errôneo caminho do texto, e assim, no geral manteve-se bem apática quando a concepção e coordenação dos demais elementos constitutivos do espetáculo. O mais curioso é que Suelma Costa é aluna diretora formanda pela Escola de teatro da UFBA, e teve como orientador o eminente professor Dr. Gláucio Machado. Há algo de capenga no reino do Canela. E ainda acham ruim quando eu digo que a Escola de Teatro da UFBA acabou. Mas vamos em frente...
O cenário da própria Suelma Costa e da Ana Maia Soares, trata-se , pelo menos tive essa impressão, de uma superfície coberta de areia, uma praia ou algo do gênero. Tal cenário tornou-se praticamente supérfluo pela forma como é trabalhado pela luz, pela opção da platéia disposta em FERRADURA e pelas marcações e movimentações impressas pela direção. Devo dizer, que uma das coisas mais difíceis em teatro é encenar nestes formatos de arena, semi-arena, ferradura e Black bloxe. Por vezes é melhor fazer só o que se sabe, já me dizia um diretor alemão. A iluminação de Aldren Lincoln e Everton Machado, no todo aberta, é muito deficiente. Poderiam ter optando por uma luz expressionista, fechando mais, recortando o palco entre ambientes oníricos e outros crus, o resultado talvez tivesse sido melhor. O figurino da direção e do elenco, é insignificante. A trilha sonora é roliudiana.
No tocante à interpretação, sempre acho que os personagens que vejo no palco são em boa parte o reflexo da capacidade de dirigir ator, por parte dos diretores. Pode parecer uma frase de lugar comum, mas esse detalhe técnico faz toda a diferença. Ana Maria Soares, num ou noutro momento, conseguiu me causar interesse em cena. Possuindo uma dramaticidade latente, sentia que por vezes aflorava algo que vinha de suas entranhas, mas isso por poucos segundos, e logo aparecia o geral dessa sua atual performance, que é ainda muito aquém do que ela pode fazer. Eu confesso que quero trabalhar com Ana Maria um dia desses. Everton Machado não conseguiu me causar interesse em momento algum. Eu não sei qual o problema de Everton, se ele é sempre azaradamente mal dirigido ou se ele precisa estudar-praticar mais. Percebo que ele tem vontade, percebo que ele gosta do que faz, acho que melhorará muito no dia em que trabalhar com um bom diretor de ator. Eu sentirei muito prazer ainda em escrever bem sobre Everton, e não tenho dúvida que ele me dará essa oportunidade. Essa investigação vocal que Daiane Leal e Heloisa Jorge fizeram conferiu ao personagem do Machado uma voz (ou como diria a fonoaudióloga Ana Ribeiro em sua distinção voz para atores e falas para personagens) uma fala robotizada, insegura por mal trabalhada, de um volume oco e não humano certamente. A investigação corporal com Aldren Lincoln também não ajudou. Os atores conceberam partituras corporais muito retas e simplórias para seus personagens, fragilizando-os mais ainda.
No Outro Lado Mar é uma bela frase. E sinceramente acho que pode ser melhorado como espetáculo. O autor diz na peça que ‘a intimidade é a morte dos sentimentos’, não acredito nisso não. A intimidade é a melhor coisa que pode acontecer aos sentimentos. Aliás, os sentimentos só podem mesmo surgir com a intimidade. Por outro lado acredito que a vaidade e a incapacidade de ouvir nos torna pessoas bem menos interessantes.
Espetáculo de Formatura em direção teatral de Suelma Costa, orientado por Gláucio Machado
visto no teatro Martim Gonçalves, ETA-UFBA, canela
última sexta feira de fevereiro de 2010.
Hedre Lavnzk Couto
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