sábado, abril 28


Crítica do espetáculo ‘Ensaio de Casamento’


Experimentam os delicados imprevistos daquela que parece ser uma crise conjugal definitiva. Como se não bastasse, são companheiros de profissão: estão no meio da montagem de um espetáculo do qual são os protagonistas. Ela, atriz. Ele, dramaturgo, diretor, ator. Os desafios, amores e odores da vida a dois parecem ter produzido, em ambos, uma indagação interna, para si e para o outro – “será que vamos continuar?” Tal é o roteiro daquilo que, pouco a pouco, eles tentam encarar como sendo sua “peça de separação”.

O ponto mais consistente de ‘Ensaio de Casamento’, que é dirigido por Najda Turenkko, é o texto, de Wanderley Meira. Se, por um lado a temática e o estilo de jogo almejado com a trama não chegam a ser originais, de outro, não se pode negar tratar-se de uma investida dramatúrgica bem interessante. Meira deveria escrever mais.

O que define o espetáculo, entretanto, é a direção falha de Turenkko.  A diretora ficou longe de conseguir acompanhar as peculiares exigências de um texto que requer uma minuciosa concepção de metalinguagem. Percebe-se que o objetivo do dramaturgo é compor uma atmosfera de aguda justaposição entre vida e arte, realidade e teatro, representação e verdade, espetáculo e cotidiano. Mas a encenação não alcança as ambições do material base.

A concepção espacial, que tenta materializar em cena a fusão afetiva e profissional do casal, com vistas a sugerir um turbilhão, uma desordem existencial, afasta-se de qualquer viabilidade e coerência interna, na medida em que se esquece de que o caos da vida é um; e outro, bastante diferente e difícil de ser alcançado, é o caos artístico, para o qual se faz necessário conceito e esmero técnico. A plástica da peça, notadamente a cenografia, de Maurício Cardoso, e a Iluminação de Irma Vidal, não ajudam. Não se consegue decodificar a construção cenográfica.  De maneira semelhante, difícil acreditar que a luz seja de Irma Vidal, ela assina, mas nada lembra a excelência costumeira dos trabalhos de Irma. Um desenho de luz grosseiro, composições de áreas e ambientes descabidas, transições injustificadas.

No que toca à interpretação, os desempenhos dos atores Wanderley Meira e Maria Marighella encontram-se bastante nivelados. Ele parece concordar comigo quando da plateia vejo em cena um dramaturgo promissor. Já, como ator, Meira rende-se às formas, a uma interpretação oca, parece gostar de ser visto como exímio canastrão. Maria Marighella tem performance lamentável. Atriz sem recursos corporais, [e vocais!] Trata-se de uma “voizinha” infantilizada, nasalizada, extremamente desagradável de se ouvir. Marighela e Meira quando ao longo do espetáculo representam passagens das peças Otelo; Romeu e Julieta; e A Megera Domada, de W. Shakespeare, patinam em ridículo extremo. Percebemos que eles até levam o velho inglês a sério, tentam interpretá-lo numa missão desesperada, mas não conseguem esboçar o mínimo vigor dramático.
Turenkko e seus atores acabaram por debilitar aquela que seria uma situação dramática de bom potencial. E o resultado de sua encenação surge apenas como um opaco espelho de pretensa gente de teatro para pretensa gente de teatro. Limitado, de maneira nenhuma o espetáculo afasta-se daquele tão malfadado costume umbilical.

Contudo, ainda pelo texto: Teatro Sesc Pelourinho, às sextas, sábados e domingos, às 20 horas.

Ps.: Sugiro-lhes o filme ‘Império dos Sonhos’, do diretor David Lynch. Um verdadeiro tratado artístico de como se trabalhar o jogo da metalinguagem, misturando vida real e ficção.

Hedre Lavnzk Couto

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