terça-feira, maio 8


Crítica do espetáculo ‘Homens Que Amam Demais’

Está em cartaz desde a última sexta-feira, no Teatro Gamboa Nova, a peça ‘Homens Que Amam Demais’. Dirigido por Caíca Alves, que também integra o elenco junto a Daniel Becker, o trabalho tem sido divulgado como um espetáculo musical que, se valendo da mistura de escritos filosóficos com a Canção brega das décadas de 60 e 70, pretende discutir o amor, e as relações afetivas entre homens e mulheres.

O que se verifica no palco, no entanto, é um robusto desfile de problemas estruturais, técnicos, conceituais e, sobretudo, ausência de talento artístico. Homens Que Amam Demais não foge à regra, ora em moda na Cidade do Salvador, onde os realizadores de teatro melhor escrevem a respeito, do que materializam suas obras, propriamente.  No projeto, no folder, nas entrevistas existe todo um aparato teórico, quase acadêmico – na verdade, na maioria das vezes pura cultura de almanaque – porém, quando sentamos diante das peças, elas são vergonhosamente frágeis.

Caíca Alves denomina sua encenação de ‘espetáculo musical’. Bobagem, não há nada de musical nele, está mais para karaokê de fim de festa. Nem Alves nem Becker sabem cantar (a direção de canto feita pela cantora Manuela Rodrigues não alcançou efeito positivo algum), muito menos tocar instrumentos, mesmo assim, somos obrigados a presenciar um dos atores espancar um pobre violão.  Tempos atrás, publiquei neste espaço crítica do espetáculo Thomas Toma Blues, que também se pretendia musical. Bom, se ‘Thomas’ foi um fiasco, remeto o leitor àquele texto, e assim entenderão as referências que tenho para me impacientar com ‘Homens que Amam Demais’...

Segundo Caíca, o material fonte que originou o texto da peça é composto a partir de obras de dois pensadores bastante lidos nas últimas décadas: de Roland Barthes o espetáculo teria bebido no conteúdo de ‘Fragmentos de um discurso amoroso’; e do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, teriam buscado elementos em ‘Amor Líquido – Sobre as fragilidades dos laços humanos’.

Barthes, que morreu em 1980, singelamente atropelado em uma rua de Paris, é reconhecido por ter traçado uma minuciosa crítica do vazio das atitudes sociais e cotidianas do homem moderno. Já Bauman, é um dos autores mais respeitados e devorados da atualidade, com mais de 50 livros publicados, destacado-se ainda ‘Vida Líquida’; ‘Tempos Líquidos’; ‘Modernidade Líquida’; Cartas ao Mundo Líquido Moderno’ entre outros. Em seus estudos ele aborda a obsessão pelo corpo ideal; o culto às celebridades; o endividamento geral; a paranoia com segurança; e, exaustivamente, a instabilidade nos relacionamentos amorosos. Podemos defini-lo como um pensador obsessivo pela reflexão a respeito dos vínculos humanos: “vivemos tempos líquidos. Nestes dias, tudo muda rapidamente. Nada é feito para durar, para ser sólido”.

Neste sentido, Zygmunt Bauman afirma que “Amor líquido é um amor ‘até segundo aviso’, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma ‘líquida’, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um ‘objeto encontrado’, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade”.

Bauman é um pensador interessante. O problema é que ele adora vender livros. E, por vezes, torna-se propositadamente prolixo. Então, extremamente prolífico e editado, converteu-se em figurinha fácil nas bocas de intelectuais e artistas de ocasião. Hoje, Bauman é um dos maiores clichês mundiais. E isso é verdadeiramente, lamentável. Não faz tanto tempo assim, publiquei crítica do espetáculo ‘Alugo minha Lígua’, cujo texto ruim, do bom Gil Vicente Tavares, também se diz inspirado em Bauman... Remeto o leitor àquele texto... para melhor dialogarmos.

O problema de ‘Homens Que Amam Demais’, frise-se, não é a ideia de mesclar filosofia com as músicas de Valdick Soriano, Lindomar Castilho, Fernando Mendes, Aguinaldo Timóteo e Reginaldo Rossi.  O problema mora na patente incompetência da direção, e inaptidão dos artistas envolvidos, em transformar tal mistura em arte. Tomou-se a opção mais fácil: fazer caretas, olhos esbugalhados, línguas de fora, ‘efeitinhos’ guturais... enfim, em Homens Que Amam Demais parece haver uma tentativa tosca de se reproduzir as performances do humorista Renato Piaba... E como sabemos R. Piaba é inimitável em sua Coisa...

O cenário de Agamenon de Abreu é um amontoado indecifrável – qual era a proposta? A iluminação, cadê? O texto, cujo autor não foi revelado, contém muitos (!) equívocos primários de Língua Portuguesa. Uma vergonha. Que só vem a comprovar em público que sobre nossos palcos, a despeito dos vários mestres e doutores em teatro, temos diversos analfabetos funcionais. Caíca Alves não tem dicção, antes, um bolo vocal inominável que escapa de sua boca. Becker, tal qual fez em ‘Diário de um Farol’, apenas grita. Becker é talvez o maior gritador do teatro baiano.

Mais uma vez uma tentativa fracassada de se realizar o tal do ‘teatro musicado’ entre nós.  O teatro na Bahia segue Líquido como sempre. Um maldoso diria “liquidado”, como sempre...

NÃO RECOMENDO.

PS.: Onde está ‘O Sumiço da Santa’, de F. Guerreiro? Sumiu?

P/ Carolina
Hedre Lavnzk Couto

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