segunda-feira, abril 23

Crítica do espetáculo ‘O Canto do Cisne’

Um velho ator cômico que, embriagado, havia adormecido na coxia, desperta e quando retorna ao palco, percebe que o espetáculo já findou e o público já se foi. Daí em diante o espectador é conduzido a saber um pouco mais sobre o que Vassíli Vassílitch Svetiovídov fez dos seus sessenta e oito anos de vida, a grande maioria deles dedicados ao teatro. A princípio, sozinho e, mais a frente em companhia de Nikita Iványtch, um velho ‘ponto’, Vassíli alterna picos de nostalgia e euforia, recorda e revive os grandes momentos que experimentara sobre o tablado. Ao longo de toda uma madrugada, na solidão de um palco vazio e de uma plateia ausente, dois personagens nos mostram o quão dor e alegria são as faces de uma mesma moeda – a arte!

Escrito por Anton Tchekhov, maior dramaturgo russo, O canto do Cisne foi chamado pelo autor de ‘estudo dramático em um Ato’. Faz parte assim daquele grupo das denominadas ‘peças curtas’ de Tchekhov. Porém, essas comédias de menor extensão nada deixam a desejar em profundidade e maestria às outras peças do escritor, como ‘O Tio Vania’; ‘As Três irmãs’; ‘A Gaivota’ entre outras. São textos que exigem grande imersão dos artistas, compreensão e interpretação apurada por parte da direção e atores. E o Canto do Cisne, notadamente, um texto dramático, não deixa de assustar e comover o espectador ao exalar um lirismo tão agudo e cortante quanto aquele presente nos melhores textos de S. Beckett.

A montagem que ora se encontra em cartaz na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, com direção de Bruno Bozetti, não é técnica, nem apurada, nem sofisticada, nem sustenta pretensões de grandiosidade. Mas, misteriosamente traz algo de mágico. De verdadeiro. De honesto. A montagem de Bozetti é um estranho encanto. Se sua inexperiência na direção de atores resulta no sacrifício de parte importante da grandeza psicológica dos personagens tchekhovianos, bem como na limitação dos pequenos detalhes da contracena e da mise-en-scène, o terço inicial e o terço final de sua peça alcançam momentos de entusiasmante beleza.

De todo modo, simplicidade não pode ser confundida com acomodação. A interpretação e a função cênica do personagem de Rai Alves (Nikita) merecem ser melhor trabalhadas. Às vezes temos a impressão de que ele não sabe onde se posicionar em cena. Outras vezes, Alves finge chorar, o que se tratando de dramaturgia russa, escorre no ridículo. Já a interpretação de Inaldo Santana – que nos brinda com momentos tocantes – precisa ser aprimorada, mais bem cuidada. Bruno deveria rever certas transições emocionais, aperfeiçoar mesmo a compreensão do texto. Talvez fosse interessante voltar um pouco aos trabalhos de leitura de mesa. Por várias vezes Inaldo passa ao largo de sutilezas, que Tchekhov coloca como essenciais para a força total da situação dramática. A dicção de Santana também pode obter melhores resultados. A produção do espetáculo esqueceu-se de creditar a tradução do texto original. Quem é o tradutor?

Os artistas de teatro em salvador temem Anton Tchekhov. Devagarzinho quem sabe isso mude. A dramaturgia russa é uma verdadeira escola de arte dramática, senhores. E, Fernando Guerreiro, estamos esperando que você se anime a nos presentear com um dos clássicos russos, tão atuais...

Hedre Lavnzk Couto

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