Crítica do espetáculo
‘Ensaio de Casamento’
Experimentam os delicados imprevistos daquela que parece ser
uma crise conjugal definitiva. Como se não bastasse, são companheiros de
profissão: estão no meio da montagem de um espetáculo do qual são os protagonistas.
Ela, atriz. Ele, dramaturgo, diretor, ator. Os desafios, amores e odores da
vida a dois parecem ter produzido, em ambos, uma indagação interna, para si e
para o outro – “será que vamos continuar?” Tal é o roteiro daquilo que, pouco a
pouco, eles tentam encarar como sendo sua “peça de separação”.
O ponto mais consistente de ‘Ensaio de Casamento’, que é
dirigido por Najda Turenkko, é o texto, de Wanderley Meira. Se, por um lado a
temática e o estilo de jogo almejado com a trama não chegam a ser originais, de
outro, não se pode negar tratar-se de uma investida dramatúrgica bem
interessante. Meira deveria escrever mais.
O que define o espetáculo, entretanto, é a direção falha de
Turenkko. A diretora ficou longe de
conseguir acompanhar as peculiares exigências de um texto que requer uma
minuciosa concepção de metalinguagem. Percebe-se que o objetivo do dramaturgo é
compor uma atmosfera de aguda justaposição entre vida e arte, realidade e
teatro, representação e verdade, espetáculo e cotidiano. Mas a encenação não
alcança as ambições do material base.
A concepção espacial, que tenta materializar em cena a fusão
afetiva e profissional do casal, com vistas a sugerir um turbilhão, uma desordem
existencial, afasta-se de qualquer viabilidade e coerência interna, na medida
em que se esquece de que o caos da vida é um; e outro, bastante diferente e
difícil de ser alcançado, é o caos artístico, para o qual se faz necessário
conceito e esmero técnico. A plástica da peça, notadamente a cenografia, de
Maurício Cardoso, e a Iluminação de Irma Vidal, não ajudam. Não se consegue
decodificar a construção cenográfica. De
maneira semelhante, difícil acreditar que a luz seja de Irma Vidal, ela assina,
mas nada lembra a excelência costumeira dos trabalhos de Irma. Um desenho de
luz grosseiro, composições de áreas e ambientes descabidas, transições
injustificadas.
No que toca à interpretação, os desempenhos dos atores
Wanderley Meira e Maria Marighella encontram-se bastante nivelados. Ele parece
concordar comigo quando da plateia vejo em cena um dramaturgo promissor. Já,
como ator, Meira rende-se às formas, a uma interpretação oca, parece gostar de
ser visto como exímio canastrão. Maria Marighella tem performance lamentável.
Atriz sem recursos corporais, [e vocais!] Trata-se de uma “voizinha”
infantilizada, nasalizada, extremamente desagradável de se ouvir. Marighela e
Meira quando ao longo do espetáculo representam passagens das peças Otelo;
Romeu e Julieta; e A Megera Domada, de W. Shakespeare, patinam em ridículo extremo.
Percebemos que eles até levam o velho inglês a sério, tentam interpretá-lo numa
missão desesperada, mas não conseguem esboçar o mínimo vigor dramático.
Turenkko e seus atores acabaram por debilitar aquela que
seria uma situação dramática de bom potencial. E o resultado de sua encenação
surge apenas como um opaco espelho de pretensa gente de teatro para pretensa
gente de teatro. Limitado, de maneira nenhuma o espetáculo afasta-se daquele
tão malfadado costume umbilical.
Contudo, ainda pelo texto: Teatro Sesc Pelourinho, às
sextas, sábados e domingos, às 20 horas.
Ps.: Sugiro-lhes o filme ‘Império dos Sonhos’, do diretor
David Lynch. Um verdadeiro tratado artístico de como se trabalhar o jogo da
metalinguagem, misturando vida real e ficção.
Hedre Lavnzk Couto