segunda-feira, agosto 8

Crítica do espetáculo ‘O melhor do homem’

Com fumaça e ares de performance de candidatos a netos do Living Theatre, está em cartaz no Teatro Molière ‘O melhor do homem’. Trata-se de genuíno representante do chamado teatro pensador. O texto é de Carlota Zimmerman. E Djalma Thürler, intelectual pós-doutorado em teatro, assina tradução, direção e trilha sonora. A julgar por este seu atual trabalho, Thürler manifesta possuir grande cultura teatral e, se não fosse a exacerbada confusão residente no discurso de sua peça, poderíamos tê-lo por um encenador interessante.

Segundo Djalma, ‘O melhor do homem’ – considerada a primeira gay-play brasileira – é um espetáculo que busca ajudar a sociedade a compreender a sexualidade como fenômeno cultural histórico. Além de propor discutir e denunciar as mazelas da heteronormatividade Mas, eis que nasce o impasse. Ou por outra, a confusão. Pois o que realmente foi oferecido ao público, ao longo de 52 minutos de duração, é uma obra que se propõe a apresentar não uma reflexão sobre a sexualidade, mas antes a homossexualidade, como fenômeno cultural histórico. E aí o que seria uma mensagem forte e louvável, se enfraquece pelo viés reducionista e, quase puritano, tão característico de quando o artista busca facilidades, deixando de ser dialético para mergulhar em maniqueísmo. Portanto, o contundente equívoco da direção nesta peça é, levianamente, ostentar que, na sociedade, apenas os homossexuais padecem das vicissitudes decorrentes dos desejos e impulsos de exercitar em plenitude a sexualidade.

Os conflitos, os sofrimentos, os desafios, as descobertas e a recorrente necessidade de se quebrar deletérios paradigmas sociais, inerentes à forma de se encarar a sexualidade, nas mais diferentes épocas e culturas, sempre foi uma árdua realidade e dilema, na vida de seres humanos tanto homossexuais quanto heterossexuais. E por óbvio, pode-se considerar contraproducente e mesmo, irresponsável, qualquer tentativa sorrateira (ainda mais fazendo uso da arte) de se projetar a alegoria de uma super-categoria humana, para a qual se queira reconhecer um caráter quase sacro e de conduta incontestavelmente bela. E, ora, também não me parece muito inteligente, se pretender um combate contra o fantasma da heteronormatividade de maneira estrábica, radical. Essa espécie de guerra ‘santa’, honestamente, guarda semelhança com o sentido de um neologismo, cunhado, recentemente por outro louco – ‘heterofobia!’. Essse reducionismo resulta a peça de Thüler, não sei se o texto de Zimmerman (pois não o conheço no original), piegas e [usarei uma expressão forte] fundamentalista.

A presente encenação seria verdadeiramente exitosa se nos tivesse apresentado a metáfora da violenta prisão porque passa, ainda hoje, a sexualidade do homem moderno – homem em sentido AMPLO! Contentar-se apenas com o debate em torno do ‘armário homossexual’, não deveria ser lá muito dignificante para um encenador sinceramente comprometido com a construção de um tempo.

Idiossincrasias à parte, antes que me comparem a Jair Bossonaro, vamos aos outros aspectos da confusão cênica em questão. O fato é que a encenação comunica exclusivamente sexo por toda a extensão da peça, e, num salto ‘deus ex machina ‘, nos dois minutos finais tenta impor ao público que durante todo o tempo abordou uma relação amorosa. Ao que repito: o encenador só conseguiu criar um objeto artístico que tão somente fala de sexo. Novamente acrescento que não conheço o texto em original, mas... Transpareceu aquela história ‘vamos finalizar de qualquer jeito que a babata tá quente!’. Outro ponto constrangedor a ressaltar, é a maneira débil como o espetáculo se mete a discutir temas complexos, que demandam reflexão apurada, como pedofilia e Aids. O texto, por sua vez, perde força dramatúrgica ao estabelecer uma situação cênica onde as falas dos personagens, em sua maioria, surgem num tom confessional que com o transcorrer afasta o interesse do público e cria quase antipatia. Além disso, os diálogos são fraquíssimos e encadeados numa estrutura e conteúdo de verdadeiras discussões de relacionamento, e isso os torna rapidamente patéticos. Já a tradução não coopera, à medida que ainda guarda grande ranço de certas peculiaridades da sociedade norte americana.

Mas nem tudo se perdeu... É boa a ideia e concepção geral - não do discurso tendencioso - mas da mecânica do espetáculo. O melhor da encenação de Djalma Thürler é que ela abraça a ‘linguagem gênese’ do teatro: o lúdico, o jogo! Com direito a um belo momento, onde até uma miniatura de carro é usada para os personagens/atores viverem uma cena. São dois personagens – ou personagens/atores, isso também não fica muito claro – propondo reciprocamente e vivendo jogos e a teatralização de fantasias sexuais e de ‘fantasmas’ de seus passados. As atmosferas têm como base um cenário (de José Dias) extremamente inteligente. Uma espécie de recorte da moldura de uma jaula metálica que, embasada num eixo central, vai ganhando os mais diversos ângulos, de maneira a sugerir os mais variados ambientes, sempre relativos à acepção de um aprisionamento. E por certo, durante bom trecho da peça o público deve se perguntar: “Dois prisioneiros. Mas do que? Ou, de quem? Uma prisão? Prisões. Mas que prisões são estas?”

São dois prisioneiros jogando. Personagens/atores que vão despindo-se e vestindo-se. E ao sabor das fantasias e novos personagens vão adicionando ou tirando adereços e maquiagens (o figurino eficiente é de Renata Cardoso). Sendo que toda vez que o jogo micha para algum dos personagens, a luz amarela (como a chamar-lhes atenção) lhes devolvem ao ‘plano da realidade’. Quando adentram novamente aos games, tem-se uma luz onírica. A luz branca vai a a full quando desejam escancarar a teatralidade (a iluminação acertada é de Pedro Dultra).

Com as raríssimas exceções de plantão, os atores de nossa época ( Isso ficou meio shakespeariano, mas tudo bem) são fraquíssimos – com destaque negativo especial para aqueles nascidos na década de 1980 em diante – e neste espetáculo, infelizmente, não é diferente: faltam bons interpretes para executar a concepção pretendida. O Duda Woyda, p. ex., no palco, fala como se gente não fosse. E eu já começo a entrar em desespero, porque a maioria dos atores que tenho visto (e olha que só neste fim de semana assisti a três peças) falam em cena como se estivessem no teatro neoclássico francês. E eu me pergunto: onde estão os professores doutores da Etea-Ufba que não dao um jeito nisso? E no caso especifico deste espetáculo, tanto pior, pelo fato de o Djalma ter-se revelado péssimo diretor de atores. E comprova-se isso pela condução equivocada [da gradação da energia dos atores] na exteriorização dos embates psicológicos, com as forças física, mental e cênica completamente deslocadas. Optou-se pela expressão do nú de maneira plástica, e não apelativa – parabéns! Por outro lado, o descuido com a preparação corporal é patente.

Espetáculos como ‘O melhor do homem’ me levam a refletir sobre a repetição daquele terrível vício que vitima muitos artistas: aprisionarem-se, inexoravelmente, a seus próprios umbigos.

Visto em domingo (7-8-11) Aliança Francesa – salvador – bahia- brasil.

PS1: Ninguém nunca conseguiu me explicar o que é uma direção de arte no teatro.

PS2: A plateia desta noite era composta basicamente de gays. Mesmo assim, lá pelos 30 minutos, notei a confissão proferida por um rapaz da fileira da frente: “cansei”.

p/ minha boa Carolina
Hedre Lavnzk Couto

Nenhum comentário:

Postar um comentário