domingo, março 11

Crítica do espetáculo ‘Salmo 91’

Quando, meses atrás, publiquei neste blog crítica de ‘O Melhor do Homem’, já alertava que a cena baiana havia feito uma importante aquisição ao acolher o diretor teatral Djalma Thürler. Àquela época discordei duramente de certos caminhos tomados por seu discurso ao abordar, na peça, de maneira truncada e, mesmo tendenciosa, alguns aspectos da homossexualidade. Contudo, já ali, percebia-se um encenador, um artista de vasta cultura filosófica e teatral.

Com ‘Salmo 91’, o baiano que gosta de teatro deve comemorar. Pois, confirma-se com Türler, a chegada de um encenador capaz de pensar e discutir o mundo através das ferramentas mais essenciais e caras ao teatro. Neste espetáculo, Djalma demonstra estar rumo a consolidação de um estilo bastante peculiar e acurado.

Ao contrário do que se viu em ‘O Melhor do homem’, ‘Salmo 91' é uma obra artística urgente. Que, se de um lado não se rende ao supérfluo e nem cai na tentação de ser adereço umbilical de autor, de outro também prova que a arte não pode contentar-se com o papel de simples noticiário do quotidiano. Nem iludir-se com o fetiche de competir tecnologicamente com as linguagens do cinema ou mesmo da televisão – esmagadora sádica do cérebro nacional.

Dib Carneiro Neto escreveu o texto de ‘Salmo 91’ inspirado em 'Estação Carandiru', romance do médico Dráuzio Varela. A estrutura dramática é composta por fragmentos de vidas e lembranças de dez detentos de um dos pavilhões do antigo Presídio. São diversos monólogos que, costurados pela interação de um dos personagens, ganham a forma de uma trajetória coletiva, comunitária, marcadamente trágica pelo histórico desfecho da chacina que fulminou mais de uma centena de presos de um dos Blocos do Carandiru, ainda nos anos mil novecentos e noventa.

O advento de ‘Salvo 91’ é muito oportuno. Basta dizer que a despeito dos já incontáveis gargalos e problemas estruturais e morais porque passa a sociedade brasileira, a atual situação do Sistema Penitenciário Brasileiro é uma bomba relógio que já vem se preparando para explodir há pelo menos quatro décadas. A falência desse Sistema, sem dúvida, é consequência da maneira irresponsável e mesquinha com que os homens eleitos para conduzir o Estado Nacional encaram a Administração Pública, aqui especificamente a área da Segurança Pública. (A Bahia que o diga!).

Espetáculos como esse têm importância de longo alcance. E, sim, Djalma, você é muitíssimo bem vindo com seu “palco de questionamento social”. Nossos tempos necessitam de uma arte mais utilitária e menos coquete. Na burrice e insanidade de dias onde cada vez mais somos bombardeados e anulados por intrometidas cascatas de informações – descartáveis, abelhudas e publicitárias – onde o jornalismo, por generosos incentivos de seus anunciantes e protetores, muitas vezes tem esquecido o seu honroso papel de bem informar e formar opiniões, sim, o teatro DEVE tomar a peito a missão de informar, debater ideias, provocar as perguntas, deve ser um ambiente político, sim, por que não?

Em tempos de Brasil sexta Economia do mundo, de investimentos estratosféricos em Mundial de futebol, em olimpíadas, em Trem bala Rio-SP-Campinas, como admitir ou justificar a total ausência de planejamento e de uma reforma do Sistema Penitenciário? Como admitir que o princípio da Dignidade Humana – postulado maior da Constituição Federal de 1988 – seja ultrajado por Penitenciárias Brasil a fora, superlotadas, verdadeiras universidades do crime, incubadoras de doenças!?

Alguns indivíduos já nascem com a índole predisposta ao crime, como gostavam e ainda gostam de sustentar alguns? Ou o determinismo é que tem a razão, o homem é produto do meio...? As altas taxas de criminalidade no Brasil são consequência da miséria, do escasso acesso a educação e falta de oportunidades? Quais as regras paralelas existentes no mundo dos detentos? Como vivem entre si e praticam suas próprias leis? É possível ter algum contentamento, viver, fazer planos à espera da liberdade, é possível a regeneração intramuros? Há arrependimentos? Prazer em ser bandido? E a moral? Os códigos de honra e ética? Como a sexualidade é vista e praticada? Até que ponto, dentro do Presídio, transar com alguém do mesmo sexo é considerado, por eles próprios, uma prática homossexual? São estas questões que ‘Salmo 91’ denuncia ao espectador.

O peculiar, entretanto, é o modo pelo qual Djalma Türler e seus artistas transformam tudo isso em arte teatral. Mais uma vez em parceria com o cenógrafo José Dias, o encenador consegue, longe de ser árido, nos apresentar um espetáculo forte, mas também lírico. Sobretudo porque seu principal ingrediente é a [teatralidade], essa coisinha muito dita e propalada, mas que só poucos dominam; outros a consideram cafona nos dias de hoje, por ignorância cênica! Teatralidade e jogo!, basicamente são os pilares das consistentes dinâmica e estética deste ‘Salmo’...

Nos últimos anos, poucas vezes se viu em Salvador uma direção tão senhora dos elementos do espetáculo. Tudo funciona em perfeita harmonia. Gozando de ótima amarração, basta dizer que a peça tem excelentes transições de cenas. Cenografia, luz, figurino, música e efeitos sonoros, intepretação dos atores, todos esses aspectos estão bem concebidos e executados. Possuem, portanto, conceito e funcionalidade. Anote-se, que Djalma nesta peça, evoluiu bastante na direção de atores.

O elenco formado por Duda Woyda, Lucio Tranchesi Rubio, Lucas Lacerda, Fábio Vidal e Rafael Medrado (cada um deles interpreta dois personagens) está no geral muito bem. Os cinco atores trazem dez interpretações consistentes, algumas delas até muito inspiradas e comoventes. Destaque para Duda woyda, que melhorou muito desde seu último papel. Ressalte-se também o belo desempenho de Rafael Medrado quando sustenta o seu primeiro monólogo na peça. Mas, sobretudo, devo mencionar Lucio Tranchesi Rubio, em seu segundo momento, quando interpreta um detento homossexual, a Veronike. Lucio consegue fazer uma personagem tocante, cuja profundidade e riqueza humana encontrada, é responsável pelo melhor momento do espetáculo. Diria mesmo que é imperdível conferir este trabalho de Tranchesi. Vejam!

Ponto fraco 1: o espetáculo é exageradamente longo. Com duração de aproximadamente 140 minutos, corre-se o risco de produzir cansaço no público. A propósito de quem interessar possa: eu dessa vez fiz, sim, uma enquete, e, de fato, posso falar por quem eu entrevistei: algumas pessoas se cansaram. Mas é provável que ao longo dos dias Türler perceba que pode e deve enxugar alguns dos monólogos, para o bem maior do espetáculo.

Ponto fraco 2: Não entendi onde essa encenação trata da “crise da masculinidade”. Aliás, eu sequer sei o que significa isso. Acredito que estamos vivendo a ‘crise da contemporaneidade’, ‘a crise de talento no teatro baiano’, 'a crise econômica da Europa’, enfim, nós próprios temos constantes crises, uns mais do que outros, é bem verdade... mas, “crise da masculinidade”, não entendo o que Djalma quer dizer com isso...

Recomendo esta peça!

Em Cartaz no teatro da Aliança Francesa, de quinta a domingo, às 20 horas.

PS.: amigos, lhes sugiro a leitura da crítica do espetáculo citado - 'O melhor do homem'. Arquivo: mês de janeiro. boa leitura!

Hedre Lavnzk Couto

Um comentário:

  1. Olá Couto... Assisti a peça e achei exageradamente longa e repetitiva. Até poderia ser uma boa peça por conta da direção, atores, texto, mas é tão repetitivo... Eu já li, vi filme, matéria, documentário e conheço bastante sobre o assunto e achei a peça, chata e enfadonha e como já disse sem novidades. Realmente me decepcionei e quase dormi na poltrona como meu namorado e DOIS amigos dormiram.

    ResponderExcluir