segunda-feira, março 5

Crítica da montagem 'La Ronde'

Senhoras e senhores, Charles Dullin, diretor de célebre encenação de Ricardo III, de W. Shakespeare, gostava de afirmar que “a direção teatral necessita capacidade crítica e requer habilidade para fundir elementos heterogêneos numa forma de arte inteiramente consistente”. Bom...

Fato é que no último sábado (03/03) vi a peça La Ronde. Mas, antes de proceder à análise, o dever do ofício me impele a registrar um furo jornalístico: Harildo Déda está morto. Digo, o mito intocável, alimentado durante décadas por conta da ignorância e pobreza de repertório cultural da nossa província, o mito inquestionável de grande mestre das Artes Cênicas, ora desaba em queda livre.

Embora sempre haverá quem no jornal A Tarde negue, a direção de La Ronde, por Harildo Déda, nos traz a infeliz confirmação de um artista já cansado, desleixado, senão preguiçoso e, até mesmo, desrespeitoso para com o público. E se não é assim, como explicar, à luz da honestidade, os reiterados “abacaxis” levados aos palcos por Déda nos últimos anos.

Saco da memória sua atabalhoada montagem do ‘Hamlet’, que só impressionou pelo barulhento subir e descer de portas metálicas, comandado pelo intragável anti-ator Marcelo Flores, na pele de ninguém menos do que o Rei Cláudio. E falemos também, leitor, de sua versão de ‘As Bruxas de Salém’, peça marcante pelo constrangedor desmantelo cênico; onde nunca antes tinha o público (e Arthur Miller) testemunhado um encenador usar tão mal um proscênio. E mais, que dizer de sua ‘Farsa da Boa Preguiça’, espetáculo onde simplesmente o mestre se absteve de fazer a direção de seus atores, deixando o ator Eduardo Oliva, a título de exemplo, subir ao palco com uma construção vocal e corporal que remetia a uma exata cópia do Salsicha do Scooby Doo? Salsichas à parte...

Se a dramaturgia de La Ronde, como querem alguns, aborda um “universo de complexidade psicológica profunda, onde vários casais discutem e vivem questões de capital relevância da e para a raça humana”, o resultado desta encenação de H. Déda está mais para a genialidade artística dos esquetes de um ‘Zorra Total’. Em minha opinião o texto original do Arthur Schmitzier já é uma antologia de bobagens. Banal, inferior à maioria das sub-comédias românticas do cinema matinê americano. E o que Harildo Déda fez?

Subestimou o grau de dificuldade de levantar o tal do material dramatúrgico. Eu afirmei que o texto é ruim. Mas observem que estes são justamente os mais complicados de encenar. E o que tio Harildo fez? Decidiu heroicamente encená-lo em um único mês. E o que mais? Para tanto ele topou encarar dez atores. Mesmo sabendo que o elenco (com três exceções) é fraquíssimo. Fraquíssimo. Ok. Ok. Ocorre que Déda é Déda. Ou não é mais?

Conta-nos a historiadora do teatro mundial, Margot Berthold, que “quando o grande mestre da abstração cênica, Leopold Jessner, ao retornar, em 1920, de uma viagem por alguns teatros de províncias, foi questionado sobre suas impressões, deu uma resposta depois muito citada: ‘Escadas, nada mais além de escadas’”.

Já alertei, neste blog, em outras análises, a respeito de certas peculiaridades constantes da Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Apenas para reeditar duas delas, trata-se de palco com pouca profundidade e caixa cênica com pé-direito baixíssimo. Essas características têm sido madrastas em descortinar as inabilidades de diversos diretores em compor mise en scène.

Harildo convocou Rodrigo Frota para conceber um cenário do qual a encenação acabou refém. Um jogo de escadas que forma uma espécie de semi-círculo por quase toda a área central do palco, circundado por meia dúzia de postes de luz, e mais algumas resoluções [horríveis]. Um cenário ‘tampão’ (aliás, meu querido amigo Rodrigo tem se especializado nesses monstrengos) sem o menor conceito, criatividade e, principalmente, sem funcionalidade cênica. De forma que o desenho de cenas e a movimentação dos personagens tornaram-se extremamente repetitivos.

A direção também não pôde contar muito com o auxílio do desenho de luz dos iluminadores (ainda é assim que se denomina a função?) Eduardo Tudella e Pedro Dultra. A luz aqui é inusitadamente ruim. Não trabalha em parceria com o cenário na construção de áreas e atmosferas. Gozado é que a fala de um dos personagens já alerta para a necessidade de criar-se atmosferas para cada momento da vida. O diretor e seus artistas não se atentaram à dica preciosa do dramaturgo. O resultado? Monotonia, meu caro professor Tudella, monotonia. Cento e quarenta minutos de pura monotonia.

Outro aspecto que choca negativamente na encenação, além da má distribuição dos ambientes, é a confusão, a indefinição no que toca ao aproveitamento da presença do elenco, enquanto volume no espaço cênico. Uma vez que as cenas acontecem basicamente entre duplas de personagens, em diversos momentos temos a nítida impressão de que o diretor teve vergonha, timidez em assumir os outros oito atores como coro da ação, preferindo, na larga maioria do tempo, deixá-los, ou enclausurados nas coxias (o que fazia o palco explodir em vazio) ou mesmo ociosos, caídos ou vagando pelo tablado, produzindo grande dispersão visual. Em duas palavras: displicência, pressa... e o resultado do pouco caso foi...

Harildo não conseguiu se salvar nem na [direção de atores], sua propalada especialidade. Mas, para começo de conversa, deixando o falso marketing de lado, vamos de pronto acabando com essa falácia de que o elenco desta peça é formado por grandes nomes do teatro baiano. Porque se assim for, não convidem nem os seus inimigos para testemunharem uma peça com aqueles que seriam os ‘pequenos nomes’. Permito-me um parêntese: - Aliás, ao que parece, hoje é muito fácil ser grande por aqui, não é? Outro dia mesmo, a Eduarda Uzêda imprimiu que em Salvador existe uma diretora teatral CONSAGRADA!, acreditem, que atende pelo nome de Fernanda Júlia (who’s Bad?)

Relapso, o grande Baco nada acrescentou aos seus atores fracos, deixando-os à deriva. Annalu Tavares, não existe. Bruno Souza (na eternização de sua velha Benedita), não existe. Manhã Ortyz, não existe. Márcio Bernades, nunca será. Paula Moreno, ainda não. Ciro Sales? Thais Laila, realmente é ”uma coisinha doce”. Antonio Fábio, um bom ator, novamente mal aproveitado, com exagerada impostação vocal, além de sustentar fragilíssimas partituras corporais. Caio Rodrigo, um bom ator, porém, nesta peça, preguiçosamente se deixou interpretar o mesmo personagem que defende em ‘Pólvora e Poesia’. Aicha Marques, encantadora e boa atriz, no entanto, Harildo devia tê-la impedido de saturar seu personagem com resquícios de suas experiências anteriores em mímica e pantomima.

No geral, o elenco não tem liga. Raramente se verifica uma contracena verdadeira. Aliás, esse é um defeito recorrente no teatro de Salvador, diga-se de passagem. E em La Ronde identificamos outro problema bastante comum nestas plagas: atores que não sabem falar em cena. Quando não impostam além do além, mal conseguem articular uma breve seqüência de consoantes ou pronunciar a última sílaba.

Inconsistente. Não recomendo. Só para os masoquistas. Prato cheio...

PS: Lear, Lear, Lear... escute ao menos uma vez a paródia do pobre Macbeth: - A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, borra a cena inteira... Vomita a sua fala e sai. E ninguém mais o nota.

Hedre Lavnzk Couto.

p/ Eduarda Uzêda.

4 comentários:

  1. As pessoas citadas na "crítica" eu conheço. Mas quem é Hedre Lavnzk?

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  2. Hedre, Hedre, Hedre! Você é retado, hen! Siga em frente, meu caro. Você tá fazendo um barulho dos diabos.

    Félix Silva.

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  3. Meu velho, que bom mesmo que você voltou a escrever. Gostaria mesmo era que voltasse aos palcos. Agora, Couto, tenho acompanhado a maioria de suas críticas. Além de extremamente técnicas, têm estilo e são deliciosas para a leitura, porém, apesar de ter visto la ronde e concordar com quase a totalidade de suas observações, prefiro os seus textos onde não usa tanto 0 sarcasmo. Mas, viva você!

    Paulo Fiuzza

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