segunda-feira, abril 23

Crítica do espetáculo ‘O Canto do Cisne’

Um velho ator cômico que, embriagado, havia adormecido na coxia, desperta e quando retorna ao palco, percebe que o espetáculo já findou e o público já se foi. Daí em diante o espectador é conduzido a saber um pouco mais sobre o que Vassíli Vassílitch Svetiovídov fez dos seus sessenta e oito anos de vida, a grande maioria deles dedicados ao teatro. A princípio, sozinho e, mais a frente em companhia de Nikita Iványtch, um velho ‘ponto’, Vassíli alterna picos de nostalgia e euforia, recorda e revive os grandes momentos que experimentara sobre o tablado. Ao longo de toda uma madrugada, na solidão de um palco vazio e de uma plateia ausente, dois personagens nos mostram o quão dor e alegria são as faces de uma mesma moeda – a arte!

Escrito por Anton Tchekhov, maior dramaturgo russo, O canto do Cisne foi chamado pelo autor de ‘estudo dramático em um Ato’. Faz parte assim daquele grupo das denominadas ‘peças curtas’ de Tchekhov. Porém, essas comédias de menor extensão nada deixam a desejar em profundidade e maestria às outras peças do escritor, como ‘O Tio Vania’; ‘As Três irmãs’; ‘A Gaivota’ entre outras. São textos que exigem grande imersão dos artistas, compreensão e interpretação apurada por parte da direção e atores. E o Canto do Cisne, notadamente, um texto dramático, não deixa de assustar e comover o espectador ao exalar um lirismo tão agudo e cortante quanto aquele presente nos melhores textos de S. Beckett.

A montagem que ora se encontra em cartaz na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, com direção de Bruno Bozetti, não é técnica, nem apurada, nem sofisticada, nem sustenta pretensões de grandiosidade. Mas, misteriosamente traz algo de mágico. De verdadeiro. De honesto. A montagem de Bozetti é um estranho encanto. Se sua inexperiência na direção de atores resulta no sacrifício de parte importante da grandeza psicológica dos personagens tchekhovianos, bem como na limitação dos pequenos detalhes da contracena e da mise-en-scène, o terço inicial e o terço final de sua peça alcançam momentos de entusiasmante beleza.

De todo modo, simplicidade não pode ser confundida com acomodação. A interpretação e a função cênica do personagem de Rai Alves (Nikita) merecem ser melhor trabalhadas. Às vezes temos a impressão de que ele não sabe onde se posicionar em cena. Outras vezes, Alves finge chorar, o que se tratando de dramaturgia russa, escorre no ridículo. Já a interpretação de Inaldo Santana – que nos brinda com momentos tocantes – precisa ser aprimorada, mais bem cuidada. Bruno deveria rever certas transições emocionais, aperfeiçoar mesmo a compreensão do texto. Talvez fosse interessante voltar um pouco aos trabalhos de leitura de mesa. Por várias vezes Inaldo passa ao largo de sutilezas, que Tchekhov coloca como essenciais para a força total da situação dramática. A dicção de Santana também pode obter melhores resultados. A produção do espetáculo esqueceu-se de creditar a tradução do texto original. Quem é o tradutor?

Os artistas de teatro em salvador temem Anton Tchekhov. Devagarzinho quem sabe isso mude. A dramaturgia russa é uma verdadeira escola de arte dramática, senhores. E, Fernando Guerreiro, estamos esperando que você se anime a nos presentear com um dos clássicos russos, tão atuais...

Hedre Lavnzk Couto

segunda-feira, abril 16

Crítica do espetáculo 'A Mulher de Roxo'

Já vi muitas peças do diretor Deolindo Checcucci. E gostei bastante de ‘Asa Branca’; ‘Maria Quitéria’; ‘Raul seixas’, e ‘Eu, Brecht’. Mas, sobretudo, passei a admirar e respeitar o trabalho de Checcucci quando assisti sua memorável encenação de ‘Na Selva das Cidades’ (1996). Essa foi talvez a melhor peça de teatro já vista por mim em Salvador. Não sou muito inclinado a adjetivos, mas, Na Selva das Cidades foi (na verdade, ainda é, porque Deolindo o tem em DVD) um objeto artístico esplendoroso, positivamente impressionante sob todos os aspectos.

Conheci o texto de ‘A Mulher de Roxo’ quando Deolindo foi meu professor de Cenografia 1, na hoje agonizante Escola de Teatro da UFBA. Naquela oportunidade, por generosidade, Deolindo dividia habitualmente conosco muito da riqueza de sua vasta experiência de homem de teatro. Assim, mais de uma vez nos levou textos de sua autoria para discutirmos, principalmente sob os aspectos correlatos à cenografia.

Segundo o diretor, o desejo de escrever uma peça sobre a enigmática mulher de roxo emergiu com grande força quando, por acaso, leu um artigo jornalístico que tentava lançar mais um olhar sobre a aura da peregrina que por décadas conferiu, assiduamente, ares de espetacularidade à rua Chile e ao centro velho de Salvador.

Recordo-me que em sala de aula realizamos leituras do texto. Mas, de cara, constatei que possuía narrativa muito frágil, limitada, para se buscar dar conta de transmitir algo semelhante àquele impacto que todos sentiam ao se deparar com a fascinante dama de roxo, quase sempre majestosamente protagonista à porta da extinta loja Slopper. Pensei então que o texto tratasse de uma primeira versão e que, pelo menos, ao longo do processo de montagem Deolindo procederia às necessárias modificações...

Mas não é o que se vê na encenação ora em cartaz no Teatro Martim Gonçalves. É verdadeiramente uma pena, mas, ‘A Mulher de Roxo’ desmerece o vigor do repertório artístico de D. Checcucci. Trata-se de espetáculo inconsistente. Ao longo dos seus quase setenta minutos, a peça não varia de um constrangedor tom de “ensaião”. Falta ritmo, engrenagem. Restando a certeza de que algo faltou ser atingido, alcançado, maturado.

E a raiz maior do problema mora na opção dramatúrgica. Uma estrutura narrativa que desesperadamente anseia dar conta de toda a biografia da personagem. E se a previsibilidade do desenho início-meio-fim, não chegou a prejudicar os outros espetáculos do diretor, neste atual lhe foi um complicador decisivo para o aspecto geral da obra. O enredo se desenrola de maneira atipicamente apressada, diálogos amontoam-se de maneira incompreensível, as emoções afloram precipitadamente. E o resultado: a peça não consegue dar conta da grandiosidade mítica da Mulher de Roxo.

E se a direção optou por estabelecer uma fábula linear, mostrando-nos todas as fases e principais vicissitudes experimentadas pela protagonista no transcorrer de sua vida, esse didatismo exacerbado fez com que se perdesse o que de mais forte e interessante existe em torno do mito. Num verdadeiro desperdício, acreditem, a Mulher de Roxo, tal qual eternizada e multiplicada no imaginário popular de três milhões de soteropolitanos, aparece em cena, envolvida em seu Hábito roxo, apenas uma vez, nos instantes finais da peça. Assim, diluiu-se toda a riqueza da estória [e da história], perdeu-se na incompletude do fazer artístico todo o fascínio, o mistério, o verdadeiro arrebatamento poético contido na lenda urbana.

O trabalho de Deolindo se contenta em ser meramente documental (na verdade, uma versão de fatos reais) ao invés de ousar sugerir sensações inesquecíveis ao espectador. Se dizem que aqueles que viram a Mulher de Roxo jamais a esquecem, que competente seria um espetáculo que conseguisse artisticamente traduzir uma fatia dessa emoção para os menos afortunados que não tiveram a oportunidade de vê-la de perto.

A dinâmica do espetáculo possui seríssimos problemas. Se em ‘Maria Quitéria' e ‘Asa Branca’ Deolindo consegue imprimir a quase perfeita medida, dotando todos os elementos do espetáculo de eficiente interação; em A Mulher de Roxo, as escolhas quanto ao estabelecimento de núcleos dramáticos, criação de ambientes e atmosferas, bem como as transições entre cenas e quadros são desafinadas, provocando repetidos buracos que vão ralentando e travando a narrativa, certamente comprometendo o interesse do espectador. A cenografia não é bem talhada para as especificidades do palco à italiana do Martim Gonçalves. Também os atores ao trabalharem com cenário e adereços, principalmente em momentos onde têm de montar e desmontar o ambiente, o fazem de maneira suja, mostrando deficiência de ensaio.

Na verdade não há harmonia nem sincronia entre cenografia, composição musical, iluminação e atuação dos atores. Isso, aliado a um desenho de cena superficial e rígido, resultou no visível desarranjo do andamento cênico. Contudo, depois do texto, a iluminação foi o elemento que mais prejuízos causou ao espetáculo. A escolha aparentemente aleatória de lentes e a opção geral por cores quentes e luz aberta causam uma confusão plástica que produz uma sensação de afastamento.

Frise-se, ainda, que os diálogos são improváveis, sem a menor organicidade ou força psicológica, o que, sem dúvida, cria grande dificuldade para os atores delinearem seus personagens e sustentarem suas contracenas. Selma Santos está muito aquém de uma Mulher de Roxo. Talvez o fato de interpretar todas as idades da personagem tenha sobrecarregado sua dedicação e atrofiado seu desempenho. Seus piores momentos são aqueles onde o texto é em verso. Sua declamação precisa ser melhor trabalhada, se declamar ali for o objetivo. No geral, em cena, vê-se, de ponta a ponta, uma protagonista apagada, sem luz e "sem roxo". Não notamos em cena aquela força cênica que deve diferenciar uma protagonista de seus coadjuvantes.

O que temos em A Mulher de Roxo é um texto que pendula de maneira incerta e injustificada do lírico ao drama, causando um destempero cênico. A encenação, por sua vez, não criou mecanismos para superar tais limitações de uma dramaturgia já originariamente engessada. Disse a vocês aqui, há uma semana, que guardava boas expectativas para esse novo trabalho de Checcucci. Infelizmente...

Esperava que Deolindo fizesse, tal qual fez em Na Selva das Cidades, um espetáculo escandalosamente expressionista. Sim. Porque penso que a forma mais rica de se abordar um pretexto como a Mulher de Roxo é conferir à encenação uma estética cuidadosamente expressionista, onde essa Mulher, essa “Rainha”, essa entidade enigmática e polissêmica, possa projetar e materializar sobre o palco todas as suas contradições e fantasmas, dando assim vazão com plenitude às suas diversas facetas , que são, sobretudo, grande composição do imaginário popular.


Hedre Lavnzk Couto

domingo, março 11

Crítica do espetáculo ‘Salmo 91’

Quando, meses atrás, publiquei neste blog crítica de ‘O Melhor do Homem’, já alertava que a cena baiana havia feito uma importante aquisição ao acolher o diretor teatral Djalma Thürler. Àquela época discordei duramente de certos caminhos tomados por seu discurso ao abordar, na peça, de maneira truncada e, mesmo tendenciosa, alguns aspectos da homossexualidade. Contudo, já ali, percebia-se um encenador, um artista de vasta cultura filosófica e teatral.

Com ‘Salmo 91’, o baiano que gosta de teatro deve comemorar. Pois, confirma-se com Türler, a chegada de um encenador capaz de pensar e discutir o mundo através das ferramentas mais essenciais e caras ao teatro. Neste espetáculo, Djalma demonstra estar rumo a consolidação de um estilo bastante peculiar e acurado.

Ao contrário do que se viu em ‘O Melhor do homem’, ‘Salmo 91' é uma obra artística urgente. Que, se de um lado não se rende ao supérfluo e nem cai na tentação de ser adereço umbilical de autor, de outro também prova que a arte não pode contentar-se com o papel de simples noticiário do quotidiano. Nem iludir-se com o fetiche de competir tecnologicamente com as linguagens do cinema ou mesmo da televisão – esmagadora sádica do cérebro nacional.

Dib Carneiro Neto escreveu o texto de ‘Salmo 91’ inspirado em 'Estação Carandiru', romance do médico Dráuzio Varela. A estrutura dramática é composta por fragmentos de vidas e lembranças de dez detentos de um dos pavilhões do antigo Presídio. São diversos monólogos que, costurados pela interação de um dos personagens, ganham a forma de uma trajetória coletiva, comunitária, marcadamente trágica pelo histórico desfecho da chacina que fulminou mais de uma centena de presos de um dos Blocos do Carandiru, ainda nos anos mil novecentos e noventa.

O advento de ‘Salvo 91’ é muito oportuno. Basta dizer que a despeito dos já incontáveis gargalos e problemas estruturais e morais porque passa a sociedade brasileira, a atual situação do Sistema Penitenciário Brasileiro é uma bomba relógio que já vem se preparando para explodir há pelo menos quatro décadas. A falência desse Sistema, sem dúvida, é consequência da maneira irresponsável e mesquinha com que os homens eleitos para conduzir o Estado Nacional encaram a Administração Pública, aqui especificamente a área da Segurança Pública. (A Bahia que o diga!).

Espetáculos como esse têm importância de longo alcance. E, sim, Djalma, você é muitíssimo bem vindo com seu “palco de questionamento social”. Nossos tempos necessitam de uma arte mais utilitária e menos coquete. Na burrice e insanidade de dias onde cada vez mais somos bombardeados e anulados por intrometidas cascatas de informações – descartáveis, abelhudas e publicitárias – onde o jornalismo, por generosos incentivos de seus anunciantes e protetores, muitas vezes tem esquecido o seu honroso papel de bem informar e formar opiniões, sim, o teatro DEVE tomar a peito a missão de informar, debater ideias, provocar as perguntas, deve ser um ambiente político, sim, por que não?

Em tempos de Brasil sexta Economia do mundo, de investimentos estratosféricos em Mundial de futebol, em olimpíadas, em Trem bala Rio-SP-Campinas, como admitir ou justificar a total ausência de planejamento e de uma reforma do Sistema Penitenciário? Como admitir que o princípio da Dignidade Humana – postulado maior da Constituição Federal de 1988 – seja ultrajado por Penitenciárias Brasil a fora, superlotadas, verdadeiras universidades do crime, incubadoras de doenças!?

Alguns indivíduos já nascem com a índole predisposta ao crime, como gostavam e ainda gostam de sustentar alguns? Ou o determinismo é que tem a razão, o homem é produto do meio...? As altas taxas de criminalidade no Brasil são consequência da miséria, do escasso acesso a educação e falta de oportunidades? Quais as regras paralelas existentes no mundo dos detentos? Como vivem entre si e praticam suas próprias leis? É possível ter algum contentamento, viver, fazer planos à espera da liberdade, é possível a regeneração intramuros? Há arrependimentos? Prazer em ser bandido? E a moral? Os códigos de honra e ética? Como a sexualidade é vista e praticada? Até que ponto, dentro do Presídio, transar com alguém do mesmo sexo é considerado, por eles próprios, uma prática homossexual? São estas questões que ‘Salmo 91’ denuncia ao espectador.

O peculiar, entretanto, é o modo pelo qual Djalma Türler e seus artistas transformam tudo isso em arte teatral. Mais uma vez em parceria com o cenógrafo José Dias, o encenador consegue, longe de ser árido, nos apresentar um espetáculo forte, mas também lírico. Sobretudo porque seu principal ingrediente é a [teatralidade], essa coisinha muito dita e propalada, mas que só poucos dominam; outros a consideram cafona nos dias de hoje, por ignorância cênica! Teatralidade e jogo!, basicamente são os pilares das consistentes dinâmica e estética deste ‘Salmo’...

Nos últimos anos, poucas vezes se viu em Salvador uma direção tão senhora dos elementos do espetáculo. Tudo funciona em perfeita harmonia. Gozando de ótima amarração, basta dizer que a peça tem excelentes transições de cenas. Cenografia, luz, figurino, música e efeitos sonoros, intepretação dos atores, todos esses aspectos estão bem concebidos e executados. Possuem, portanto, conceito e funcionalidade. Anote-se, que Djalma nesta peça, evoluiu bastante na direção de atores.

O elenco formado por Duda Woyda, Lucio Tranchesi Rubio, Lucas Lacerda, Fábio Vidal e Rafael Medrado (cada um deles interpreta dois personagens) está no geral muito bem. Os cinco atores trazem dez interpretações consistentes, algumas delas até muito inspiradas e comoventes. Destaque para Duda woyda, que melhorou muito desde seu último papel. Ressalte-se também o belo desempenho de Rafael Medrado quando sustenta o seu primeiro monólogo na peça. Mas, sobretudo, devo mencionar Lucio Tranchesi Rubio, em seu segundo momento, quando interpreta um detento homossexual, a Veronike. Lucio consegue fazer uma personagem tocante, cuja profundidade e riqueza humana encontrada, é responsável pelo melhor momento do espetáculo. Diria mesmo que é imperdível conferir este trabalho de Tranchesi. Vejam!

Ponto fraco 1: o espetáculo é exageradamente longo. Com duração de aproximadamente 140 minutos, corre-se o risco de produzir cansaço no público. A propósito de quem interessar possa: eu dessa vez fiz, sim, uma enquete, e, de fato, posso falar por quem eu entrevistei: algumas pessoas se cansaram. Mas é provável que ao longo dos dias Türler perceba que pode e deve enxugar alguns dos monólogos, para o bem maior do espetáculo.

Ponto fraco 2: Não entendi onde essa encenação trata da “crise da masculinidade”. Aliás, eu sequer sei o que significa isso. Acredito que estamos vivendo a ‘crise da contemporaneidade’, ‘a crise de talento no teatro baiano’, 'a crise econômica da Europa’, enfim, nós próprios temos constantes crises, uns mais do que outros, é bem verdade... mas, “crise da masculinidade”, não entendo o que Djalma quer dizer com isso...

Recomendo esta peça!

Em Cartaz no teatro da Aliança Francesa, de quinta a domingo, às 20 horas.

PS.: amigos, lhes sugiro a leitura da crítica do espetáculo citado - 'O melhor do homem'. Arquivo: mês de janeiro. boa leitura!

Hedre Lavnzk Couto

segunda-feira, março 5

Crítica da montagem 'La Ronde'

Senhoras e senhores, Charles Dullin, diretor de célebre encenação de Ricardo III, de W. Shakespeare, gostava de afirmar que “a direção teatral necessita capacidade crítica e requer habilidade para fundir elementos heterogêneos numa forma de arte inteiramente consistente”. Bom...

Fato é que no último sábado (03/03) vi a peça La Ronde. Mas, antes de proceder à análise, o dever do ofício me impele a registrar um furo jornalístico: Harildo Déda está morto. Digo, o mito intocável, alimentado durante décadas por conta da ignorância e pobreza de repertório cultural da nossa província, o mito inquestionável de grande mestre das Artes Cênicas, ora desaba em queda livre.

Embora sempre haverá quem no jornal A Tarde negue, a direção de La Ronde, por Harildo Déda, nos traz a infeliz confirmação de um artista já cansado, desleixado, senão preguiçoso e, até mesmo, desrespeitoso para com o público. E se não é assim, como explicar, à luz da honestidade, os reiterados “abacaxis” levados aos palcos por Déda nos últimos anos.

Saco da memória sua atabalhoada montagem do ‘Hamlet’, que só impressionou pelo barulhento subir e descer de portas metálicas, comandado pelo intragável anti-ator Marcelo Flores, na pele de ninguém menos do que o Rei Cláudio. E falemos também, leitor, de sua versão de ‘As Bruxas de Salém’, peça marcante pelo constrangedor desmantelo cênico; onde nunca antes tinha o público (e Arthur Miller) testemunhado um encenador usar tão mal um proscênio. E mais, que dizer de sua ‘Farsa da Boa Preguiça’, espetáculo onde simplesmente o mestre se absteve de fazer a direção de seus atores, deixando o ator Eduardo Oliva, a título de exemplo, subir ao palco com uma construção vocal e corporal que remetia a uma exata cópia do Salsicha do Scooby Doo? Salsichas à parte...

Se a dramaturgia de La Ronde, como querem alguns, aborda um “universo de complexidade psicológica profunda, onde vários casais discutem e vivem questões de capital relevância da e para a raça humana”, o resultado desta encenação de H. Déda está mais para a genialidade artística dos esquetes de um ‘Zorra Total’. Em minha opinião o texto original do Arthur Schmitzier já é uma antologia de bobagens. Banal, inferior à maioria das sub-comédias românticas do cinema matinê americano. E o que Harildo Déda fez?

Subestimou o grau de dificuldade de levantar o tal do material dramatúrgico. Eu afirmei que o texto é ruim. Mas observem que estes são justamente os mais complicados de encenar. E o que tio Harildo fez? Decidiu heroicamente encená-lo em um único mês. E o que mais? Para tanto ele topou encarar dez atores. Mesmo sabendo que o elenco (com três exceções) é fraquíssimo. Fraquíssimo. Ok. Ok. Ocorre que Déda é Déda. Ou não é mais?

Conta-nos a historiadora do teatro mundial, Margot Berthold, que “quando o grande mestre da abstração cênica, Leopold Jessner, ao retornar, em 1920, de uma viagem por alguns teatros de províncias, foi questionado sobre suas impressões, deu uma resposta depois muito citada: ‘Escadas, nada mais além de escadas’”.

Já alertei, neste blog, em outras análises, a respeito de certas peculiaridades constantes da Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Apenas para reeditar duas delas, trata-se de palco com pouca profundidade e caixa cênica com pé-direito baixíssimo. Essas características têm sido madrastas em descortinar as inabilidades de diversos diretores em compor mise en scène.

Harildo convocou Rodrigo Frota para conceber um cenário do qual a encenação acabou refém. Um jogo de escadas que forma uma espécie de semi-círculo por quase toda a área central do palco, circundado por meia dúzia de postes de luz, e mais algumas resoluções [horríveis]. Um cenário ‘tampão’ (aliás, meu querido amigo Rodrigo tem se especializado nesses monstrengos) sem o menor conceito, criatividade e, principalmente, sem funcionalidade cênica. De forma que o desenho de cenas e a movimentação dos personagens tornaram-se extremamente repetitivos.

A direção também não pôde contar muito com o auxílio do desenho de luz dos iluminadores (ainda é assim que se denomina a função?) Eduardo Tudella e Pedro Dultra. A luz aqui é inusitadamente ruim. Não trabalha em parceria com o cenário na construção de áreas e atmosferas. Gozado é que a fala de um dos personagens já alerta para a necessidade de criar-se atmosferas para cada momento da vida. O diretor e seus artistas não se atentaram à dica preciosa do dramaturgo. O resultado? Monotonia, meu caro professor Tudella, monotonia. Cento e quarenta minutos de pura monotonia.

Outro aspecto que choca negativamente na encenação, além da má distribuição dos ambientes, é a confusão, a indefinição no que toca ao aproveitamento da presença do elenco, enquanto volume no espaço cênico. Uma vez que as cenas acontecem basicamente entre duplas de personagens, em diversos momentos temos a nítida impressão de que o diretor teve vergonha, timidez em assumir os outros oito atores como coro da ação, preferindo, na larga maioria do tempo, deixá-los, ou enclausurados nas coxias (o que fazia o palco explodir em vazio) ou mesmo ociosos, caídos ou vagando pelo tablado, produzindo grande dispersão visual. Em duas palavras: displicência, pressa... e o resultado do pouco caso foi...

Harildo não conseguiu se salvar nem na [direção de atores], sua propalada especialidade. Mas, para começo de conversa, deixando o falso marketing de lado, vamos de pronto acabando com essa falácia de que o elenco desta peça é formado por grandes nomes do teatro baiano. Porque se assim for, não convidem nem os seus inimigos para testemunharem uma peça com aqueles que seriam os ‘pequenos nomes’. Permito-me um parêntese: - Aliás, ao que parece, hoje é muito fácil ser grande por aqui, não é? Outro dia mesmo, a Eduarda Uzêda imprimiu que em Salvador existe uma diretora teatral CONSAGRADA!, acreditem, que atende pelo nome de Fernanda Júlia (who’s Bad?)

Relapso, o grande Baco nada acrescentou aos seus atores fracos, deixando-os à deriva. Annalu Tavares, não existe. Bruno Souza (na eternização de sua velha Benedita), não existe. Manhã Ortyz, não existe. Márcio Bernades, nunca será. Paula Moreno, ainda não. Ciro Sales? Thais Laila, realmente é ”uma coisinha doce”. Antonio Fábio, um bom ator, novamente mal aproveitado, com exagerada impostação vocal, além de sustentar fragilíssimas partituras corporais. Caio Rodrigo, um bom ator, porém, nesta peça, preguiçosamente se deixou interpretar o mesmo personagem que defende em ‘Pólvora e Poesia’. Aicha Marques, encantadora e boa atriz, no entanto, Harildo devia tê-la impedido de saturar seu personagem com resquícios de suas experiências anteriores em mímica e pantomima.

No geral, o elenco não tem liga. Raramente se verifica uma contracena verdadeira. Aliás, esse é um defeito recorrente no teatro de Salvador, diga-se de passagem. E em La Ronde identificamos outro problema bastante comum nestas plagas: atores que não sabem falar em cena. Quando não impostam além do além, mal conseguem articular uma breve seqüência de consoantes ou pronunciar a última sílaba.

Inconsistente. Não recomendo. Só para os masoquistas. Prato cheio...

PS: Lear, Lear, Lear... escute ao menos uma vez a paródia do pobre Macbeth: - A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, borra a cena inteira... Vomita a sua fala e sai. E ninguém mais o nota.

Hedre Lavnzk Couto.

p/ Eduarda Uzêda.

Recomendo...

Amigos, lhes indico o site www.cinelente.wordpress.com

boa leitura!

sexta-feira, fevereiro 10

Segue um texto da EFE – Londres, sobre a atual situação do teatro daquela capital

"Teatros londrinos batem recorde de arrecadação pelo 8º ano consecutivo:

Os teatros de West End, como é reconhecido o circuito de grandes palcos do centro da capital britânica, bateram o recorde de arrecadação na bilheteria pelo oitavo ano consecutivo em 2011, alcançando 631,4 milhões de euros.

Os números, divulgados nessa terça-feira pela SOLT - Sociedade de Teatro de Londres, fazem parte de um balanço que acompanha as bilheterias de 52 salas de teatros de Londres, o qual evidencia que em 2001 a venda de ingressos aumentou 3,1% em relação ao ano de 2010.

Segundo a organização, o aumento na venda de ingressos foi embalado por algumas estreias de musicais, caso de Matilda, e também pelos espetáculos de grande sucesso, como Os Miseráveis, que há 26 anos consecutivos é apresentado na capital britânica.

O aumento na arrecadação das bilheterias também foi amparado pelo êxito de novas produções , como a versão de Frankenstein, assinada pelo diretor de cinema Danny Boyle, além da premiada Jerusalém e a comédia One Man, Two Guvnors (...)".

Talvez essas informações possam nos levar a pensar sobre o nosso contexto, amigos.